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Atentados diminuem chance de integração dos muçulmanos

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CONTARDO CALLIGARIS – O que sabemos do homem tunisiano que, em Nice, atropelou dezenas de pessoas? Era residente francês, trabalhava como entregador, tinha três filhos e um passado de violência doméstica; a mulher estava se separando dele.

Os pais, na Tunísia, dizem que ele sofria de um transtorno mental e mostram uma receita (não sei de que remédio). Segundo os vizinhos, não frequentava a mesquita (preferia a academia de musculação).

Traço comum a muitos terroristas que morreram nos últimos atentados (desde o 11 de setembro 2001): uma existência não propriamente fracassada, mas inglória, uma espécie de decepção da vida.

Claro, as dificuldades econômicas dos próprios países muçulmanos (Tunísia, Egito, por exemplo) são reais. A dificuldade de integração numa Europa cada vez mais hostil também é real. E há a sensação de um certo descaso geral com as vidas muçulmanas mundo afora. Mas o fato é que a morte quase certa na jihad, para uma geração de jovens, parece ter se tornado a grande resposta heroica à mediocridade ou até apenas ao caráter mediano de suas vidas.

O assassino de Nice, pelo que sabemos, não era afiliado a nenhuma organização terrorista (pesadelo da segurança: qualquer um pode se transformar num terrorista, por iniciativa própria, e a logística agora é elementar: basta alugar um caminhão).

Mas os ataques compõem uma estratégia. Cada atentado aumenta a intolerância europeia (e mundial) e compromete as chances de integração dos jovens muçulmanos.

Ou seja, os atentados impossibilitam o sonho do imigrante, ao qual só sobra a vontade de destruir as imagens de seu sonho. O terrorista assassina o que ele não consegue ser, para negar seu desejo de ser assim.

A cada atentado, a integração se torna mais difícil, até que sobrará, vindo do Ocidente, só o ódio, que justificará qualquer ataque.

Além disso, os islamistas conseguem forçar a extensão, nas nossas democracias, de um estado de exceção que suspende garantias e liberdades individuais.

Por razões de defesa, nossos governos agem contra nossos próprios princípios. O terrorismo ganha quando ele nos mostra que não há como viver segundo nossos ideais.

Leitura urgente: “Estado de Exceção”, de Giorgio Agamben (Ed. Boitempo).

Teddy bears and candles sit between flowers at a makeshift memorial to commemorate the victims of an attack near the area where a truck mowed through revelers in Nice, southern France, Friday, July 15, 2016. A large truck mowed through revelers gathered for Bastille Day fireworks in Nice, killing more than 80 people and sending people fleeing into the sea as it bore down for more than a mile along the Riviera city's famed waterfront promenade. (AP Photo/Francois Mori) ORG XMIT: REB145

População de Nice reúne homenagens às vítimas do ataque com um caminhão, na quinta (14)

INIMIGOS DO PRAZER

Houve ataques terroristas contra o transporte, contra o trabalho, contra espaços e lugares simbólicos etc. Mas existem também (e talvez estejam aumentando) os atentados contra o prazer —por exemplo, a bomba no distrito turístico de Kuta, em Bali, Indonésia, em 2002.

Um casal da Flórida conta que foram celebrar seu noivado em Paris. A lembrança dos ataques de novembro 2015 os impedia de sentar nos cafés e “enjoy”. Decidiram passar o 14 de julho em Nice, onde daria para relaxar.

A Flórida me fez pensar no ataque à boate Pulse, em Orlando. O assassino queria sobretudo matar sua própria homossexualidade, mas Orlando é também a cidade dos parques temáticos que fazem sonhar as crianças do mundo inteiro —parques para brincar, que a gente goste ou não.

Bali, Paris, Orlando, Nice, Istambul etc. são lugares de férias —de prazer, espera-se. Uma veia do terrorismo islamista está atacando o nosso suposto hedonismo: “Eu não estou me divertindo, então vocês também não vão se divertir”.

Alguém deveria dizer aos terroristas que não precisa: nosso hedonismo é de araque, e nós já somos os piores inimigos de nossos prazeres.

http://m.folha.uol.com.br/mundo/2016/07/1792508-atentados-diminuem-chance-de-integracao-dos-muculmanos.shtml

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