Internacional

Fidel preferiu reinar no inferno a servir no paraíso

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Haroldo Ceravolo Sereza – O líder cubano cedeu, mas não pode se esquivar do fato de que reinou num inferno de privações. Sabia que o “paraíso”, no máximo, ofereceria alguns subempregos aos cubanos

Aviso ao leitor: este é um texto publicado originalmente em 1999, quando Cuba iniciava uma aproximação com a Igreja Católica. Originalmente, foi pensado como uma resenha, de um livro muito informativo e interessante sobre a revolução cubana. Alguns trechos, ao final, podem parecer um pouco ultrapassados pelos fatos, em especial pelas negociações que Raul Castro e Barack Obama levaram adiante, mas a análise se mantém.

Uma piada diz que Fidel Castro, no inferno, queria falar com o irmão, Raúl, mas não sabia se Cuba teria como pagar a ligação a cobrar. Perguntou à telefonista, que respondeu:

– Havana, Cuba? Vinte e cinco centavos. Daqui do inferno, a tarifa é local.

“Melhor reinar no inferno que servir no paraíso”, escreveu o inglês John Milton (1608-1674) em seu Paraíso Perdido (citado, aliás, por Luiz Alberto Moniz Bandeira no livro “De Martí a Fidel – A Revolução Cubana e a América Latina” – Civilização Brasileira). Tanto quanto para Fidel, a frase serve para Cuba como se para os habitantes da ilha houvesse sido cunhada.


Junto com Raúl Castro e Ernesto “Che” Guevara, Fidel foi responsável pela bem-sucedida guerrilha que tomou o poder em 1959

Os heróis da independência (1776) e dos primeiros anos dos Estados Unidos, como Thomas Jefferson e John Quincy Adams, preocupados com a expansão do território, viam Cuba, na época pertencente à Espanha, como fronteira natural. Mais à frente, poriam os olhos até em direção à ilha de Marajó, no Brasil.

Cuba sempre foi o alvo predileto da política externa norte-americana, nas variações mais ou menos violentas de seu imperialismo. Para os EUA, a ação externa deveria ser agressiva todas as vezes em que interesses de suas pessoas, físicas ou jurídicas, fossem ameaçados.


Apesar de controverso, Fidel foi um dos maiores líderes mundiais do século 20

Fidel Castro, um líder estudantil que, após um frustrado assalto a um quartel (La Moncada, em 26 de julho de 1953), teve de se exilar, jamais se comprometeu com uma ideologia ortodoxa até conquistar o poder. Seu irmão, Raúl, fora o único de seus aliados mais próximos a se filiar ao PSP (Partido Socialista Popular, o partido comunista de Cuba). Mas mesmo ele não hesitou em seguir o irmão no assalto ao quartel, contrariando as orientações do partido.

Dos demais, o argentino Ernesto “Che” Guevara dá o melhor exemplo da heterodoxia da Revolução Cubana: era um radical internacionalista, que via, na terra natal, até o populista Juan Perón com bons olhos, se esse se opusesse aos EUA.

A guerrilha de Fidel literalmente encalhou em Cuba em 2 de dezembro de 1956, no Granma, um pequeno navio, com 82 homens, e, dividida, foi atacada pelas forças legalistas. Reduzida, se reorganizou em um pequeno foco e acabou por tomar o poder.

Só um regime debilitado como o de Fulgêncio Batista (que teria fugido do país com dinheiro do Banco Central), baseado na corrupção e na violência e tortura de seus opositores, poderia ter sido vítima desse pequeno grupo, que cresceu com as adesões da população. Prova disso é que a tática fracassou do Congo à Bolívia, quando se tentou “exportar” o modelo.

A vitória de Fidel não significava, inicialmente, a vitória do comunismo. A aproximação com o PSP foi tensa, e o líder cubano esteve nos EUA em busca de anuência para o regime. No entanto, os EUA não aceitaram as reformas que Castro pretendia. Reforma agrária, nacionalização de empresas ligadas à infraestrutura etc. contrariavam os interesses dos investimentos norte-americanos na ilha.

Assim, a política norte-americana fortaleceu a esquerda do movimento castrista. E, a partir da invasão da Baía dos Porcos, em 1961, por um grupo paramilitar treinado pelos EUA, a relação entre os países tornou-se insustentável. Cuba, tão perto dos Estados Unidos, buscou refúgio na União Soviética. Fidel declarou o “caráter socialista” da revolução e adotou um regime baseado no soviético, fortemente influenciado pelo stalinismo. Foi assumindo poderes e afastando forças divergentes combinando discurso, burocracia e repressão política.

Cuba representou uma alternativa ao cumprimento dos desejos dos interesses norte-americanos. Se não foi seguida por outros países, sua postura foi no mínimo sustentada diplomaticamente por Brasil (até 1964) e México, dificultando uma ação militar direta dos EUA.

Fidel, 40 anos depois, pode ceder ao papa João Paulo 2º e permitir a comemoração do Natal na ilha. Mas não pode se esquivar do fato de que continua reinar num inferno de privações. Sabe também que o “paraíso”, no máximo, oferecerá alguns subempregos aos cubanos, quando seus interesses não forem mais contrariados.

http://operamundi.uol.com.br/conteudo/geral/39422/fidel+preferiu+reinar+no+inferno+a+servir+no+paraiso.shtml

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