Harold Meyerson – A campanha de Sanders mobilizou a maior esquerda democrática já vista nos EUA em décadas. Sua organização será capaz de manter viva a chama da revolução?
Na mesma época em que os Republicanos chegavam a Cleveland para sua convenção nacional, em julho, um grupo de apoiadores de Bernie Sanders do oeste da cidade decidia se manter mobilizado e organizado. “Quando percebemos que Bernie não entraria”, diz Steve Holecko, um professor aposentado que foi um dos pilares do gabinete de campanha, “resolvemos continuar juntos. Não havia em Cuyahoga County uma organização com a palavra “progressista”, assim formamos a Cuyahoga County Progressive Caucus (Comitê Progressista de Cuyahoga County)”.
Para quem quer que aquilo que Sanders chamou de revolução permaneça uma força política viva, o Cuyahoga County Progressive Caucus (CCPC) vem acertando. Juntamente com a senadora do estado e apoiadora de Sanders Nina Turner, o Comitê organizou uma série de eventos no leste de Cleveland, a parte fortemente Africana- americana da cidade, para desenvolver uma agenda cívica comum. Frustrado pela oposição da Câmara Municipal de Cleveland em elevar o salário mínimo para 15 dólares (a hora), o grupo trabalha ao lado de outras organizações para recrutar candidatos ao conselho municipal para eleição do ano que vem, e planeja oferecer treinamento para aperfeiçoar suas habilidades políticas. Uma das organizações parceiras da CCPC é a Federação Trabalhista de Northshore. “Queremos nos tornar uma força eleitoral na área de Cleveland”, explica Holecko.
Uma das complicações é a opinião morna (ou fria mesmo, para alguns) que muitos militantes de Sanders têm de de Hillary Clinton. O CCPC de Cleveland, dividido sobre esta questão, não trabalha de forma coordenada com a campanha de Clinton neste estado-pêndulo crítico, apesar de, em meados de setembro, Donald Trump estar à frente de Hillary nas pesquisas em Ohio. No entanto, o grupo, que mobilizou mais de mil voluntários para as primárias, está envolvido em esforços de cadastramento eleitoral juntamente com o Partido Democrata, e Holecko antecipa que a maior parte dos candidatos ao conselho municipal que o grupo apoia para o próximo ano será, provavelmente, de Democratas.
Mas Holecko está convencido de que a única maneira de manter a coesão entre os quadros de Bernie em Cleveland, entre hoje e novembro, é mantendo distância de Clinton (como aliás também do candidato presidencial do Partido Verde, Jill Stein). A grande maioria dos apoiadores de Sanders, de acordo com todas as pesquisas, apoiam Clinton, mas quando se trata dos voluntários incondicionais de Cleveland, Holecko diz, “um terço são ‘Bernie ou nada’. Nos mantivemos juntos até agora dizendo que este ano estamos concentrados em debates e cadastramento”.
A experiência dos Sanderistas do oeste da cidade pode ser emblemática do movimento Sanders como um todo – pressagiando um futuro para a esquerda norte-americana que pode ser tanto promissora ou auto-subversiva. O consistente número de pessoas, especialmente da geração do milênio, que aderiu à crítica do capitalismo americano atual feita por Sanders sugere que os jovens de hoje podem se tornar uma poderosa força geracional capaz de empurrar o país para a esquerda, assim como os jovens das décadas de 1930 e 1960 fizeram em sua maturidade.
Se este é o seu destino, e se será inteiramente cumprido, no entanto, vai depender fortemente de se as instituições da “esquerda Sanders” – sindicatos, grupos comunitários, formações eleitorais como o Partido de Famílias Trabalhadoras (Working Families Party, WFP) e o grupo criado pela própria campanha de Sanders, Our Revolution (Nossa Revolução) – serão capazes de manter suas fileiras mobilizadas e construir laços fortes com outros grupos progressistas. Essa tarefa será, no entanto, muito mais difícil se o sentimento anti-Clinton de alguns apoiadores e de instituições pró-Sanders contribuir para a eleição de Donald Trump.
É cedo demais para prever qual destes futuros alternativos o mundo Sanders vai criar, ainda que a eleição de 2016 esteja quase aí. Alguns de seus líderes – como o próprio Sanders – enfatizam as consequências catastróficas, tanto para a nação quanto para a esquerda, no caso de uma grande fatia da esquerda ser cúmplice de uma vitória Trump. Outros discordam, embora com as pesquisas apertadas de meados de setembro alguns tenham começado a tergiversar sobre sua postura de não-apoio (à candidatura Hillary). Embora muitas das organizações nacionais que apoiaram Sanders – como Working Families Party, Communication Workers of America, People’s Action, MoveOn.org – tenham endossado Hillary Clinton, outras, como o grupo on line People for Bernie (que em breve vai mudar de nome) e National Nurses United, recusaram-se a fazê-lo, embora também não apoiem Stein. Como os levantamento preliminar a seguir indica, ainda não está claro se as forças pró-Sanders poderão realizar todo seu potencial.
Quem examinar os votos obtidos por Sanders durante as primárias democratas vai constatar que seus partidários poderiam exercer uma potencial pressão para a esquerda sobre o discurso e as políticas da nação – até porque muito do apoio veio da geração Y, que era o coração e a espinha dorsal da campanha. Sanders obteve 71% dos votos de eleitores com menos de 30 anos; como concluiu uma pesquisa da Universidade de Harvard, não seria exagero falar de uma Geração Sanders na política americana. No entanto, entre todos os círculos eleitorais progressistas do país, é justamente na geração milênio que Clinton tem tido desempenho mais fraco segundo as pesquisas (não que eles pretendam votar em Trump). Este também é o grupo progressista com menor afinidade com a cultura organizacional tradicional, mas grupos como Black Lives Matter e Dreamers deixam claro que isso não é obstáculo para a criação de culturas organizacionais próprias.
Pesquisas de opinião feitas nos anos que antecederam a campanha de 2016, assim como qualquer análise da vida econômica dos jovens, mostram seu potencial como força progressista. Como aponta um estudo de Stanford, a porcentagem de pessoas na faixa de 20 e 30 anos que ainda vivem com seus pais é hoje maior que em qualquer momento desde 1940 – uma geração sobrecarregada por financiamento estudantil e uma economia que, de forma desproporcional, cria vagas de trabalho precárias e mal remuneradas. Outras pesquisas registram seu desencanto substancial não apenas com a economia mas com o próprio equilíbrio econômico do poder; em várias pesquisas, a geração milênio respondeu de forma mais positiva ao socialismo do que ao capitalismo.
Mas enquanto os jovens dos anos 1930 e 1960 formaram ou se juntaram a grupos e movimentos que carregavam marcas distintivas de radicalismo e reforma, os tão numerosos jovens que apoiaram Sanders em 2016 não compunham um movimento amplo ou próprio. Essa foi uma das razões pelas quais o mundo político ficou tão atordoado por seu grau de apoio a Sanders. O fracasso do Occupy Wall Street em construir qualquer organização (exceto alguns pequenos grupos de estudo e de ativismo), mesmo com pesquisas mostrando tanto apoio da geração do milênio às suas bandeiras, foi emblemático de como a Geração Sanders se relacionava com a política organizada – até que a campanha de Sanders começou.
Para centenas de milhares de jovens, a campanha marca uma primeira imersão na prática real da política. Duas organizações de jovens se beneficiaram diretamente desta imersão, vendo aumentar rapidamente os pedidos de filiação: os Jovens Socialistas Democráticos (Young Democratic Socialists) e os Jovens Progressistas exigindo Ação (Young Progressives Demanding Action). Ambos os grupos se recusaram a apoiar Clinton, mesmo depois de uma pesquisa de meados de setembro mostrar que a vantagem de Clinton sobre Trump diminuía especialmente entre a geração do milênio, uma vez que muitos estão migrando da ex-Secretária de Estado para Stein e o candidato do Partido Libertário Gary Johnson.
Não se sabe até que ponto a baixa popularidade de Clinton entre os eleitores jovens é resultado de esquerdismo desses eleitores – mais precisamente, neste caso, de esquerdismo infantil – e em que grau é reflexo da susceptibilidade dos jovens à narrativa da mídia pró-Republicanos de que Hillary é tão pouco ou até menos confiável que Trump. No mínimo, esses grupos poderiam trabalhar para convencer jovens eleitores a se distanciar não apenas de Trump mas também de Johnson que, segundo as pesquisas, está atraindo muito mais seus votos do que Stein. As posições tanto de Trump quanto de Johnson sobre questões ambientais – o primeiro nega a existência do aquecimento global, o segundo pretende abolir a legislação ambiental – deveriam, sozinhas, bastar para trazer muitos eleitores jovens para o campo de Clinton. Uma eventual neutralidade destes e de outros grupos na eleição de novembro, por outro lado, certamente vai prejudicar seu crescimento e credibilidade – além de representar ameaça ainda maior à própria democracia – na hipótese de Trump vencer.
A organização mais bem posicionada para manter as atividade dos trabalhadores da campanha Sanders foi a que surgiu diretamente dessa campanha.
Fiel à sua herança socialista, Sanders fez questão de dizer aos seus apoiadores, em cada discurso, que juntar-se à sua campanha era só o início de sua participação em um esforço de longo prazo para revolucionar as relações de poder. Assim como o herói de Sanders, Eugene V. Debs, cinco vezes candidato à presidência pelo Partido Socialista, pedia a seus simpatizantes não apenas para votar nele, mas para se filiar ao partido, Sanders se comprometeu a estabelecer uma organização permanente através da qual os fiéis poderiam continuar o trabalho de pôr a revolução em marcha.
Em agosto, Sanders revelou o nome da organização: Our Revolution. A entidade nasceu com um ativo de um tamanho e um peso que nenhum outro grupo ativo na política eleitoral de esquerda ou centro-esquerda poderia ter: o acesso à lista de doadores, voluntários e apoiadores da campanha de Sanders, que pode chegar a até cinco milhões de nomes. Nasceu, também, com um grande desafio: nenhuma campanha presidencial – na verdade, quase nenhuma campanha política americana – havia se desdobrado em uma organização permanente, com impacto constante e significativo na política.
A organização criada na sequência da histórica vitória de Barack Obama em 2008, Obama for America, nunca propôs ações que exigissem a imaginação ou o envolvimento dos milhões de ativistas que haviam feito campanha por ele. O Rainbow Coalition, de Jesse Jackson, era muito circunscrito às necessidades políticas do seu fundador – as mesmas limitações que fizeram naufragar outras organizações. Se não bastasse este desafio, Sanders e seus camaradas entenderam que tinham que construir uma organização política que mantivesse e renovasse o entusiasmo dos jovens para batalhas menos histórico-mundiais do que uma disputa presidencial. Após ter despertado a melhor parte de uma geração, eles admitem não ter uma fórmula mágica para manter este fogo aceso.
Embora a lista de apoiadores de Sanders seja suficiente para fazer do Our Revolution uma força potencial na política americana, o grupo ainda está descobrindo seu caminho. Seus desafios foram agravados já nas dores de parto, quando um grupo de jovens funcionários, em um movimento com ampla repercussão, deixou o grupo em protesto contra algumas de suas primeiras decisões – em particular, a escolha de Jeff Weaver, gerente de campanha e assessor de longa data de Sanders, como o presidente da entidade; e a definição do estatuto de organização 501 (c)(4), capaz de receber grandes doações, mas incapaz de doar diretamente para as campanhas de candidatos, em vez de ter sido estabelecido como um comitê de ação política que poderia, no espírito da campanha Sanders, receber apenas pequenas doações e doar diretamente aos candidatos. Outro fator limitante da categoria 501 (c)(4) é que funcionários federais eleitos – como um certo senador Bernie Sanders – não podem ter relações com este tipo de entidade. Os críticos temem que, apesar disso, o “pessoal de Bernie”, incluindo o próprio, tomará decisões, como a própria decisão de formar uma 501 (c)(4) – o que outros progressistas acham desconcertante.
Algumas dessas ansiedades foram acalmadas pela composição dos 11 membros do conselho, que inclui fiéis progressistas como o ex-presidente da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP na sigla em inglês), Ben Jealous, o comentarista de rádio Jim Hightower, e o senador por Ohio Turner. O conselho é presidido por Larry Cohen, ex-presidente dos Trabalhadores de Comunicação da América (Communications Workers of America) e fundador do grupo Trabalhistas com Bernie, considerado um organizador incansável e de espírito independente. Na primeira reunião, o conselho comprometeu-se a divulgar todas as contribuições consideráveis – o que não é obrigatório para uma 501 (c)(4).
Cohen reconhece que a organização ainda está em período de testes e ajustes, e que em proporção direta com a novidade histórica da sua missão, sua estrutura atual é experimental e provisória. “Precisamos de uma grande dose de humildade”, diz. Por ora, pelo menos, Our Revolution concebe seu papel como uma espécie de painel de controle: apoia alguns candidatos – este ano, estaduais e locais – e no site, fornece links para os Sanderistas que querem ser voluntários ou contribuir com essas campanhas, além de divulgar mensagens de apoiadores de Bernie nos distritos onde estes candidatos concorrem. Além dos candidatos, a organização também está pedindo ajuda dos apoiadores em algumas campanhas de referendos marcados para novembro – principalmente, por uma iniciativa da Califórnia que pretende fixar um teto para o preço de medicamentos, e um do Colorado que estabeleceria um sistema de saúde de pagador único.
A equipe de Our Revolution analisa e aprova os candidatos que os grupos apoiam, e Cohen reconhece que a maioria dos candidatos é recomendada por grupos que tiveram um papel na campanha de Sanders – como o Partido de Famílias Trabalhadoras, Amigos da Terra, ou Enfermeiros Nacionais Unidos (National Nurses United, NNU) – ou por líderes de campanha de Sanders nos estados. Ao optar inicialmente por este modelo de “painel de controle”, a organização parece seguir, ainda que à distância, o modelo de alguns grupos organizacionais digitais com foco principal na geração Y, jovens que não são facilmente atingidos por estruturas organizacionais mais tradicionais. “Os jovens podem otimizar suas campanhas com ferramentas digitais”, diz Winnie Wong, co-fundador do Povo com Bernie (People for Bernie), uma organização on-line que antecedeu a campanha presidencial Sanders, da qual era independente e agora sobrevive a ela. “Grande parte da Revolução Bernie foi organizada online.”
Mesmo assim, a maioria dos voluntários cujo primeiro contato com Sanders foi por meio digital acabou entrando nos escritórios físicos da campanha. Por ora, Our Revolution mantém-se longe deste tipo de organização: Cohen diz não ter planos de abrir escritórios pelo país, nem de contratar pessoal para coordenar atividades locais. Alguns ativistas de esquerda pensam que esta estrutura superenxuta seja um erro. “Eles pensar que é possível fazer coisas em nível local apenas com voluntários, sem qualquer estrutura ou pessoal próprio”, diz um destes críticos. “Não se constrói uma esquerda assim”.
Os apoiadores de Sanders foram bastante criticados por destinar grandes quantias à campanha derrotada nas primárias de Tim Canova no último verão contra a ex-presidente do Comitê Nacional Democrata e oponente histórica de Sanders Debbie Wasserman Schultz na disputa por um assento no Congresso pela Flórida. Em setembro, no entanto, Our Revolution desempenhou um papel fundamental para que a senadora pelo estado de Massachusetts Patricia Jehlen derrotasse o candidato conservador apoiado pelos defensores do sistema de escola charter (sistema de ensino no qual uma escola recebe fundos públicos mas opera de forma independente) nas primárias democratas do Estado, permitindo também que o candidato progressista à Assembleia, Mike Connolly, perturbasse levemente um candidato mais conservador num distrito que coincidia parcialmente com o de Jehlen – ambos localizados em Cambridge. Alertados pela Our Revolution, os apoiadores de Sanders forneceram a ambos doações e apoio local.
Como o Our Revolution tem direcionado energia para mais disputas estaduais e locais, os apoiantes Sanders vêm encontrando desafios que não existiram na campanha presidencial do senador. “Em se tratando de financiamento, por exemplo, a experiência de campanha de Bernie não vai ser repetida com facilidade em nível local”, diz Bob Mestre, copresidente do Partido de Famílias Trabalhadoras de Nova York e diretor político na região nordeste da organização Trabalhadores de Comunicação da América, o maior sindicato entre os que apoiaram Sanders. “Há um nível de esperança e expectativa particular em uma campanha presidencial, além da imensa cobertura da mídia, o que quase nunca ocorre em eleições locais. Transpor a energia e a emoção da campanha de Bernie para as disputas locais será um grande desafio no futuro.”
“A construção de organizações locais e estaduais pragmáticas e com chances concretas de obter vitórias legislativas,” continua Mestre “é muito mais difícil do que a magia de uma campanha presidencial. É preciso organização e consistência, e até acordos, às vezes. Acredito que a geração Bernie vai continuar envolvida com a política, e vai pressionar a política americana para a esquerda, mas vai ser necessário tempo e muito trabalho até que possamos descobrir como fazer a transição para o trabalho menos glamouroso que as eleições estaduais e locais exigem.”
Outro teste para o Our Revolution, e toda a esquerda Sanders, é se poderá se tornar um grupo de pressão efetiva e progressista num eventual governo Hillary Clinton. Our Revoltution já começou a organizar uma campanha nacional contra a Parceria Transpacífico (TPP) se esta for a votação no Congresso nos últimos meses do governo Obama ou nos primeiros meses de seu sucessor. O grupo informa sua enorme lista de apoiadores sobre as atividades anti-TPP e os mantém a par das negociações sobre o tratado.
Existe um amplo consenso, não só entre a esquerda Sanders, mas também entre organizações de centro-esquerda, de que o fracasso dos grupos liberais em pressionar o governo Obama em seus meses iniciais por mais políticas progressistas – sem dúvida, por exemplo, sobre a redução do número de execuções de hipotecas – foi um erro grave que deve ser evitado se e quando Clinton assumir o cargo. Com Sanders e a senadora por Massachusetts Elizabeth Warren como seus principais líderes no Congresso, a esquerda já critica a nomeação de adeptos da perspectiva de Wall Street para cargos de primeiro escalão, e trabalha para assegurar que os compromissos progressistas da plataforma Democrática sejam cumpridos por Hillary e pelos congressistas democratas. (Quanto estes Democratas poderão fazer, é claro, dependerá em grande parte de quem controlar a Câmara e o Senado).
Um foco claro, não apenas do Our Revolution mas também de grupos como o Partido de Famílias Trabalhadoras e People’s Action, é desafiar, a partir de 2018, os congressistas democratas que se opõem a essas reformas. O planejamento das campanhas já começou. A estratégia é claramente inspirada pelo sucesso do Tea Party entre os Republicanos: ao destituir os incumbentes que desapontaram membros do Tea Party, os direitistas do Partido Republicano encontraram uma maneira de trazer a maioria dos outros legisladores em sua direção. Como os Democratas lidam com questões como as reformas financeiras e os direitos dos trabalhadores, a esquerda do partido pretende expôr os legisladores que se mostrarem mais leais às corporações do que aos consumidores e trabalhadores.
Outra questão para o Our Revolution nos próximos anos – que pode ser vista por alguns partidários como um acordo de compromisso – é se deve apoiar candidatos que não apoiaram Sanders este ano. Até agora, a organização endossou apenas aqueles que apoiaram Sanders. Cohen, no entanto, diz que isso não pode ser um critério de decisão absoluto. “Não podemos construir um movimento olhando pelo retrovisor”, diz. No futuro, seus candidatos e aliados “não estarão limitados à constelação em torno de Bernie.”
Embora seja muito cedo para saber se o Our Revolution pode levar a revolução adiante, a campanha Sanders sem dúvida emprestou energia a uma ampla gama de grupos progressistas do país. Políticas apoiadas por eles e idéias que flutuaram por décadas obtendo pouco sucesso, de repente ganharam o apoio de milhões de eleitores. Com os limites do possível parecendo de repente menos restritos (a não ser, é claro, se Trump for eleito), muitos grupos da esquerda- liberal estão considerando o que e como mudar para mobilizar ainda mais os progressistas que Sanders fez sair da toca.
People’s Action, que emprega 600 organizadores em comunidades de baixa renda em 29 estados, trabalhando em questões de justiça econômica, intensificou o trabalho eleitoral, não apenas para Clinton, mas em conjunto com o Partido de Famílias Trabalhadoras, com foco nos desafios das eleições de 2018 para o Congresso. “Trazemos uma grande base de eleitores; eles trazem uma longa história de construção de formação política”, diz George Goehl, codiretor executivo da People’s Action. “Estou otimista em relação ao número de pessoas que fazem política de forma adulta, preparando-se de forma séria para desafiar os Democratas pró-corporações.”
Já o Partido de Famílias Trabalhadoras – sindicato e operação eleitoral progressista que, de maneira firme, trabalha principalmente dentro do Partido Democrata e elegeu mais democratas anti-corporações do que qualquer outro grupo em décadas – está investigando se sua organização de construção metódica tem a aprender com o tipo de organização que pipocou em torno da campanha Sanders. “Percebemos que há um grande apetite pelas coisas que acreditávamos que ninguém conhecia”, diz Dan Cantor, diretor-executivo do partido.
“Não vamos abandonar o que funcionou para nós, mas estamos experimentando novos tipos de organização também. Toda semana, algumas pessoas entram em contato e dizem que querem construir um Partido de Famílias Trabalhadoras onde vivem. Queremos dar as ferramentas para fazer isso, o que exige regras, responsabilidade e realismo. Estamos à procura do ponto, na organização política de massa, em a criatividade natural pode florescer junto com um plano focado e estratégico.”
“O desafio”, Cantor continua, “é como combinar a experiência e inteligência da esquerda organizada com a energia e vitalidade de pessoas mais jovens e menos experientes, mas muito inteligentes. Estamos orgulhosos do fato de o Partido de Famílias Trabalhadoras ter músculos eleitorais e influência. Mas o que a campanha Bernie e o movimento Black Lives Matter mostram é que uma estratégia externa funciona para mudar a narrativa. O WFP começou em uma época de muito pouca efervescência social. Hoje, há uma energia nova no ar e é nosso trabalho canalizar parte dela para a política. Um partido não é um movimento social, mas um partido como este deve expressar esses movimentos na disputa pelo poder governamental”.
Os Enfermeiros Nacionais Unidos, por outro lado, vê o seu papel mais como incentivador do que movimento social. A organização com sede em Oakland, cujo apoio a Sanders e oposição a Clinton foi o mais visível e volúvel entre qualquer grupo da esquerda, “vê o trabalho eleitoral, principalmente, como tática para a organização de campanhas em movimento, não como foco principal de nossa atividade”, diz o diretor-político da NNU Michael Lighty. O sindicato não recua das campanhas políticas que apoia: é o principal apoiador da iniciativa da Califórnia que pretende limitar o preço dos medicamentos sob prescrição médica, além de endossar as campanhas legislativas ao Congresso e nos estados dos candidatos pró-Sanders.
Lighty espera que o potencial organizacional de dois grupos pró-Bernie – People’s Action, com seus ativistas da classe trabalhadora, e People for Bernie, composto em grande parte por jovens ativistas das redes sociais – poderiam, separadamente ou em conjunto, “criar algo mais poderoso” do que a esquerda tradicional. Wong observa que a página do Facebook People for Bernie tem ainda mais visitas hoje – apesar de Bernie não estar mais em campanha – do que teve em momentos cruciais das primárias na primavera. O que as páginas apresentam aos leitores (muitos deles, senão a maioria, Sanderistas) são informações selecionadas e opiniões progressistas sobre uma série de questões, acontecimentos e públicas figuras – mas sobre nunca Clinton ou Jill Stein.
Em meados de setembro, as perspectivas de crescimento de Trump e a ansiedade decorrente em toda a esquerda levaram parte do universo Bernie-ou-Nada a se movimentar em direção a Clinton – “não por mérito de Hillary “, disse o líder de um destes grupos que apoiou Bernie e não considera votar em Hillary. Organizações que não endossam Clinton incluem os Socialistas Democráticos da América e os Democratas Progressitas da América. A maioria destes, como o NNU, duas organizações jovens com raízes nos campus universitários (Young Democratic Socialists – Socialistas Democráticos Jovens – e Young Progressives Demanding Action – Jovens Progressistas exigindo Ação), o CCPC, e People for Bernie – sentem que apoiar Clinton causaria muita divisão ou muito dor, ou ambos.
O que pode realmente estilhaçar o Mundo Sanders, no entanto, e certamente limitar sua capacidade de construir uma força progressista mais poderosa, é a recusa de algumas de suas principais organizações em apoiar Clinton desembocar em uma eventual vitória Trump. Não apenas grupos chave e as organizações que os representam – minorias raciais e religiosas, imigrantes, trabalhadores e os pobres – sofrerão mais se Trump vencer; mas seria pouco provável que se unissem em coalizão com as organizações e conseguissem mobilizar uma resistência ao primeiro quase-fascista a obter uma indicação de um grande partido. Os jovens que agora resistem em votar em Clinton também não vão olharão para trás com orgulho quando a Suprema Corte dominada pelos Republicanos porventura aumentar as restrições ao voto das minorias e reduzir acesso à contracepção e ao aborto.
Chega um momento na vida de todas as revoluções em que as circunstâncias corroem a solidariedade, quando surgem rachaduras, divisões e facções. A circunstância que mais corrói a solidariedade é o sucesso qualificado, que traz junto algum poder e algum compromisso. Ao obter 45% dos votos nas primárias democratas, Bernie Sanders tanto exerceu quanto ganhou poder. Como consequência direta de sua campanha, Hillary Clinton e a plataforma do Partido Democrata agora defendem coisas como a expansão, e não a redução, da Seguridade Social, o ensino gratuito em faculdades e universidades públicas, e a rejeição (ou, no caso da plataforma, a rejeição das disposições chave) da Parceria Transpacífico.
Para ativistas políticos experientes, foram vitórias claras. Para muitos novatos políticos, foram acordos que, junto com o endosso a Hillary Clinton por Sanders, sinalizaram uma traição à revolução. E o exército de Sanders era composto basicamente por novatos – não só porque tantos jovens aderiram aos seus ataques à plutocratização da vida americana, mas também porque muitos grupos progressistas, tendo certeza da escolha dela, apoiaram Clinton de saída, deixando assim tanto a campanha de Sanders quanto suas delegações na convenção nacional do partido com uma grande lacuna de progressistas experientes.
Se a revolução Sanders quiser mesmo concretizar seu potencial transformador, seus adeptos terão de reconhecer que seu programa radical só pode avançar com o apoio de um universo progressista mais amplo, para além dos fiéis Sandersistas já conquistados. Sua capacidade de avançar depende de suas próprias decisões estratégicas e do espaço político que uma vitória de Clinton criaria para a esquerda – ou, inversamente, que uma vitória de Trump fecharia. “Não podemos ganhar a revolução política de dentro de um bunker”, diz Goehl, do People’s Action, “e é onde estaremos se Trump ganhar. Podemos nos engajar em, ao mesmo tempo, derrotar Trump e construir um movimento. Precisamos fazê-lo”.
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/A-politica-progressista-pos-Bernie-Sanders/6/36978
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