Patrick Baudouin – Enquanto a facilidade com a qual circulam jihadistas salienta a insuficiência dos meios colocados a serviço da justiça, o governo responde com a privação de direitos: a prolongação do estado de emergência. Ganhando espaço sobre as liberdades fundamentais, ele faz o jogo daqueles que combatem a democracia pelo terror
Diante do aumento do terrorismo, o debate entre liberdade e segurança ganha uma intensidade sem precedentes para as democracias cujos próprios fundamentos estão ameaçados. Logo na sequência dos ataques de 11 de setembro de 2001, foi proclamada a “guerra contra o terrorismo”. Os Estados Unidos adotaram então o Patriot Act, que permite, por exemplo, deter estrangeiros por um período indeterminado, sem nenhuma acusação precisa, por simples suspeita de participação em atividades terroristas ou ligações com organizações terroristas. Assim nasceu o centro de detenção de Guantánamo, com suas centenas de prisioneiros qualificados como “combatentes inimigos”, vítimas dos piores tratamentos e em detenção ilimitada.
Diversos outros países, em todos os continentes, seguiram os passos dos Estados Unidos, colocando em ação legislações e práticas de exceção que deram lugar a múltiplos desvios. No entanto, o mundo não se tornou mais seguro por isso, e os atentados a esmo, longe de desaparecerem, não pararam de se desenvolver.
Desse acúmulo legislativo, a França não ficou de fora. Desde 1986, depois de uma onda de atentados atribuídos à Action Directe, um regime de exceção foi instaurado, estabelecendo as bases da legislação antiterrorista francesa: infrações e regras de procedimento específicas, duração de custódia prolongada, poderes policiais reforçados, corpos de magistrados especializados, tribunal de júri especial. Desde então, mais de quinze textos visando reforçar o sistema de exceção se acumularam. Foi assim que em 22 de julho de 1996 foi adotada uma lei que introduzia como infração autônoma a noção extremamente flexível de associação de malfeitores “em relação com uma empresa terrorista”. Uma disposição que o juiz de instrução Marc Trévidic qualificou como “um instrumento terrivelmente eficaz, mas também potencialmente perigoso para as liberdades individuais”.1
No contexto do pós-11 de Setembro, uma lei visando à ameaça islamita e apresentada como temporária, votada em 15 de novembro de 2001, foi perenizada por uma legislação de 18 de março de 2003. Ela comporta disposições que facilitam as perseguições domiciliares e os controles das zonas aeroportuárias e portuárias, e obriga os operadores a conservar e comunicar seus dados em matéria de comunicações. Esses meios de vigilância e controle foram completados e reforçados pela lei de 9 de março de 2004, chamada Perben II, de luta contra o terrorismo e a grande criminalidade, depois por uma lei de 23 de janeiro de 2006, consecutiva aos atentados de Londres, em julho de 2005, que autoriza, por exemplo, o desenvolvimento intensivo da videovigilância e o acesso aos arquivos administrativos, e prolonga a duração da custódia de quatro para seis dias em caso de “risco de iminência de uma ação terrorista na França ou no estrangeiro”.
Mais recentemente, uma lei de 13 de novembro de 2014, que deveria ser uma resposta aos temores suscitados pelos “lobos solitários” depois do atentado cometido seis meses antes no Museu Judaico de Bruxelas, criou o delito de empresa terrorista individual. Uma nova dinâmica apareceu com esse texto: poderes crescentes foram acordados à administração e ao Executivo, com a introdução de uma proibição administrativa temporária de saída do território por decisão do ministro do Interior e de uma proibição administrativa de entrada no território francês, em caso de ameaça, contra qualquer indivíduo estrangeiro não residindo habitualmente na França.
Os atentados de 7 e 9 de janeiro de 2015 em Paris foram seguidos do voto da lei sobre a informação,2 cujo objetivo assumido era reforçar os meios dos serviços secretos legislando procedimentos particularmente intrusivos praticados desde longa data. O texto, argumentava o governo, permitiria enquadrar melhor as atividades dos serviços. A extensão do campo de aplicação dessa lei, denunciada pelos defensores dos direitos humanos, lhes deixava, ao contrário, com as mãos livres para exercer, sem controle judiciário, uma vigilância em grande escala, que pode se referir não apenas aos indivíduos visados, mas também ao seu círculo de relações.
A questão não é a falta de leis
Um passo suplementar e preocupante acaba de ser dado com as decisões consecutivas aos atentados de 13 de novembro de 2015. O Parlamento votou rapidamente e quase unanimemente a prorrogação por uma duração de três meses do estado de emergência, que oferece às autoridades administrativas um amplo painel de medidas coercitivas: toque de recolher, perseguições a qualquer hora, controle ainda mais reforçado da internet, fechamento de locais públicos, proibição de se manifestar, convocação em domicílio com obrigação de permanecer em casa por doze horas seguidas, extensão da vigilância eletrônica, dissolução de associações ou agrupamentos cuja atividade atente contra a ordem pública… Cada uma dessas medidas comporta riscos de desvios. Assim, as perseguições podem acontecer em plena noite na casa de pessoas que na verdade são completamente estranhas a qualquer ato de terrorismo; as convocações em domicílio são autorizadas desde que existam ameaças fundamentadas “em presunções sérias”, o que permanece muito vago; algumas manifestações serão proibidas não pelo motivo alegado de perigo terrorista, mas em razão de outras considerações inconfessadas.
O conjunto se inscreve em uma tendência pesada de afastamento do juiz, que, no entanto, é o fiador essencial das liberdades individuais. É preciso ainda acrescentar a isso o projeto de inserir na Constituição um artigo relativo a um estado de crise ou estado de emergência, assim como a extensão da possibilidade de perda do direito à nacionalidade dos binacionais nascidos em território francês. Essa última medida, desnudada de qualquer utilidade real, apresenta-se com uma amplitude simbólica desastrosa.
Para justificar essas iniciativas, o presidente da República, adotando uma atitude marcial, retoma por sua vez as expressões bushianas de “guerra contra o terrorismo” e “erradicação dos terroristas”. Tal postura é ao mesmo tempo ineficiente para o que se pode simplesmente chamar, sem recorrer a uma linguagem guerreira inútil, de luta contra o terrorismo e perigosa para as liberdades. Uma engrenagem infernal conduz, após cada matança, a adotar no pânico disposições tão contraprodutivas quanto ilegítimas. Onde esse acúmulo vai parar, sabendo que os deputados do Partido Socialista e os republicanos dos Estados Unidos militam já a favor de um controle da mídia? A lei se tornou um simples instrumento de comunicação política; ela permite tranquilizar, não sem demagogia e segundas intenções eleitoreiras, uma opinião legitimamente aterrorizada e abalada, permanecendo no terreno da emoção em vez de trazer a reflexão necessária.
A segurança é uma liberdade essencial, e o Estado tem o dever de garantir a proteção dos cidadãos. Mas ele ainda precisa fazê-lo por meio de medidas apropriadas e eficientes. Com relação a isso, ainda que o recurso ao estado de urgência tenha sido sem dúvida justificado por um período de doze dias, é surpreendente ver que o Parlamento não se questionou sobre a oportunidade de sua prorrogação por três meses. O cheque em branco assinado por uma duração tão longa ignora a tradição republicana da proporcionalidade e do controle em casos de medidas de exceção. Isso diz muito sobre a perda dos parâmetros democráticos.
Todas essas lesões às liberdades são ainda mais lamentáveis porque os atentados não encontram sua origem em uma insuficiência das leis repressivas, e sim nas falhas dos serviços, da polícia e da justiça, que se devem a uma falta de meios financeiros, técnicos e humanos. São esses meios que devem ser reforçados, como reclamam há muito tempo os profissionais encarregados do combate ao terrorismo.
Clima de suspeita se instaura
As principais vítimas dos desvios securitários devem ser os próprios cidadãos, que veem se multiplicar os atentados à sua vida privada e às suas liberdades. O ato terrorista tem como objetivo provocar o horror e intimidar uma população. Seus autores procuram desestabilizar e fragilizar as democracias, desacreditando seus valores universais de liberdade e humanidade.
Uma análise racional impõe, ao contrário, que se conduza a luta com toda a firmeza necessária, mas respeitando os direitos fundamentais. Devem-se sempre lembrar os propósitos de atualidade afirmados por Kofi Annan quando era secretário-geral da ONU: “Os direitos humanos não podem ser sacrificados em prol da luta contra o terrorismo. Não há nada de incompatível entre eles. Ao contrário: o princípio moral que os direitos humanos subentendem, o de um profundo respeito pela dignidade de cada indivíduo, é uma de nossas armas mais poderosas para combater o terrorismo”.3
Também não esqueceremos que a adoção de tais medidas conduz à estigmatização das pessoas mais expostas, que, ao encontro do propósito buscado, correm o risco de cair no extremismo. Um clima de desconfiança se instaura, contribuindo progressivamente para uma deterioração do local social e criando novas tensões. Cabe a cada cidadão não ceder ao reflexo do medo e se dar conta de que não será por um atentado às liberdades que sua segurança será garantida.
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1993
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