Cada vez mais frequente, a tática de tomar prédios escolares colocou os alunos no centro do debate educacional. Para estudiosos, o fenômeno reforça o diagnóstico de que já não é mais possível fazer política pública sem ouvir quem está na sala de aula.
Mesmo com a liberação da sede do Centro Paula Souza, em São Paulo, 11 Etecs (escolas técnicas) seguiam ocupadas neste sábado (7). Outras duas escolas estaduais, ligadas à secretaria de Educação, e o prédio da Diretoria de Ensino Centro-Oeste, em Perdizes, também foram tomadas por estudantes.
Melhoria na alimentação escolar e protestos contra a “máfia da merenda” no Estado, investigada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público, são os principais alvos.
Em uma vitória parcial dos estudantes, o governo Geraldo Alckmin (PSDB) prometeu distribuir refeições do tipo marmitex a alunos do ensino técnico —parte só recebia a chamada “merenda seca”, com bebida láctea e bolacha.
No Rio, fim dos cortes de verbas na educação e mudanças no currículo estão entre as reivindicações dos estudantes, que ocupam 68 escolas estaduais.
Apesar de pautas diversas e muitas vezes complexas, há um pano de fundo em comum, diz o professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) Paulo Carrano: a insatisfação com o modelo de escola, o sentimento de falta de interlocução e a própria característica dessa geração, que goza de uma autonomia que os pais não tiveram.
Para Carrano, que coordena o laboratório Observatório Jovem na UFF, há pesquisas e conhecimento sobre o perfil da juventude atual, mas falta “vontade política de fazer uma escola aberta” que vá ao encontro dela.
“O que os governos estão fazendo é reagir contra as ocupações, apenas por sobrevivência política”, diz. “Mas temos de aproveitar a potencialidade do movimento”.
Para o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, o movimento “segue uma linha de ocupar e qualificar o debate sobre o direito à educação”. “Por muito tempo isso ficou restrito a ativistas e pais, agora eles são os protagonistas”, diz.
DESCOBERTA
A estudante Izabel Catão, 17, “mora” desde o dia 18 de março na escola Souza Aguiar, no centro do Rio. Só agora, diz, sente que está na escola “onde queria estar”.
“Estamos falando muito sobre política, gênero, feminismo, debates que não temos na escola. A gente tem voz”, diz. “Descobrimos talentos entre os alunos que ninguém conhecia.”
A estudante afirma ter “acordado” para o movimento estudantil após a “vitória” dos jovens de São Paulo em 2015. As ocupações nas escolas paulistas fizeram o governo voltar atrás no projeto de reorganização escolar.
Movimentação no Centro Paula Souza na manhã desta quinta (5), que estudantes devem desocupar hoje
O Estado previa fechar 94 escolas e criar 754 unidades de ciclo único, o que causaria a transferência de 311 mil alunos. No auge, 196 unidades foram tomadas.
O secretário de Educação de SP, José Renato Nalini, assumiu a pasta no começo do ano, após o fim das ocupações, reforçando compromisso de dialogar com os alunos.
Desde então, a pasta fomentou a formação de grêmios, e o secretário participou de conferências com alunos pela internet.
“Há uma avaliação contínua para mudanças e estamos construindo um projeto de gestão democrática para a rede”, diz. “Mas muitas vezes as pautas são muito difusas”.
Lilian Kelian, do Programa Jovens Urbanos no Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), identifica as manifestações do MPL (Movimento Passe Livre) em 2013 como inspiração dos estudantes. Na ocasião, os atos barraram a alta das tarifas em várias cidades e Estados.
“O MPL se articulava com estudantes e influenciou a reflexão sobre a escola”, diz.
http://m.folha.uol.com.br/educacao/2016/05/1768993-ouvir-aluno-virou-dever-com-ocupacoes-dizem-educadores.shtml
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