Raquel Rolnik – Quem percorre nossas grandes cidades percebe a enorme quantidade de prédios vazios, abandonados ou subutilizados, degradando a paisagem e as áreas onde estão localizados. Parte desses imóveis tem hoje imbróglios jurídicos e fundiários que dificultam enormemente seu aproveitamento. Dentre estes –pasmem!–, vários são imóveis públicos, que em tese poderiam ser aproveitados para abrigar equipamentos públicos e moradia social sem que as prefeituras e governos tivessem que passar pela via-crúcis das desapropriações.
Infelizmente, embora pareça óbvio que a utilização de prédios públicos, especialmente aqueles melhor localizados, é o caminho mais lógico e curto para obter bons imóveis para implantar equipamentos e serviços necessários para a cidade, ninguém imagina a verdadeira corrida de obstáculos que um governo tem que percorrer para poder, finalmente, usar este patrimônio com projetos de interesse público e social.
Um exemplo disso são os prédios que pertencem ao INSS: a previdência social tem um enorme patrimônio de imóveis vazios e subutilizados em todo o país, fruto sobretudo de pagamentos de dívidas. A existência desses imóveis significa inclusive um custo permanente com manutenção e pagamento de impostos, sem gerar nenhum benefício para o fundo previdenciário e os aposentados.
No mês passado, a cidade de São Paulo deu um importante passo para resolver essa questão. 28 imóveis do INSS estão sendo transferidos para a prefeitura, como forma de pagamento de dívidas do órgão com o município. Quatro dentre estes já tiveram a transferência concluída: um deles é a Casa Amarela, na avenida Consolação, que já tem funcionado como ocupação cultural e terá esse uso consolidado. Outros três, depois de reformados, serão transformados em habitação popular, em projetos que contarão com os financiamentos habitacionais do governo.
Agora que foi concretizada, essa operação pode parecer simples. Mas para que fosse viável hoje, um longo percurso precisou ser percorrido até aqui. Há 12 anos, o Ministério das Cidades iniciou um trabalho de levantamento dos imóveis do INSS localizados em áreas centrais, em cidades de todo o país, de realização de vistoria destes imóveis em conjunto com prefeituras e com a Caixa, de assinatura de convênios entre o Ministério, o INSS e a Caixa, de encaminhamento e aprovação de mudanças legais que precisaram ser feitas com relação às normas que regem a gestão dos bens da previdência, entre inúmeras outras ações que buscaram equacionar a questão.
No âmbito da Prefeitura de São Paulo também não foi nada fácil –para receber estes imóveis como dação em pagamento por parte do INSS, muito precisou ser feito, incluindo mudanças legais. Em janeiro do ano passado, por exemplo, a Câmara Municipal aprovou lei que autoriza o Instituto de Previdência Municipal (IPREM) a receber imóveis do INSS para quitar dívidas previdenciárias, podendo a prefeitura destiná-los a programas de habitação popular, educação, saúde, cultura e direitos humanos.
Mas até estes imóveis virarem moradia de fato, certamente a prefeitura ainda enfrentará muitos obstáculos. Sei que muitas nem começam esse processo porque sabem o tamanho das dificuldades pelo caminho. Deixando de lado a visão imediatista, o município de São Paulo acertadamente correu atrás.
É importante lembrar que o INSS tem dívidas com institutos de previdência em vários municípios e estados. Isso significa que esse modelo pode e deve ser replicado em todo o país. Sim, é triste ter que passar por toda essa gincana para desfazer o emaranhado burocrático e viabilizar a utilização desses imóveis resguardando o interesse público. Mas o exemplo de São Paulo mostra que, ao contrário do que prega o senso comum, não é buscando o mais fácil e rápido que faremos o melhor. Em alguma hora temos que enfrentar aquilo que parece muito difícil e impossível. E dá certo!
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/raquelrolnik/2016/05/1770148-uma-luz-no-fim-do-tunel-para-imoveis-vazios-e-degradados.shtml
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