Clemente Ganz Lúcio – O desenvolvimento econômico visa gerar bem-estar e qualidade de vida. A política econômica precisa buscar, entre outros objetivos, gerar empregos e aumento real da renda do trabalho. A economia política do desenvolvimento deve se orientar pela centralidade do trabalho como produtor e organizador da vida social.
As crises econômicas, recorrentes no capitalismo, travam o sistema produtivo, destroem os empregos, arrocham a renda do trabalho e desorganizam a vida em sociedade, gerando insegurança, precarização, pobreza e bloqueando a construção do futuro.
O que é bom para o emprego é o crescimento econômico sustentado pela demanda oriunda do aumento da massa salarial (mais empregos com melhores salários), pelos investimentos público e privado (infraestrutura econômica, social e produtiva) e pela capacidade ampliada de importar e exportar de maneira equilibrada.
Desde 2004, por quase uma década (2014), o Brasil colocou em prática uma estratégia econômica de crescimento, com geração de empregos, aumento dos salários e dos investimentos, que deram tração à produção. Os resultados apareceram durante todo o período, como destacam Baltar e Leone[1]:
O bom desempenho do mercado de trabalho manifestou-se, basicamente, na queda da taxa de desemprego (9,1% para 6,6%), no aumento do grau de assalariamento (a participação do emprego de estabelecimento na ocupação total aumentou de 57,3% para 63,8%), no aumento do grau de formalização dos contratos de trabalho dos estabelecimentos (a proporção de contratos celetistas e estatutários no total dos contratos de trabalho aumentou de 67,5% para 76,6%) e no aumento do nível de renda do trabalho (o poder de compra da renda mediana das pessoas ocupadas com rendimento positivo aumentou 64,3% ou 5,7% ao ano).
Em 2014, a economia travou, provocando a queda de -3,8% do PIB em 2015 e estimativa equivalente em 2016. Trata-se de uma das maiores retrações da atividade econômica da história do país. Em 2015, houve redução de
-14,1% no investimento (o que diminuiu ainda mais o estoque de capital) e de – 4 % no consumo das famílias, enfraquecendo o mercado interno. A indústria caiu -6,2% e a participação da indústria de transformação no PIB representa somente 11,4% (1/3 do que já representou). Os empregos e os salários sentiram essa queda e o desemprego reapareceu rapidamente.
Em 2015, o desemprego aberto cresceu 2,4 p.p., passando de 6,5% (2014) para 8,9% (2015), o que significou aumento de 39% do contingente de desempregados (Pnadc-IBGE). A taxa de desemprego DIEESE/Seade, que inclui o desemprego aberto, o desemprego oculto pelo trabalho precário e o desemprego pelo desalento, saltou, no mesmo ano, em São Paulo, de 10,8% para 13,2%; em Salvador, de 17,4% para 18,7%; em Fortaleza de 7,6% para 8,6% e; em Porto Alegre, de 5,9% para 8,7%.
Desde 2014, a indústria de transformação e a construção civil desempregam. Em 2015, os setores de serviços e comércio sentiram o impacto e pararam de contratar ou começaram a demitir. Redução do número de pessoas com carteira de trabalho assinada, aumento do assalariamento sem carteira e do trabalho autônomo ou por conta própria, sem contribuição previdenciária, são efeitos imediatos, o que faz ganhar força o movimento de precarização.
Os salários caíram 3,7%, segundo o IBGE. Desemprego em alta e salário em queda reduziram a massa salarial em -5,3%. Há repercussão no consumo, que caiu, e cresceu a inadimplência no crédito. O nível de atividade econômica vai despencando. São todos os vetores do círculo recessivo.
Em 2016, a situação continua se agravando, em velocidade e intensidade maior. Segundo o IBGE, a taxa de desocupação atingiu 11,2% em abril, aumento de 3,2 p.p. em relação ao mesmo período de 2015, o que significa um contingente de 11,2 milhões de brasileiros desempregados, 3,4 milhões a mais em um ano.
Ocorre forte queda no número de empregos formais com registro em carteira de trabalho (menos 1,9 milhão de postos de trabalho fechados), assim como no assalariamento sem carteira (decréscimo de 770 mil). Além disso, inserções ocupacionais como a de empregadores (- 216 mil) e a de empregados no setor público (- 632 mil) também diminuíram, no último caso, consequência do ajuste fiscal dos governos de estados e municípios. A recessão gera um tsunami que arrasa o mundo do trabalho.
Os jovens são gravemente afetados pelo desemprego, mais do que os demais segmentos etários. A taxa de desemprego cresceu mais de 80%, atingindo 38%. Um em três jovens de 14 a 17 anos, que estavam no mercado de trabalho, encontrava-se desempregado.
O caso da juventude é dramático. Nessa última década, o país avançou no processo civilizatório, retirando gradativamente os jovens do mercado de trabalho, gerando as condições familiares (emprego e renda) e institucionais (escola no território) para que eles priorizassem o investimento em formação. O risco que o desemprego traz é a reversão dessa tendência, fazendo com que os jovens sejam obrigados a procurar novamente oportunidades de trabalho, geralmente precárias e com baixos salários, muitos desistindo educação.
Nos dados da PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, observa-se, no início do ano, o amento do desemprego entre os mais jovens, as mulheres e os trabalhadores com ensino médio. Destaca-se o crescimento do desemprego entre os trabalhadores chefes de domicílio. Esse fenômeno agrava a situação orçamentária das famílias e empurra jovens, mulheres e aposentados, que estavam na inatividade, em direção ao mercado de trabalho, em busca de uma ocupação.
O desemprego cresce porque as empresas reduzem o número de postos de trabalho ou porque elas fecham e destroem definitivamente ocupações ou porque os governos reduzem o número de servidores contratados – especialmente os celetistas. Ao mesmo tempo, o desemprego cresce porque as empresas e os governos não abrem novos postos de trabalho e quem chega em busca de ocupação encontra apenas portas fechadas. Mas o desemprego também aumenta porque, diante da crise (desemprego, arrocho salarial, dívidas e gastos correntes para viver), mais pessoas vão para o mercado de trabalho tentar uma oportunidade de renda.
Este será um ano complicado, pois, além das restrições econômicas e fiscais ao crescimento, a crise política não dá trégua e promete ir longe. Até a retomada do crescimento e a recuperação da queda do produto interno bruto, serão necessários anos.
Nesse quadro, o desemprego, a informalidade e a precarização aumentarão, repercutindo na queda dos salários. A massa salarial se reduzirá, enfraquecendo o mercado interno de consumo. As empresas promoverão reestruturações, o que levará à redução do pessoal ocupado, mudando a estrutura de gestão e aumentando o investimento em tecnologia para economizar nos empregos.
Considerando o nível da capacidade ociosa da economia, a retomada da demanda (consumo das famílias, das empresas, dos governos e o investimento) será atendida pela ocupação da capacidade ociosa – as empresas fazem rodar primeiro as máquinas paradas, depois ampliam horas extras e, somente bem depois, contratam novos trabalhadores.
Nesse quadro, podemos inferir que os resultados sobre a geração de empregos começam a reduzir as taxas de desemprego um ano depois da retomada do crescimento. Considerando um cenário otimista, em que a economia dará sinais de retomada ainda nos próximos seis meses, é possível cogitar queda do desemprego no segundo semestre de 2017. Considerando um cenário em que a economia volte a crescer ao longo de 2017, o desemprego voltará a cair somente no segundo semestre de 2018.
A recessão trouxe o desemprego para ficar por um bom tempo. Os efeitos são conhecidos e dramáticos. Não há mágica. A saída é o crescimento. Sem abrir mão do mercado externo (mais restrito), aproveitando um câmbio de equilíbrio industrial, a saída para o crescimento é investir na dinamização do mercado interno a partir do investimento em infraestrutura econômica, social e produtiva, no desenvolvimento produtivo, na recuperação da renda etc. Essas prioridades exigirão difíceis e necessárias escolhas na política econômica.
Ao mesmo tempo, é fundamental proteger os empregos para preservar a massa salarial e o mercado interno de consumo (demanda) de 101 milhões de pessoas que participam do mercado de trabalho no Brasil – 92 milhões de ocupados e nove milhões de desocupados (IBGE, Pnadc, dez/2015). Será preciso colocar o emprego como prioridade, abrir espaço de negociação de políticas setoriais que incentivem o nível de atividade e a preservação dos postos de trabalho.
Fundamental também será adotar medidas mitigadoras do desemprego, com ações que:
- a) retenham por mais tempo os jovens nas escolas, com algum tipo de renda (bolsa);
- b) mobilizem a ocupação provisória – emprego de interesse público e/ou comunitário – para serviços (saúde, educação etc.) e obras de interesse coletivo (construção, calçamento, saneamento etc.), que geram um bem ou serviço e renda;
- c) ofereçam crédito e apoio para as micro e pequenas empresas;
- d) incentivem e apoiem iniciativas populares e solidárias de atividades econômicas na produção de bens e serviços;
- e) mobilizem recursos e regras para renegociação de dívidas de empresas e famílias, em condições adequadas;
- f) ampliem a proteção do seguro-desemprego.
Medidas como essas precisam ser implantadas para ajudar trabalhadores e empresas nessa difícil transição.
O Brasil tem enorme potencial para crescer de maneira sustentável, construindo capacidade política para alavancar o investimento público e privado; desmontando a indexação rentista; combatendo o spread bancário; dando potência à política monetária; organizando uma política cambial de desenvolvimento industrial; destravando o setor de construção, petróleo e gás; animando o desenvolvimento industrial; mobilizando o setor de serviços e de turismo; agregando valor na produção agrícola e pecuária, entre tantas outras grandes oportunidades.
Há um caminho para crescer, com geração de emprego. O que é bom para o emprego é bom para o país.
[1] BALTAR, Paulo; LEONE, Eugênia. Perspectivas para o mercado de trabalho após o crescimento com inclusão social. Revista Estudos Avançados nº 85, volume 29. USP.
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