Economia

Como os super-ricos usam paraísos fiscais para esconder seus segredos

Tempo de leitura: 8 min

BBC Brasil – Um imenso vazamento de documentos financeiros revela os meios utilizados pelos ricos e poderosos (incluindo a rainha da Inglaterra) para investir grandes somas de dinheiro em paraísos fiscais.

O vazamento mostra como o secretário de Comércio de Donald Trump, Wilbur Ross, mantinha dinheiro em uma firma que negociava com cidadãos russos que eram alvo de sanções do governo americano –do qual Ross faz parte.

A série jornalística, batizada de “Paradise Papers”, é baseada em 13,4 milhões de documentos. A maioria deles veio de uma das principais firmas de criação de empresas offshores no mundo, a Appleby. Os documentos dizem respeito a 19 paraísos fiscais, como as ilhas Cayman e Bermudas, Aruba, Barbados, Trinidad e Tobago e Vanuatu, entre outros.

 

Assim como ocorreu no ano passado, com a série “Panama Papers”, as informações foram obtidas pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, de Munique.

O jornal dividiu as informações com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), que supervisionou o trabalho de investigação. No Brasil, participaram da apuração jornalistas do site Poder360.

Ao todo, participaram da investigação 382 jornalistas de 67 países, atuando em 96 veículos de mídia. A apuração durou cerca de um ano.

A publicação das reportagens começou no último domingo, e mais personagens e empresas serão reveladas ao longo dos próximos dias. Reportagens mostrarão como políticos, multinacionais, celebridades e bilionários de todo o mundo usam estruturas complexas de offshores, trustes e fundações para proteger e manter em segredo seus recursos.

A maioria das transações não envolve práticas criminais.

Qual é o envolvimento da rainha da Inglaterra?

Os Paradise Papers mostram que cerca de 10 milhões de libras (em torno de US$ 13 milhões) dos recursos privados da rainha Elizabeth 2ª da Inglaterra estavam investidos em paraísos fiscais.

O dinheiro foi investido em fundos nas ilhas Cayman e em Bermuda pelo Ducado de Lancaster, que administra o patrimônio privado da chefe de Estado fornecendo uma receita à soberana. O fundo administra cerca de 500 milhões de libras.

Não há nada de ilegal no investimento, e nada sugere que a rainha esteja sonegando impostos, mas a reportagem levanta questões sobre se é adequado que a rainha invista em empresas offshores.

Em nota, o Ducado de Lancaster explicou que segue rigorosamente as recomendações de consultores na escolha das aplicações feitas. “O Ducado investiu apenas em fundos privados altamente renomados seguindo recomendações de nossos consultores de investimentos; todas operações são legítimas e estão devidamente declaradas.”

Um porta-voz do Ducado de Lancaster acrescentou que a rainha “paga todos os impostos sobre as receitas que recebe do Ducado”.

Segundo os documentos revelados, os fundos privados usados pelo Ducado teriam feito, entretanto, investimentos menores em uma empresa varejista (BrightHouse), que foi acusada de explorar a população de baixa renda, e em uma rede de bebidas alcoólicas (Threshers). Esta última empresa foi à falência, deixando uma dívida de 17,5 milhões de libras em impostos e cerca de 6 mil pessoas sem emprego.

Direito de imagem Alamy Image caption O fundo privado da rainha mantinha uma pequena participação na loja popular BrightHouse

O Ducado diz que não participou das decisões de investimento feitas pelos fundos, e que a rainha não tinha conhecimento de qualquer investimento específico feito em seu nome.

Constrangimento para Ross e Trump?

Wilbur Ross ajudou Donald Trump a escapar da falência em 1990. Anos depois, foi nomeado secretário de Comércio no governo do republicano.

Os documentos mostram que Ross manteve participações em uma companhia de logística que lucrou milhões de dólares transportando óleo e gás para uma empresa russa de energia. Entre os controladores da empresa russa estão um genro do presidente russo Vladimir Putin e duas pessoas atingidas por sanções do Estado americano.

A reportagem levanta questionamentos sobre as ligações da equipe de Donald Trump. Desde que foi eleito, o mandatário enfrenta acusações de que russos teriam atuado para influenciar o resultado das eleições dos EUA em 2016. Trump chamou as acusações de “fake news”.

De onde vem o vazamento?

A maior parte dos dados vem de uma empresa chamada Appleby, um escritório de advocacia baseado em Bermuda. Trata-se de uma das principais empresas da indústria de offshores, e ajuda clientes a constituir empresas em jurisdições além-mar com pouca ou nenhuma taxação.

A documentação da Appleby e de registros públicos em várias das jurisdições foi obtida pelo jornal Süddeutsche Zeitung. A fonte do vazamento não foi revelada.

Os veículos jornalísticos que participam da investigação dizem que o material possui interesse público, já que vazamentos da indústria de firmas offshores já revelaram evidências de crimes em várias ocasiões.

Em resposta ao vazamento, a Appleby se disse “satisfeita com o fato de o vazamento não ter mostrado qualquer malfeito, nem da nossa parte e nem de nossos clientes”. A empresa acrescenta que “não tolera comportamentos ilegais”.
O que exatamente são empresas offshores?

Resumidamente, trata-se de companhias em lugares não submetidos às leis e regulamentações de um país, para onde indivíduos e empresas podem mandar recursos para tirar vantagem de impostos mais baixos ou inexistentes.

Estas jurisdições são conhecidas como paraísos fiscais, no dito popular, ou “centros financeiros offshore (OFCs, na sigla em inglês)”, no jargão da indústria financeira.

Geralmente são lugares com estabilidade política e regras que garantem o sigilo e a confiabilidade dos depósitos. Muitas vezes os paraísos fiscais estão em pequenas ilhas, mas não necessariamente. O grau de vigilância contra crimes financeiros também varia bastante.

O Reino Unido tem um papel importante nesta indústria: muitos dos paraísos fiscais são dependências da Coroa britânica ou territórios britânicos. Além disso, vários dos principais advogados, contadores e banqueiros da indústria offshore estão sediados na City londrina, que é o distrito financeiro da capital inglesa.

Trata-se também de uma indústria para os megarricos. A socióloga Brooke Harrington é autora do livro Capital Without Borders: Wealth Managers and the One Percent (Capital sem fronteiras: gestores de riqueza e o um porcento, em tradução livre).

Segundo ela, o uso de offshores não é para o 1% mais rico, mas para o 0,001%. Valores da monta de US$ 500 mil simplesmente não cobrem as taxas exigidas por esta indústria, diz.

Por que isto importa para você?

O primeiro motivo: trata-se de uma quantidade gigantesca de dinheiro. O Boston Consulting Group diz que cerca de US$ 10 trilhões estão hoje em empresas offshore. Isto equivale ao PIB do Japão, do Reino Unido e da França –juntos. Equivale também a cinco vezes e meia o PIB do Brasil em 2016. E esta pode ser ainda uma estimativa conservadora.

Críticos da indústria offshore dizem que ela está baseada principalmente em manter e proteger segredos –o que abre caminho para malfeitos e para a manutenção da desigualdade. Dizem ainda que a ação dos governos para conter este problema tem sido lenta e pouco eficaz.

Brooke Harrington diz que, se os ricos estiverem sonegando impostos, os pobres acabarão pagando a conta. “Há um montante mínimo de recursos que os governos precisam para funcionar, e eles acabam repondo o que perdem para os ricos e as corporações retirando dos nossos lares”, diz.

“Precisamos saber o que está acontecendo além-mar. Se as offshores não fossem secretas, uma parte destas transações simplesmente não poderia acontecer. Precisamos de transparência e precisamos que a luz do Sol chegue até lá”, diz Meg Hiller, uma congressista inglesa do partido Labour e presidente da Comissão de Contas Públicas do Parlamento inglês.

O que diz a indústria offshore?

Os OFCs argumentam que, se eles não existissem, não haveria limite prático para o aumento dos impostos cobrados pelos governos. Eles argumentam que não estão simplesmente sentados em montanhas de dinheiro, e que atuam como agentes que ajudam a bombear recursos ao redor do globo.

Bob Richards, que era ministro de Finanças de Bermuda quando foi entrevistado pelo programa de TV Panorama, disse que não cabia a ele cobrar impostos em nome de outros países, e que estes deveriam tomar contas dos próprios assuntos.

Ele e Howard Quayle, ministro-chefe da ilha de Man (uma dependência da Coroa britânica, localizada entre a Irlanda e a Grã-Bretanha) negam que seus países sejam paraísos fiscais, uma vez que seriam bem regulamentados e atenderiam todas as normas internacionais da indústria bancária.

A Appleby também já disse, no passado, que os OFCs “protegem pessoas vitimadas pelo crime, corrupção e perseguição, blindando-as contra governos venais”.

Deixe uma resposta