Leonardo Sakamoto – Os 10% mais ricos da força de trabalho brasileira aumentou sua renda de 2015 para cá enquanto a metade mais pobre diminuiu. É o que aponta um levantamento realizado pela Universidade de São Paulo. Com isso, a desigualdade cresceu, ao contrário do que aconteceu entre 2001 e 2014, quando ela recuou pelo fato da massa da renda dos trabalhadores mais pobres ter crescido mais do que a dos mais ricos.
Traduzindo em português, nessa crise, como em todas as crises, a ralé rodou.
Nesse contexto, o governo interino de Michel demonstra um carinho grande com o andar de cima ao propor o limite de gastos com educação e saúde (que afeta o povaréu) e evitar medidas que tirem uma pequena lasca dos mais ricos.
Por exemplo, a taxação de lucros e dividendos recebidos de empresas e uma alteração decente na tabela do Imposto de Renda – criando alíquotas de 35% a 40% para cobrar mais de quem ganha muito e isentando a maior parte da classe média. Ou a regulamentação de um imposto sobre grandes fortunas e um aumento na taxação de grandes heranças – seguindo o modelo norte-americano ou europeu. Todas essas medidas têm função arrecadatória, mas também de redução da desigualdade social.
Não resolvem os problemas econômicos. Mas seriam ótimas ações para que o governo interino demonstrasse que suas prioridades de curto prazo não são apenas com as classes sociais e associações empresariais que os colocaram lá, mas também com o povão que não foi às ruas, nem a favor, nem contra o impeachment, e assistiu a tudo bestializado. Afinal, democratizar a chicotada também é por uma questão de justiça social.
É engraçado que muitos entre nós, os mais abastados, não reclamam do dinheiro público quando ele nos beneficia. Seja através do peso relativo menor na carga tributária, do benefício de estudar em boas universidades públicas, dos juros pagos em fundos baseados na dívida federal, da polícia que sarrafa os pobres e também morre para nos proteger.
Mas gritam, berram e vociferam ao defendermos a manutenção de programas de transferência de renda ou criticarmos a implantação de tetos para gastos públicos em educação e saúde. E fuzilam com os olhos ou partem para as vias de fato quando tenta-se discutir taxas e impostos sobre os mais ricos para que os que têm mais ajudem com mais para sairmos da crise.
Isso não é criminalizar quem é abastado, como muito tem se falado toda vez que se toca nesse assunto. Mas rediscutir um sistema que, em todos os momentos, de crise ou de bonança, faz com que os muito ricos sejam poupados, enquanto os mais pobres vão virando geleia.
Para muita gente, fraternidade e solidariedade são palavras que significam “doação de calças velhas para vítimas de enchente”, “brinquedos usados repassados a orfanatos no Natal” ou “um doc limpa-consciência feito a algum orfanato”.
Nada sobre um esforço coletivo de buscar a dignidade para todos, com distribuição imediata (e não depois que o bolo crescer) da riqueza gerada no país. Crescimento produzido pelos mesmos trabalhadores que não desfrutam da maior parte de seus resultados. Porque, apenas teoricamente, todos nascem iguais.
Considerando que o governo coloca em seu horizonte a discussão sobre as mudanças na política da valorização do salário mínimo para os da ativa e pensionistas, as alterações no financiamento do Bolsa Família e, é claro, a própria reforma da Previdência Social, percebe-se que a redução da desigualdade social não voltará tão cedo.
E se eu dissesse que “dar dinheiro aos ricos os torna vagabundos?” Por que usar a frase para os pobres é ser um “analista sensato da realidade” e usar a frase aos ricos é ser um “canalha de um comunista safado”?
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/06/21/nesta-crise-nao-de-dinheiro-aos-ricos-isso-os-torna-vagabundos/
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