José Geraldo Couto – Em “Jogo do Dinheiro”, a máquina financeira de concentrar riquezas e poder aparece em seu lado dramático — e revela, ao mesmo tempo, tendência irresistível ao futil e ao brega
Por algum motivo, ou por todos, a especulação financeira – com os desastres sociais decorrentes – tornou-se um tema frequente no cinema norte-americano atual. Depois de O lobo de Wall Street (2013) e A grande aposta (2015), agora é a vez de Jogo do dinheiro.
Cotejado com seus antecessores, o filme dirigido por Jodie Foster tem uma diferença fundamental: toda a sua ação concentra-se em poucas horas, ainda que conecte diferentes partes do planeta. Concentração e conexão, conforme veremos, são as ideias-chave para apreender o dispositivo narrativo do filme.
Em tempo real
Tudo se passa durante um programa televisivo de economia, Money monster, em que, entre dancinhas ridículas e jogos estúpidos, um apresentador-showman, Lee Gates (George Clooney), dá dicas de investimento aos espectadores. Um jovem desempregado (Jack O’Connell) invade o estúdio durante o programa e toma Gates como refém, ameaçando explodir o prédio todo, em pleno centro de Manhattan. Exige, ao mesmo tempo, que as câmeras continuem transmitindo ao vivo o que se passa.
Como a razão do “intempestivo gesto” foi uma dica infeliz do apresentador, que levou o rapaz a investir todas as suas economias em ações que despencaram drasticamente, o único meio de evitar a tragédia é descobrir o que aconteceu com tais ações, tarefa que mobiliza a polícia, jornalistas da emissora, analistas econômicos,hackers e gênios da matemática em locais tão distantes como Coreia, Suíça e África do Sul.
Ao esmiuçar a gigantesca fraude financeira following the money numa narrativa que simula o tempo real, Jodie Foster não apenas constrói um suspense eletrizante, como acaba por retratar características centrais da nossa época: a economia globalizada, a conexão universal via internet, a transformação imediata dos fatos em espetáculo.
O circo que se arma em torno do estúdio invadido, com transmissão ao vivo e uma massa de curiosos na rua, lembra a situação análoga de Um dia de cão, de Sidney Lumet, e, em menor medida, de O plano perfeito, de Spike Lee. Só que aqui a conectividade e a interatividade são tremendamente exacerbadas. Configura-se um vertiginoso espaço virtual em que são abolidas as fronteiras geográficas, sociais e culturais. É tudo ao mesmo tempo agora, como num gigantesco videogame.
Ritmo e humor
Não há tempos mortos nessa narrativa tensa e vibrátil. Tudo é exposto do modo menos literário, menos teatral, mais cinematográfico possível. Um exemplo singelo: um policial localiza a casa do invasor do estúdio, vê uma jovem entrando nela e a aborda, perguntando qual a sua relação com o rapaz. Ela apenas vira o corpo e mostra a barriga de grávida. É uma imagem que responde a pergunta – e ainda ilumina melhor as motivações do gesto extremo do sujeito.
O relaxamento, sempre breve, vem dos momentos de humor que pontuam a narrativa – e que são ótimos, graças em grande parte ao talento de Clooney para a paródia e a autoironia. Boa porção da graça vem do fato de ele se relacionar ao mesmo tempo com o ensandecido que o ameaça e com a “voz da razão” da diretora do programa (Julia Roberts) que fala ao seu ouvido através do ponto eletrônico.
No mais, Jodie Foster demonstra como diretora uma grande segurança na orquestração dos diversos pontos de vista e no controle do ritmo. Trabalha dentro da tradição e das regras de gênero, mas atualizando-as e renovando-as com a dinâmica de seu (nosso) tempo. O resultado é um dos grandes filmes americanos do ano até agora.
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