LUIZ EÇA – Depois de admitir sua derrota, Bernie Sanders reuniu seus adeptos para explicar por que apoiaria H. Clinton. Causara estranheza, afinal, Hillary é uma estrela fulgurante dos establishments de Wall Street e de Israel.
Explicando-se, ele garantiu que sua “revolução política”, que entusiasmara tanta gente, não iria morrer, pois suas ideias principais seriam adotadas pela campanha presidencial da candidata democrata.
De fato, por exigência de Sanders, diversos dos seus partidários integrariam o comitê de esboço da plataforma presidencial de Hillary Clinton.
Seriam cinco, bastava que apenas três dos outros 12 membros integrassem o grupo progressista do Partido Democrata para o documento ser algo para socialdemocrata nenhum botar defeito.
Teoricamente, o raciocínio parecia correto. Como, grosso modo, os militantes do partido dividem-se em direitistas, centristas e progressistas, pela lógica os últimos teriam ao menos três representantes no comitê de plataforma.
Mas, em política, a lógica costuma ser a do mais forte (mesmo em grupos ditos democráticos). No caso, a candidata e sua coterie, que só escolheram gente do seu agrado.
Tendo cinco contra 12, pouca coisa da “revolução política” sobrou na plataforma presidencial democrata a ser apresentada na convenção de Filadélfia.
Especialmente na área internacional, o grupo de Sanders foi triturado. Jim Zogby, presidente do Instituto Árabe-Americano, apresentou uma emenda que concluía assim: “por fim, o Partido Democrata não apoia intervenções norte-americanas diretas contra o regime Assad, incluindo a imposição de zonas sem voos aéreos ou zonas de segurança”.
É exatamente a política que o presidente Barack Obama segue, a rejeitar as pressões dos belicistas do seu governo, que querem ataques diretos contra o governo sírio.
Obama disse: “nós aprendemos nos últimos 10, 12, 13 anos que a menos que consigamos convencer os partidos em luta a concordar em viver juntos, de alguma maneira, nenhum volume de engajamento militar resolverá o problema”.
Com esse endosso, era de se esperar que a emenda do grupo Sanders fosse aprovada. Que nada. Protestos gerais dos oito aliados de Clinton presentes à reunião. “Não podemos comprometer a presidente. E se ela achar necessário colocar “our boys” em ação?”
Sufocado pelo número, Zogby retirou a emenda. O pessoal de Sanders voltou à carga com uma proposta mais importante, até mesmo fundamental.
Tratava-se de discutir as relações entre Palestina e Israel. Havia um texto na mesa afirmando o apoio os EUA a Israel e à “solução dos dois estados”. Atacava também a “campanha mundial para deslegitimar Israel” e o terrorismo palestino.
Emenda do grupo de Sanders concordava com tudo isso, mas pedia que fosse retirada a condenação da campanha do BDS (boicote dos produtos de Israel enquanto durasse a ocupação) e a inclusão do brado “Jerusalém indivisível” – ideia, aliás, condenada por resolução da ONU, que exige a divisão da cidade, cabendo Jerusalém Oriental aos palestinos.
E os liderados do socialista propunham “o fim da ocupação e dos assentamentos, ambos ilegais, para que a Palestina possa viver com independência, soberania e dignidade”. E ainda pediam a reconstrução de Gaza.
“Teríamos uma oportunidade”, diziam, ”de enviar uma mensagem ao mundo… De que a América ouve os apelos de ambos os lados. Que a América quer na verdade estimular as pessoas a uma paz justa”.
E, para dar um peso maior à sua proposta, foi informado que Sanders se envolvera pessoalmente na elaboração desse texto.
Não adiantou nada. Deu 8 a 5 contra a emenda. Só o pessoal de Sanders votou a favor. Ele ficou numa saia justa.
Apoiara publicamente H. Clinton, acreditando que sua revolução política iria ter vez na plataforma presidencial.
Poderia muito bem arrumar as malas e voar para seu Vermont amado. Preferiu ficar e lutar. Com o peso de 45% dos delegados que votaram nele, o candidato socialista espera apresentar ideias que mudem a plataforma do partido num sentido progressista na Convenção Nacional Democrata de Filadélfia no mês de julho.
Ele acha, por exemplo, que o aumento do salário mínimo é tratado de maneira vaga na proposta atual.
Quer dar nome aos bois – dizer de quanto será. Ele espera tornar a “mudança climática” ponto básico, dizendo que nesse assunto a comissão de plataforma “não fez um bom trabalho”.
Entre as emendas rejeitadas, Sanders quer reapresentar a que proíbe o fraturamento hidráulico – processo usado na produção de petróleo, que causa terríveis danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas da região dos poços. E pretende reduzir as emissões de carbono com a cobrança de um imposto sobre elas.
Por outro lado, Sanders elogia propostas do comitê de plataforma como a expansão da Segurança Social, fortalecimento das infraestruturas através de investimentos, a divisão de alguns bancos – eliminando diversas brechas legais nas taxas das corporações.
Esperançoso, o candidato da “revolução política” declarou: “penso que conseguiremos ter a mais progressista plataforma democrata da história, mas o mais importante é garantirmos que essa plataforma será implementada”.
Há muitas dúvidas quanto a estas duas expectativas. Uma terceira dúvida surge caso as coisas não corram bem na convenção. É que a plataforma finalmente aprovada seja diferente daquela com que Sanders sonha. Algo palatável ao establishment norte-americano.
Há alguma possibilidade de que, assim, ele saia da campanha ou mesmo retire seu apoio a Clinton.
Possivelmente, os estrategistas dela estejam meditando se vale a pena arriscar-se a esse perigoso desenlace.
Ou se não seria melhor uma solução de compromisso, a aprovar algo do programa de Sanders, mesmo às custas de irritar círculos adversos aos ambientalistas ou aos palestinos. Recente pesquisa da NBC/Wall Street Journal mostra que, sem Sanders, aumentam as chances de Trump ganhar.
Atualmente, a candidata democrata venceria por 45% versus 40% do rival. Com um terceiro e/ou um quarto candidato, a diferença em favor de Clinton cai de 5% para apenas 1%. Ou seja, empate.
Dois candidatos alternativos já estão no páreo. São eles: Gary Johnson, ex-governador do Novo México, apoiado pelos libertários – parte do Partido Republicano com ideias bem mais amenas, e Jill Stein – pelo Partido Verde.
O Partido Libertário espera ganhar votos em 50 estados. Mais modestos, os verdes confiam ter seu candidato votado em ¾ dos estados.
Ambos têm características capazes de atrair votos de eleitores progressistas ou moderados. Gente muito suscetível de acompanhar Sanders.
Outro dado interessante: enquanto nas eleições de 2012 apenas 11% dos eleitores independentes votaram num terceiro candidato, agora a pesquisa mostra que esse número seria de 35%.
Sairiam de qual dos candidatos? Ora, entre os eleitores independentes, Sanders conseguiu grande aprovação.
Se ele pedir que compareçam às urnas e votem em Clinton, haverá boas chances de ser atendido por grande parte deles.
Por tudo isso, vemos que Hillary Clinton, por uma questão de sobrevivência, precisará de Bernie Sanders.
Mas de um Bernie Sanders entusiasmado, vibrante, capaz de convencer seus adeptos de que a candidata democrata poderá fazer sua “revolução política” avançar.
Muito diferente de um Sanders derrotado na definição da plataforma do partido, de cabeça baixa, vencido, apoiando a candidata democrata burocraticamente. Tão somente por ser uma figura menos má do que The Donald.
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