Educação

Escola sem partido e os suspiros reacionários

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Ricardo AlvarezA educação entrou no centro dos debates de um país que ferve politicamente. Estranho não é pautar a educação, o que chama a atenção são as propostas apresentadas pela Escola Sem Partido: senso comum, positivismo e o fundamentalismo.

Nos últimos dois anos a direita clássica brasileira está sendo engolida pela nova direita. Não que as diferenças entre ambas sejam abissais nos fins, mas nos meios.

A velha direita aposta nos mecanismos clássicos de representação: na articulação entre os três poderes, na democracia liberal e na grande imprensa.

A nova direita veio para romper com isso: a critica despolitizada à corrupção (apoiada nas fragilidades éticas individuais e não na estrutura político/eleitoral) derrubou a crença na vitalidade mediadora entre o executivo, o legislativo e o executivo. A democracia liberal e seus mecanismos estão sob forte questionamento, com flertes ocasionais aos governos militares pós 64. E até a grande imprensa, aliada de primeira hora e mesmo que promovendo ataques seletivos a alvos determinados, é achincalhada quando defende o pouco que temos de República.

Os velhos mecanismos de representação não dão conta do ritmo com que se deseja aplicar as mudanças.

Para a nova direita, não há tempo a perder: o campo da discussão política se desenvolve a partir de novos atores e no resgate de velhas pautas. A pressa em mudar desloca o debate para o terreno da intransigência, onde os argumentos valem menos e os sentimentos valem mais. E quem pode contra eles? É como tentar convencer que a Terra gira em torno do sol.

O Senso comum

A Escola Sem Partido se alimenta deste contexto, agravado pela mais completa falta de conhecimento sobre o que é ciência e crítica.

Se o professor promove a discussão sobre o capitalismo, debate os Direitos Humanos, estimula a reflexão sobre as diferenças sociais e os direitos e opção de vida, trabalha a questão indígena, analisa a problemática do racismo, enfim, provoca a reflexão dos alunos, ele estará, ao mesmo tempo, fazendo uma Escola Com Partido.

Para os incautos todos estes conteúdos estão eivados de ideologia. Estamos fazendo nossos alunos odiarem o capitalismo, amarem os indígenas e desejando ser gays na primeira oportunidade que surgir.

Outra questão central é o próprio nome do movimento. Escola é uma coisa, partido é outra. Seria ridículo acreditar que nas escolas se faz apologia de agremiações partidárias. Busca-se nivelar por baixo a formação crítica, associando-a doutrinação partidária. Beira o infantil.

Caso prolifere a Escola Sem Partido – que se deseja transformar em pedagogia -, professores podem ser queimados vivos na fogueira pública da ignorância, como Giordano Bruno que defendeu Kepler e sua teoria heliocêntrica.

Compreender a complexidade do mundo hoje exige ferramentas de análise que fogem dos simplismos. O senso comum serve para animar debates numa mesa de bar, mas nunca para sustentar um Plano Nacional de Educação.

O pensamento crítico é uma conquista da humanidade, não uma arma de difusão ideológica do comunismo. Até o iluminismo percebeu isto.

Além disso, a liberdade é o fundamento do aprendizado. Não existe escola sem ela. A sua gerará alguma coisa que não poderá ser chamada de escola.

O positivismo

Para os partidários da escola doutrinária não existe uma sociedade dividida em classes, não existem divergências de objetivos e todos caminhamos eufóricos para o mesmo fim: uma sociedade avançada e feliz.

Como se explicam as divergências? Por que existem conflitos e guerras? O que explica a existência de greves e movimentos reivindicatórios?

Simples. Existem indivíduos que buscam atrapalhar a construção social do progresso coletivo nesta caminhada indiscutível e inquestionável de sucesso. Estes devem ser tolhidos. Falta Ordem para se alcançar o Progresso.

Temer já deu pistas quando citou a famosa frase “Não fale em crise, trabalhe”. Mais positivista impossível.

A Escola Sem Partido reivindica, mesmo que não explicitamente, este princípio. Sua visão de mundo em que todos caminhamos para o mesmo fim (progresso) e é preciso apenas aparar arestas sociais (ordem) serve de suporte para uma escola asséptica pedagogicamente, desnutrida de conteúdos e distante da realidade.

É desnecessário dizer que esta concepção de mundo serve de combustível aos interesses do capital, pois a ordem vigente, se mantida sem questionamentos, representa de um lado a garantia do lucro e, de outro, o ataque aos insurgentes.

Vai ser difícil explicar que o agronegócio é amigo dos lavradores, que o lucro é amigo dos trabalhadores, que o desmatamento é amigo do progresso e que o racismo é amigo dos negros.

O que se critica é o que será implantado: uma escola de robôs, mecanizada, fordista e controlada por órgãos superiores de “qualidade”.

O fundamentalismo

O professor de biologia deverá ensinar que estamos aqui por causa de Deus (creacionismo) e Darwin deve ser banido. A escravidão terminou por que os brancos (alguns) ficaram com pena dos negros e que discutir a morte de negros na periferia é incitar o racismo.

Nossos alunos deverão cantar o hino nacional todos os dias e rezar um pai nosso. A Bíblia deverá ter trechos lidos frequentemente, de preferência antes do início das aulas, além de estar em todas as classes. O crucifixo deve ser colocado acima da lousa e devemos louvar a família e o emprego de nosso pai e mãe.

Talvez, no desenvolver da proposta, como devemos educar nossos filhos para a ordem, aulas de tiro devem ser incluídas no currículo, o serviço militar obrigatório poderá ser feito durante o ensino médio e retornaremos com as aula de educação moral e cívica. Nossos generais terão seus nomes lembrados e devemos olhar com desconfiança para os países vizinhos.

Vamos explicar a África a partir da noção de “desgraça original”, citada pelo grande educador e deputado Marcos Feliciano, os alunos gays devem ser espancados pois também fazem parte do grupo dos desgarrados que atrapalham a normalidade social e atravancam o progresso (cura gay). Faremos adesivos para os carros dos pais com o lema “Brasil ame-o ou deixe-o“, ou nas janelas de casa com “Quem não vive para servir ao Brasil, não serve para viver no Brasil”.

Para onde vamos?

Em 1937, a Alemanha de Hitler fez valer a Lei do Funcionalismo Civil, que impunha aos professores a obrigatoriedade em defender as ideias e princípios nazistas, além de jurarem fidelidade ao Führer.

Eis o que se avizinha. O Ministério da Educação determinará conteúdos nacionais que representam uma linha de pensamento com o argumento de que ela será a média comum, aceita por todos. Acredite se quiser.

Nossos mestres ficarão reféns de pais, diretores e de elementos externos à escola. Evaporará a liberdade de cátedra. Nosso alunos serão doutrinados pelo pensamento único, como se a sociedade fosse uma massa uniforme e desprovida de diferenças e divergências de interesse.

A Escola Sem Partido defende uma escola ideológica, desprovida de criticidade e anêmica. Absolutamente incompatível com a liberdade de expressão e que tem suas referências pedagógicas no pensamento único e históricas na escola nazista.

Eis por que Bolsonaro é aclamado. A direita mais patética saiu do armário e, incapaz de refletir sobre a realidade, repete fajutices e frases feitas, acredita no fortalecimento da família como redenção social, nas bençãos de Deus e nos militares como guardiões da ordem.

Vamos andar para trás e a crise da educação brasileira será remediada com superficialidades e uniformidade.

A direita mais xenófoba, racista, misógina e reacionária está dando o ar da sua graça no mundo e no Brasil. É o efeito Trump. E agora quer uma velha escola com ares de nova.

Ao prevalecer esta proposta tomaremos o atalho para as trevas sem direito a arrependimento. Vai custar caro e décadas de atraso, afinal trocar Freire por Frota não se faz impunemente.

Comments (1)

  1. li, terrível e o pior parece ser muito possível que isso ocorra. Estive na Câmara de São Bernardo, ocupei a Tribuna em crítica ao Projeto de Rafael Demarchi que já em 2015 propunha a Escola sem Partido como referência pedagógica do município. Ali lembramos que a escola pública é lugar de todos, é uma socialização da nação, do povo, dos costumes construídos coletivamente por todos e todas. A escola não pode ser o lugar da socializaçaõ primária que é da família, do particular, ela é pública, é lugar da socializaçaõ secundária. As crianças vão à escola para perceberem que há outras formas de vida e organização social diferentes daquelas de sua casa, de sua família. O país é diverso. Talvez tenhamos que construir um novo Manifestos dos Pioneiros de 1932, nestes ares de Escola sem Partido, a educação volta a ser sintetizada como privilégio, nos afastamos do direito à ela. Bom contar contigo na construção de um grupo de educadores lúcido que faz a crítica aos dogmas deste novo-velho-tempo. Parabéns pelo texto, muito bom.

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