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Previdência e a necessidade de informação em contexto de manipulação ideológica ostensiva

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Guilherme C. Delgado – Vou tratar do tema a que o tí­tulo deste ar­tigo se re­porta no con­texto de um en­foque co­mu­ni­ca­tivo. Os fatos ob­jeto da co­mu­ni­cação, como se verá, estão co­lo­cados em plano se­cun­dário, não porque sejam menos re­le­vantes, mas porque, para usar o jargão mi­litar, na guerra ou na guerra ide­o­ló­gica a pri­meira ví­tima nos co­mu­ni­cados pú­blicos dos Es­tados Mai­ores é a ver­dade.

A apre­sen­tação de um Pro­jeto de Emenda Cons­ti­tu­ci­onal (PEC) 287/2016, de com­pleta des­cons­trução do sis­tema de Pre­vi­dência So­cial es­tru­tu­rado a partir da Cons­ti­tuição de 1988, gerou no apa­rato co­mu­ni­ca­ci­onal do go­verno e dos meios de co­mu­ni­cação or­ga­ni­zados no for­mato das mí­dias cor­po­ra­tivas um inu­si­tado mo­vi­mento de cum­pli­ci­dade, a res­peito de algo que se­quer é ob­jeto de aná­lise.

Basta no­ti­ciar eventos e re­pro­duzir o dis­curso ofi­cial. Mas o pró­prio dis­curso ofi­cial é tão pobre do ponto de vista da ló­gica formal que a cum­pli­ci­dade não se dá ao tra­balho de dis­secá-lo pu­bli­ca­mente, na­quilo que pa­rece ser a pedra an­gular da con­trar­re­forma: o ar­gu­mento do “dé­ficit” dos dois sis­temas, Pre­vi­dência dos Ser­vi­dores Pú­blicos e Pre­vi­dência So­cial (RGPS), ao lado da tese de­mo­grá­fica do au­mento da lon­ge­vi­dade da po­pu­lação.

Diga-se de pas­sagem, a “Ex­po­sição de Mo­tivos” da PEC 287-2016 uti­liza 14 pá­ginas para cor­ro­borar as mu­danças nor­ma­tivas que es­ta­be­lece e ne­nhuma linha para jus­ti­ficar do ponto de vista ético-pre­vi­den­ciário os “mo­delos” pre­vi­den­ciá­rios que se querem co­locar no lugar dos es­ta­tuídos cons­ti­tu­ci­o­nal­mente a partir de 1988. Daí que clas­si­ficar essa jus­ti­fi­ca­tiva de aé­tica é algo que os pró­prios au­tores es­ta­riam dis­postos a aceitá-la, até porque não aceitam quais­quer prin­cí­pios éticos ge­rais, ex­ceto o pri­mado com­pul­sório do egoísmo com­por­ta­mental como norma uti­li­tária de con­duta mer­cantil, tra­zida também para os sis­temas pre­vi­den­ciá­rios.

Se abrirmos o texto da PEC 287/2016 vamos per­ceber con­fi­gu­rados dois mo­delos de “Pre­vi­dência”, ne­nhum dos quais con­ver­gente com a Pre­vi­dência So­cial nos moldes da Con­venção 102/1952 da OIT, a que a Cons­ti­tuição de 1988 se adaptou for­te­mente.

O pri­meiro mo­delo do pro­jeto Temer, ex­pli­ci­ta­mente ins­ti­tu­ci­o­na­li­zado nos ar­tigos re­fe­rentes à pre­vi­dência do ser­viço pú­blico, pre­tende ge­ne­ra­lizar e tornar com­pul­sório o sis­tema de pre­vi­dência com­ple­mentar pri­vado para os fun­ci­o­ná­rios pú­blicos com ven­ci­mentos acima de 5.536 reais atuais (teto do RGPS), para o que os fun­ci­o­ná­rios da União, dos es­tados e do mu­ni­cí­pios nessa con­dição (acima do teto do RGPS) des­vi­a­riam os re­cursos que hoje vão aos te­souros es­ta­tais, para efeito de con­tri­buição aos fundos de pre­vi­dência com­ple­mentar pri­vados, du­rante 35 anos.

Por­tanto, aqui está se fa­zendo uma con­trar­re­forma es­tru­tural pri­va­ti­zante, que eleva subs­tan­ci­al­mente a des­pesa pú­blica, na con­tramão do dis­curso do dé­ficit e além do mais não ga­rante be­ne­fí­cios pre­vi­den­ciá­rios. É a re­pli­cação do ‘mo­de­lito’ chi­leno do ge­neral Pi­no­chet, que li­qui­da­mente produz dé­ficit pú­blico (por mais de 30 anos no Chile – ao redor de 3% do PIB ao ano).

O se­gundo mo­delo de pre­vi­dência, neste caso subs­ti­tu­tivo ao Re­gime Geral de Pre­vi­dência So­cial (RGPS), tem na PEC 287-2016 uma lista muito forte de ex­clusão dos po­bres da Pre­vi­dência So­cial, es­pe­ci­al­mente, mas não so­mente, da Pre­vi­dência Rural. Pre­tende também ex­tin­guir as sal­va­guardas de di­reito das pes­soas na ex­trema po­breza (1/4 de sa­lário mí­nimo de renda per-ca­pita), des­vin­cu­lando-as do sa­lário mí­nimo e ele­vando a idade de apo­sen­ta­doria aos 70 anos.

E, fi­nal­mente, di­fi­culta de tal forma o acesso aos be­ne­fí­cios pre­vi­den­ciá­rios, com cu­mu­la­tivos cri­té­rios de res­trição: idade única de 65 anos, mais tempo de con­tri­buição acres­cido em 10 anos, mais re­dução geral no valor de todos os be­ne­fí­cios, mais corte nas pen­sões de sa­lário mí­nimo, mais proi­bição de acu­mu­lação de apo­sen­ta­doria e pen­sões etc.

Tudo isso têm uma men­sagem im­plí­cita e até mesmo ex­plí­cita: não ha­verá pro­teção so­cial aos po­bres nas si­tu­a­ções de riscos in­ca­pa­ci­tantes ao tra­balho (idade avan­çada, in­va­lidez, de­sem­prego in­vo­lun­tário, ma­ter­ni­dade, re­clusão, do­ença e aci­dente), como prevê atu­al­mente o texto cons­ti­tu­ci­onal. E como aqui não há renda ex­ce­dente para en­trada dos po­bres na Pre­vi­dência Pri­vada, a men­sagem im­plí­cita é de ex­pelir os po­bres tra­ba­lha­dores da Pre­vi­dência (os 2/3 da PEA que nela in­gres­saram, prin­ci­pal­mente no pe­ríodo 2000-2013), e ja­mais co­gitar da uni­ver­sa­li­zação.

Di­ante desse fato po­lí­tico, produz-se uma de­sin­for­mação gi­gan­tesca e um clima de certo ter­ro­rismo ide­o­ló­gico, in­fe­liz­mente com a cum­pli­ci­dade dos meios de co­mu­ni­cação, para passar a re­forma “sem dis­cussão”. E ainda nos querem im­pingir a tese de que “o pior já passou” para anes­te­siar a so­ci­e­dade da bar­bárie em ela­bo­ração. Mas não vai ser fácil assim!

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