Economia

Moedas e metamorfoses da globalização

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Redação – Imersão dolorosa das “emergentes”. Não é assim que os capitalistas chamam as economias dominadas do sistema imperialista? Agora todas elas sofrem com a terrível ameaça de derretimento das suas inúteis moedas inconversíveis.

Na semana passada, inúmeras grandes economias dominadas ainda se debatiam com turbulências cambiais nunca dantes navegadas. Alguma coisa está fora da velha ordem mundial dos últimos setenta anos.

Partindo de suas formas fenomenais mais sensíveis. No economia brasileira, a segunda maior “emergente” do mundo, atrás da China, o real começa a se destacar na fila deste sinistro forno crematório de moedas. Desvalorização de 6,2% em menos de sete dias. Fechou a semana cotado a R$ 4,12 por dólar.

No ano, a queda da moeda brasileira já é de 20%.   O terceiro pior desempenho dentre as principais divisas das imergentes. Só não foi pior que o peso argentino e a lira turca – os dois últimos colocados na zona da degola destes atônitos desqualificados do sistema.

Aviso aos navegantes: com a forte desvalorização cambial começam a aparecer sinais de fuga de capitais até do Brasil, aparentemente tão protegido contra ataques especulativos. Neste mês de agosto, segundo o Banco Central, o fluxo liquido negativo já alcança US$ 5,894 bilhões. Só na semana passada, saíram do país US$ 4,313 bilhões.

Quase ninguém mais acredita nos “fundamentos mais robustos” do Brasil para enfrentar novas turbulências monetárias internacionais.   Os próprios economistas do imperialismo sediados no Brasil, como Armínio Fraga e outros eunucos do mercado estão dizendo nesta semana que as ameaças sobre a economia brasileira são maiores agora do que em 2001 e 2002, quando a economia argentina derreteu e a brasileira quase foi arrastada junto.

Só não dizem por que isso acontece. Antes de falar de fatores econômicos e políticos domésticos ou de um impreciso “contágio de moedas”, como prioriza o senso econômico vulgar, é recomendável, em nome da boa teoria econômica, tratar da natureza de um misterioso risco geral comandando os fluxos de capitais na periferia.

Esse risco geral, embora de maneira absolutamente intuitiva, não passa despercebido para alguns homens de mercado melhor posicionados na hierarquia bancária mundial. Como Jeremy Hale, chefe da equipe de aplicação global de capitais do Citi Bank. “ Por hora, com os mercados emergentes ainda precisando lidar com fatores como as condições monetárias na China e risco de mais saídas de capital, consideramos prudente mover nossa exposição para o degrau ‘- 1’, uma posição ‘abaixo da neutra’ para esses emergentes”.

Esta “aversão ao risco” nos chamados mercados emergentes tem aumentando de maneira mais marcante desde o segundo trimestre deste ano. No centro desse movimento encontra-se a preocupação também crescente com as consequências dos conflitos comerciais entre EUA e China.

Os dois dias de negociações entre EUA e China, na semana passada, que observam no boletim anterior, resultaram em um tiro n’água. “Concluímos dois dias de discussões com as contrapartes da China e trocamos opiniões sobre como alcançar equilíbrio, justiça e reciprocidade nas relações econômicas”, disse a porta-voz da Casa Branca, Lindsay Walters.

Pouca gente no mercado acredita que o “maluco” Donald Trump cumpra formalmente suas ameaças e possa aplicar tarifas protecionista sobre as importações chinesas no valor de US$ 500 bilhões. O total anual das importações estadunidenses da China (US$ 430 bilhões) nem é suficiente para tanta violência verbal.

O mais importante é o seguinte: existe uma situação econômica interna muito confortável aos capitalistas nos EUA. E isso lhes permite prorrogar por mais algum tempo pressões comerciais mais drásticas sobre a China.

O mais provável é que, apesar do barulho destas espetaculares ameaças, esse conflito comercial pode ser amenizado e novos acordos bilaterais podem ser fechados proximamente. Como já foi feito com a União Europeia e agora, nesta segunda-feira (27), com o México.

NAFTA sem o Canadá! A arena imperialista torna-se cada vez mais um espaço exclusivo de profissionais.

Não está muito claro se esse inesperado “NAFTA sem o Canadá” ainda terá que ser aprovado pelo Congresso. A Casa Branca afirma que o acordo apenas mudou de nome. Sem necessidade de aprovação do Capitólio. Cinismo de Roma, quer dizer, de Washington.

Mas para o mercado isso é o de menos. O que importa é que o simples anúncio deste novo acordo – que submete ainda mais o miserável e desarmado México às necessidades dos capitalistas estadunidenses – fez as ações das empresas negociadas nas bolsas de valores em todo o mundo, em Wall Street em particular, atingirem níveis exuberantes de valorização.

O que conta para a consciência dos capitalistas de todo o mundo é que eles estão ganhando oceanos de lucros com a expansão econômica nos EUA. Mais do que nas chamadas “economias emergentes” e até mesmo que nas demais economias dominantes do G-7 – Alemanha, Japão, Inglaterra, França, Itália e Canadá.

É essa expansão fortemente centralizada nos EUA que ainda mantem todas as demais economias do mundo à tona. Nestas condições favoráveis aos capitalistas estadunidenses uma guerra comercial de terra arrasada com quem quer que seja seria ainda muito prematura. Fica agendada para o encerramento do atual período de expansão.

Um profundo conflito de classes sociais e de rivalidades imperialistas comanda este processo de superprodução de capital. A atual exuberância estadunidense não é apenas uma neutra bolha especulativa. Ela ocorre em todas as esferas da sua economia. Principalmente na indústria produtora de valor e de mais-valia.

É por isso que sua taxa oficial de desemprego é de menos de 4% da massa de trabalhadores. É uma das mais baixas dos últimos setenta anos. O atual período de expansão já alcançou uma situação de quase pleno-emprego.

E o mais importante: pleno-emprego da força de trabalho com a permanência de um renitente congelamento salarial. Que já dura quase trinta anos. Arrocho salarial e muito alongamento da jornada de trabalho, trabalho parcial, intermitente, etc..

Isso muda a cara da globalização ocorrida no pós-guerra. O mais notável do atual período de expansão cíclica é que essa criação de novos espaços de valorização do capital com extorsão de mais-valia absoluta, dentro do território das economias do G7, já rivalizam com sua tradicional predominância de extorsão na forma de mais-valia relativa.

A unidade da mais-valia absoluta e relativa se realiza com mais força no interior das economias imperialistas. Isso foi possível porque o exército industrial de reserva se globalizou efetivamente, realmente, não mais apenas como um ideal capitalista (Smith, Ricardo…).

A condição de existência realmente capitalista da classe operária se homogeneíza muito mais velozmente no mercado mundial. Isso destrói qualquer veleidade política dos reformistas sociais, muito ativos nos últimos setenta anos de paz dos cemitérios do ultra-imperialismo.

O ideal das improdutivas classes médias assalariadas do Estado social de administração da luta de classes do pós-guerra se desmancha na marcha forçada de superação dos ciclos periódicos de superprodução de capital.

A pauperização chinesa, brasileira, indiana, etc. invade as casas mais requintadas do centro imperialista. As tensões sociais aumentam. E as guerras comerciais sobem junto.

Estranho resultado deste gigantesco aprofundamento da globalização nos últimos quarenta anos: ao invés da economia chinesa ficar mais parecida com as economias centrais, ocorreu exatamente o contrário – as economias centrais é que ficaram mais parecidas com a chinesa.

A internacional do capital revela-se para a opinião pública particularmente sensível às “desigualdades” o que ela sempre foi: um processo de nivelamento social por baixo. Um processo de pauperização absoluta e planetária. Ninguém escapa. Isto pode ser comprovado com mais clareza desde a última recuperação cíclica, ocorrida exatamente no segundo trimestre de 2009.

Como resultado, pode-se afirmar sem muito risco de erro que neste curso dos últimos nove anos de expansão global o custo unitário da força de trabalho na economia estadunidense (não confundir com salário real, por favor) caiu abaixo do chinês. E da maioria das economias emergentes.

Já tratamos há mais de quatro anos, em nossos boletins, os dados concretos desta evolução das diferentes produtividades e custos internacionais entre dominantes e dominadas.

Produtividade e preços. Essa é a chave da questão. No novo acordo EUA/México, por exemplo, uma cláusula muito ilustrativa (e altamente engenhosa) do que estamos falando. Os EUA impõem a obrigação por parte das montadoras de fabricar ao menos 75% de um automóvel na América do Norte para ficarem isentas de tarifas. A porcentagem anterior era de 62,5%.

Também precisarão ter de 40 a 45% de um automóvel feito por trabalhadores que ganhem ao menos US$ 16 por hora (cerca de R$ 65). No México, os trabalhadores das montadoras não ganham mais que US$ 3 por hora.

A elevadíssima produtividade dos trabalhadores em território estadunidense compensa mais que proporcionalmente a diferença dos salários reais com os trabalhadores que fazem a mesma tarefa no território mexicano. E assim o custo unitário do trabalho nos EUA pode ficar abaixo do seu correspondente mexicano.

O governo estadunidense garante mais empregos para os trabalhadores que vendem sua força de trabalho nos EUA e mais lucro para os seus capitalistas que seguirem as regras do acordo. O mesmo cálculo não pode ser feito na relação de custos e preços de EUA e Canadá, que é muito equivalente.

Como se vê, Donald Trump pode ser maluco, mas também (ou talvez por isso) é muito esperto. Essa cláusula dos US$ 16 por hora está sendo elogiada pelos sindicatos estadunidenses como uma grande conquista na sua luta por empregos. A popularidade do nacionalista e patriota Donald Trump aumenta.

O governo chinês deve se preparar para quando Washington chamá-lo para acertar o seu acordo bilateral. Deve achar sem mais demora um jeito de evitar que Trump imponha à China essa mesma cláusula de salário de US$ 16 por hora imposta ao México. Caso contrário, esses burocratas de Pequim estarão aceitando seu próprio fim, pois essa singela cláusula simplesmente explodiria as bases materiais do seu horroroso “socialismo de mercado”.

Voltando às metamorfoses da globalização. A grande inovação imperialista de produzir nos EUA, Europa e Japão massas gigantescas de mais-valia absoluta, até agora marca registrada das economias dominadas da periferia, torna-se também eficiente antídoto à tendência à queda da taxa geral de lucro e contribui, em grande medida, para a excepcional longevidade do atual período de expansão cíclica.

Mas essas metamorfoses criam também, como vimos no exemplo acima de produtividade e preços no acordo EUA/México, uma situação incontornável de inferioridade competitiva das economias dominadas frente às economias dominantes. Esse é um fator importante para explicar por que é nestas últimas que o risco cambial geral do atual período de superprodução e crise aparece primeiro.

Ocorre então um resultado inevitável nestas economias dominadas. Simultaneamente a uma exuberante expansão cíclica na economia de ponta do sistema, observa-se uma crônica desaceleração do crescimento econômico, fuga de capitais e, como resultado mais visível para o grande público, a atual ameaça de derretimento das moedas nacionais nas maiores economias emergentes da periferia.

Essa síndrome da economia do imperialismo acontece de forma particular na China. Veremos a seguir, para ilustrar esta enfermidade, como uma grave desaceleração conjuntural já se desenrola neste “chão de fábrica do mundo” de validade vencida e em vias de falência múltipla dos órgãos.

http://criticadaeconomia.com.br/moedas-e-metamorfoses-da-globalizacao/

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