Juliana Sayuri – Os jovens acreditaram no “yes, we can change” de Barack Obama. Oito anos depois, querem mais mudança. De olho nas eleiçõesamericanas, o economista Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel, atribui peso decisivo ao voto da juventude nesta nova disputa presidencial. “Precisamos imaginar que é possível mudar esse sistema. E os jovens, sim, acreditam que outro mundo é possível”
Imagine um economista americano crítico aos excessos do capitalismo, às benesses concedidas aos bancos e aos privilégios das indústrias. Um liberal que considera obscena a concentração de renda pelo 1% dos mais ricos. Um intelectual sênior que, na casa dos 70 anos, afirma acreditar que é possível mudar o mundo, que os jovens farão a diferença e que os 99% terão vez. Dificilmente esse economista teria tanta voz, não fosse um detalhe: este economista é Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel, ex-Banco Mundial, autor de mais de 30 livros e laureado com mais de 40 doutorados honoris causa.
Stiglitz inspirou movimentos mundo afora a partir de uma ideia simples, mas radical: a desigualdade não é um destino selado por uma mão invisível e irrefreável, mas resultado de políticas concretas de quem está no poder.
Antes de se instalar na Universidade Columbia, em Nova York, Stiglitz passou por diversas universidades – na prestigiada Ivy League, teve passagens por Yale, Princeton e Harvard.
Apesar das críticas severas ao legado econômico do presidente Barack Obama, Stiglitz espera, otimista, um final feliz nas eleições americanas: “Estou confiante de que o próximo presidente será democrata”, aposta, na expectativa de que quem vá ocupar a Casa Branca promova políticas de redução da desigualdade. “É um novo momento de esperança, que deve ser aproveitado para criar uma nova agenda”, diz.
Stiglitz recebeu o Aliás no seu escritório no campus de Columbia, dias antes de embarcar para o Panamá, onde vai liderar um comitê que pretende avaliar o sistema financeiro do país após o escândalo revelado pelos Panama Papers. A seguir, a entrevista.
A revista do New York Times da última quinta (28/4) traz um especial sobre o legado econômico do presidente Barack Obama. Oito anos após a crise financeira internacional, o desemprego está na casa dos 5%, os déficits estão caindo, o PIB subindo. Que análise o sr. faz desse legado?
É um misto. Toda recessão tem fim, a menos, óbvio, que você administre muitíssimo mal a economia. Na época em que assumiu a presidência, Barack Obama encontrou uma bagunça gigantesca, a terrível herança deixada por Bush. Obama fez o possível, mas, no fim, não foi muito bem. Algumas de suas decisões impediram outra grave depressão, é verdade, mas a recuperação foi muito mais lenta e mais injusta do que o esperado. Nos três primeiros anos de seu governo, 91% de todos os ganhos foram para o 1% dos mais ricos. Os 99% não ganharam nada. Uma recuperação assim não é justa, nem benéfica. Mas assim foi, graças às políticas praticadas por Obama enquanto, por outro lado, políticas alternativas poderiam ter ajudado o americano médio a se reerguer também.
E a situação agora?
A economia ainda está fraca. Na minha opinião, os 5% de desemprego não refletem a realidade. Outros índices consideram 10 ou 12% de desemprego no país, quer dizer, ninguém diria que o mercado de trabalho está bem. A Lei Dodd-Frank, que deveria promover uma real reforma do setor financeiro, não foi suficiente, e Obama não lutou tanto quanto deveria ter lutado para passá-la. Logo após a crise financeira ficou muito claro que precisávamos de uma reforma no setor financeiro. Mas Dodd-Frank não foi longe o suficiente. Em todas essas questões, é preciso considerar o que é “factível”. Nos dois primeiros anos de governo, os democratas dominavam o congresso e Obama podia ter feito muito, mas não fez. Dizem que Obama fez o máximo que pode, mas não estou convencido. O presidente escolheu mal seus conselheiros, muito próximos dos bancos, e no fim ficou mais inclinado a resgatar os bancos, deixando de lado a sociedade americana. Eles estavam julgando o que era factível, mas não concordo com esse julgamento. Na minha análise, o ponto mais crítico está nas políticas de comércio, que foram iniciativas próprias do presidente. O acordo Trans-Pacific Partnership (), por exemplo, não é bom, pois representa uma mudança fundamental na estrutura jurídica que favorece interesses corporativos e eleva o preço dos remédios. Ironicamente, uma das principais conquistas do governo é o ObamaCare, que pretende diminuir preços e aumentar acessibilidade a serviços de saúde. Obama diz que a desigualdade é a questão mais importante da atualidade, mas, ironicamente, suas políticas econômicas não foram pensadas para reduzi-la.
Sua visão crítica sobre a globalização inspirou movimentos mundo afora, por exemplo, o altermundialismo na França e o Fórum Social Mundial no Brasil. Nos últimos tempos, Occupy Wall Street. Apesar das diferenças, os movimentos têm mensagem similar: a luta contra os excessos do capitalismo. Dá para imaginar mudar o mundo hoje?
Nós precisamos imaginar mudar o mundo, pois o que está aí claramente não está funcionando. Quando olho para os EUA, vejo as classes baixas lutando por salários minimamente dignos, a mesma questão de 60 anos atrás; vejo as classes médias vivendo com rendimentos menores que 40 anos atrás. Quer dizer, o capitalismo não está atendendo a grande parte da população. Mas se paramos para observar, isso não é realmente capitalismo. É um capitalismo extremo, uma economia de mercado distorcida pelos ricos para obter vantagens para si próprios às custas dos outros. Acredito no mercado e apoio o uso dos mecanismos do mercado para destinar condições melhores para a população. Mas da política resultou uma economia de mercado muito diferente dos livros teóricos. Há subsídios para fazendeiros ricos, benefícios para indústrias, bilhões de dólares para bancos, e o que mais? Nos EUA e ao redor do mundo, há um aumento do poder do mercado que não corresponde à competitividade descrita nos livros. Ora, precisamos fazer o mercado funcionar como mercado. E os governos precisam ter papel importante, garantindo infraestrutura, investigação científica, seguridade social. A antiga discussão era sobre o equilíbrio entre o Estado e o mercado. Na minha visão, é preciso pensar um equilíbrio entre Estado, mercado e terceiro setor (instituições sem fins lucrativos, universidades, sociedade civil). É repensar o funcionamento do sistema.
A mensagem de Bernie Sanders também reverbera a ideia dos 99%. Sanders teria chance de realmente promover mudanças?
Quem quer que seja nomeado pelo Partido Democrata terá uma batalha difícil. Temos um sistema político em que a representação dos ricos é desproporcional. Digo no livro The Price of Inequality (O Preço da Desigualdade) que grandes níveis de desigualdade econômica inevitavelmente se traduzem em grandes níveis de desigualdade política. Os ricos estão representados. E os outros? O dinheiro tem uma influência imensa na política americana. E é interessante que o candidato na liderança das primárias republicanas (Donald Trump) seja um magnata. Pode não ter tanto dinheiro quanto diz ter, pode ter quebrado umas de suas empresas, mas ninguém negaria que é um empresário rico que herdou muito dinheiro.
Mas o sr. acredita que o dinheiro pode render a presidência a Donald Trump?
Estou confiante de que o próximo presidente será democrata. Sempre há risco e acontecimentos imprevisíveis, mas ficou claro que o Partido Republicano perdeu o tom, em questões políticas e econômicas, e se distanciou da maioria dos americanos. É improvável que vençam.
No livro The Great Divide, o sr. diz que desigualdade é uma escolha. No contexto dessas eleições americanas, qual é a melhor escolha?
Os dois candidatos democratas estão muito comprometidos com a questão da desigualdade, com diferenças de ênfase. Neste momento, Hillary Clinton provavelmente deve conseguir a indicação do Partido Democrata. E a desigualdade está na pauta dela.
Um de seus últimos artigos no Guardian diz como os jovens têm direito de ficarem bravos neste momento, principalmente pela insegurança no mercado de trabalho.
Mas não só. Há muitas dimensões de desigualdade. Nos EUA, sempre refleti sobre o peso da discriminação de gênero e de etnia, a exclusão e a repressão racial. Mas uma dimensão que às vezes esquecemos é a desigualdade ao longo das gerações. Atualmente, diante da má administração do mercado financeiro, o fardo dos jovens é muito pesado. É alto desemprego na Europa – na Espanha, por exemplo, 50%. Os jovens não têm emprego. Se têm, o salário não corresponde às expectativas. Se querem uma casa decente, não podem pagar, pois as bolhas imobiliárias jogaram o preço das moradias para o alto. Nos EUA, a situação dos empréstimos estudantis é um problema enorme. Para ter oportunidades, eles se endividam para pagar por educação; educados, não conseguem emprego; empregados, não conseguem comprar uma casa. Então, sim, eles têm direito de ficarem bravos.
Os jovens podem definir essas eleições?
Acredito que sim. Nos últimos tempos, grande parcela da população jovem ficou alienada do sistema político. Obama se lançou com a campanha “yes, we can change” e conquistou muitos jovens. Era um vocabulário da audácia, da esperança, que captou a expectativa da juventude. Mas não teve mudança – claro, melhor Obama que Bush –, mas não teve a mudança maior que seus eleitores jovens esperavam. Muitos se sentiram enganados com a continuidade política. A sensação de que foram traídos é palpável. Nas eleições de 2010, vimos que o voto dos jovens correspondeu a apenas 20%. Nós nos orgulhamos da democracia americana, mas ali os jovens disseram: “tá, e daí?” Qual é o ponto se nada vai mudar? Até que, agora, a campanha de Sanders atraiu grande engajamento, participação, presença dos jovens. É um outro momento de esperança, que deve ser aproveitado para estabelecer uma nova agenda. Outra hora estávamos falando sobre mudar o mundo, pois, sim, os jovens acreditam que outro mundo é possível.
Sobre alternativas e possibilidades, a discussão sobre os Brics ainda é relevante? Ou o potencial desses países foi superestimado?
Foi uma ideia interessante, que teve como saldo instituições de desenvolvimento. Participei de reuniões na África do Sul sobre políticas de competitividade para os Brics. Na minha opinião, o principal ponto positivo é que esses países formaram uma iniciativa sul-sul, mudou o centro gravitacional geopolítico. Isso diz: o mundo está mudando. E a prova de que essa discussão é relevante é o incômodo dos EUA e das antigas potências sobre os Brics. O Brasil teve papel importante nessa consolidação.
O sr. está acompanhando a crise no Brasil? O que deu errado?
Primeiro, eu diria: por que não lembrar o que deu certo? O Brasil teve conquistas ótimas que foram esquecidas diante da tempestade política atual: a extensão da educação e as reformas de Cardoso, a inovação, a participação democrática e os programas sociais de Lula que se tornaram um modelo no mundo inteiro. A força da sociedade civil, as políticas industriais, a inovação do biocombustível, a importância do BNDES – foram conquistas enormes. É uma mudança dramática pensar onde vocês estavam há 20 anos e onde vocês estão agora. Dito isso, a alta do preço das commodities deveria ter sido aproveitada para diversificar mercados, os juros excessivamente altos sufocaram a economia e, agora, as críticas ao BNDES… É um tiro no pé. Na minha visão, a partir do que leio na imprensa internacional, é que os deslizes da presidente são menores que os de muitos congressistas. É a famosa expressão “o sujo falando do mal lavado”. É um pouco perturbador para outsiders ver um impeachment liderado por um congresso corrupto. Que as conquistas dos últimos 20 anos resistam.
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