Leonardo Sakamoto – Se dificultam o acesso à pólvora e a explosivos plásticos, criam bombas a partir de produtos de limpeza. Se colocam substâncias químicas na lista de produtos controlados, explodem carros ao lado de mercados, escolas e construções. Se criam cordões de isolamento para proteger edifícios, arremessam aviões. Se aumentam a segurança nos aeroportos, atacam baladas. Se controlam a entrada de pessoas suspeitas em locais fechados, atropelam pessoas na rua com um caminhão por dois quilômetros, matando mais de 80 delas, muitas das quais crianças.
O atentado terrorista em Nice, na França, ocorrido nesta quinta (14), durante as comemorações do feriado da Queda da Bastilha, esconde uma verdade incômoda. A chamada “guerra ao terror” não foi, não é e nunca será efetiva no seu intuito. Pelo contrário, tem contribuído em ajudar a inventividade humana a encontrar, diante de inócuas proibições, diferentes formas de matar em massa seus semelhantes.
Mesmo se for adotada uma das supremas ignomínias defendidas por políticos bizarros e populistas – excluir uma etnia, cidadania ou religião de determinado território sob a justificativa de segurança nacional – é bem provável que continuarão ocorrendo ataques. Afinal, não são imigrantes ou o islã os responsáveis pelo terrorismo, mas discursos e interpretações violentos, que apontam saídas fáceis para situações complexas, que encontram terreno fértil para crescerem e se desenvolverem. Terreno que pode ter a mesma cor de pele e nacionalidade da maioria dos moradores que são alvos de ataques.
O terrorista não precisa vestir capuz e casaco de couro pesado, carregando mochilas e tendo comportamento estranho, como anunciou em patético aviso a Agência Brasileira de Inteligência. Mas ser seu irmão, seu colega de trabalho, seu amigo, vestido de roupas leves e coloridas.
Medidas de combate ao terror servem mais para justificar à população dos países que são alvo dos ataques que algo tem sido feito em resposta. Até porque a realidade – que tudo isso de pouco ou nada adianta – é cruel demais e até insuportável para a vida em sociedade. Afinal, significa uma fragilidade e uma vulnerabilidade fortes demais para suportarmos.
A história da humanidade é uma história de luta por valores, pelo processo de dar significado à vida e ter hegemonia e controle sobre esse significado. E a chance (por mais demodê que pareça defender esperança nesses tempos sombrios), ainda é promover um diálogo multicultural e respeitoso entre as diferentes civilizações e os significados que cada uma dela dá à ideia de dignidade, construindo, de forma lenta e gradual, um sistema internacional de respeito aos direitos humanos.
Pois a forma mais sustentável de um povo ou uma comunidade libertarem-se do jugo da opressão religiosa ou da tirania social e econômica a que estão submetidos ou tornaram-se mais resistentes à propaganda ideológica violenta é através da construção da consciência sobre si mesmos, seus direitos, o mundo que o cerca e a fragilidade de nossa própria existência. E, sobre isso, temos falhado retumbantemente.
Nada que vem de cima para baixo ou de fora para dentro será capaz de produzir efeitos efetivos e duradouros nesse sentido. Nenhuma ação pirotécnica garantirá segurança à população.
E não rezem por Nice. Não creio que exista nada olhando por nós. Mas se houver uma divindade, certamente ela deve estar se perguntando por que, ao invés de matar e morrer por ela, nós não conseguimos viver em função de nós mesmos.
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/07/15/franca-nao-sera-a-guerra-ao-terror-que-acabara-com-o-terrorismo/
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