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Trump retoma intervenções na América Latina para frear China e Rússia

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VICTOR OHANA – Entre submissões de aliados e punições a adversários, Estados Unidos usam países latinos como palco para conflitos geopolíticos.

No dia em que elogiou a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) à embaixada em Washington, chamando-o de “excepcional, brilhante e maravilhoso”, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que trabalha por um acordo de livre comércio com o Brasil. E fez afagos a Jair Bolsonaro (PSL): “Eu tenho uma relação fantástica com o seu presidente”, disse a uma repórter brasileira. Certamente, não são todos que recebem este tratamento. É com ameaças, sanções e até bloqueios econômicos que Trump se dirige a governos latinos de orientação política que lhe desagrada, como nos casos de Cuba e Venezuela. Entre submissões de aliados e punições a adversários, os americanos retomam uma agenda para a América Latina que, por anos, pareceu distante das prioridades. Mas que agenda é essa?É evidente que não se pode afirmar que os EUA, em algum momento, deixaram os latinos de lado. Mas lembremos de que os anos 2000 foram peculiares na história do continente, a começar pelos próprios estadunidenses, que, em 11 de setembro de 2001, passaram pelo fatídico atentado ao World Trade Center, em Nova York. O presidente da época, George W. Bush, deixava claro, em discurso, que concentraria seus esforços na caça aos terroristas e na pressão aos países que abrigassem ou apoiassem os “inimigos da liberdade”. Dizia Bush, logo após o episódio das torres gêmeas: “Nossa resposta envolverá muito mais que retaliação instantânea e ataques isolados. Os norte-americanos não devem esperar uma batalha, mas uma prolongada campanha diferente de tudo que já vimos”. A partir de então, só a guerra no Iraque perdurou por toda a década. Soldados enviados ao Afeganistão, por longo tempo, ainda permanecem no país.

Enquanto os Estados Unidos dedicaram empenhos na administração de conflitos contra o “eixo do mal”, a América Latina assistiu à ascensão de líderes com orientações políticas, ao menos, progressistas. Venezuela, Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Nicarágua, Paraguai, El Salvador e Peru são exemplos de países com presidentes eleitos que tentaram implementar políticas desenvolvimentistas e sociais, sob oposição de liberais locais e países ricos, como assim descrevem os professores Luiz Carlos Bresser-Pereira e Daniela Theuer, em artigo publicado em 2012.

É nesta década também que chineses aumentam seus investimentos na região, em especial, após 2008. Em emergência no cenário internacional, a China aplicou 144 bilhões de dólares em empréstimos aos países latinos, segundo informe da Global Development Policy Center, entidade da Universidade de Boston (EUA), citado em artigo da universidade Unisinos. Em 2008, a China publicou o primeiro “policy paper” sobre a região, o Livro Branco das Políticas da China na América Latina, no qual parceiros sulamericanos como Brasil, Chile, Argentina, Venezuela e Equador crescem em importância para a agenda chinesa, segundo escreve a professora de Relações Internacionais Cristina Soreanu Pecequilo, no estudo “A América do Sul como espaço geopolítico e geoeconômico: o Brasil, os Estados Unidos e a China”.

As linhas gerais para o envolvimento chinês na região, relata a pesquisadora, seriam o acesso a novos mercados de exportação, o fornecimento de commodities e o “reforço da presença diplomática da China em um espaço tradicionalmente dominado pelos Estados Unidos e com intercâmbios com Taiwan”. A reação norte-americana à expansão chinesa na América do Sul se deu já com a chegada do presidente Barack Obama, diz o estudo: “Obama não só deu continuidade às políticas lançadas por Bush filho no campo geopolítico, como inseriu componentes geoeconômicos na agenda de contenção de Brasil e China”.

Trump disputa América com presença chinesa e russa

Toda esta retrospectiva é necessária para entender as políticas adotadas por Trump à América Latina, segundo análise da doutora em Relações Internacionais e professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Anna Saggioro Garcia, entrevistada por CartaCapital. Também pesquisadora do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), ela ressalta que, durante este tempo, a Colômbia especificamente não deixou de ser um espaço de livre acesso para os EUA, mas o panorama conjuntural se tornou preocupante, mesmo antes de Trump chegar ao poder. Somado a isso, o atual governo americano “dá outro tom” a esta disputa.

“A partir dos anos 2010, a China vai se tornar uma crescente investidora na região, focada no setor energético, no petróleo, na mineração e na infraestrutura. Então, isso dá um panorama diferente para os Estados Unidos, independente do Trump, porque o cenário é de alerta para os EUA nessa disputa geopolítica”, avalia. “Mas o governo Trump dá outro tom a isso, porque sua eleição não era esperada, tem uma posição mais radical, e que deu outra ênfase à própria política externa americana.” Das alterações estratégicas principais, ela destaca a mudança de rumo na guerra ao terror no Oriente Médio, agora contida em focos, e não mais generalizada como no governo Bush.

Ao mesmo tempo, ela observa que Trump chega à presidência após uma onda de substituições de governos “progressistas” por governos liberais na América Latina, como a eleição de Maurício Macri na Argentina, Lenín Moreno no Equador, Sebastian Piñera no Chile e Jair Bolsonaro no Brasil. No caso brasileiro, há componentes especiais, como o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) e o suspeito envolvimento dos Estados Unidos na Operação Lava Jato, conforme estudo apresentado pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS) ao parlamento europeu neste ano, em que acusa os americanos de articularem o desmonte de empresas estatais brasileiras competitivas, como a Petrobras.

Para a pesquisadora, em relação aos países aliados, especialmente o Brasil, há uma janela para os EUA recuperarem planos comerciais ambiciosos, como o estímulo de privatizações, a introdução de fundos de investimento e acordos de livre comércio. Ela lembra que, em 1994, os americanos, superpoderosos com a vitória da Guerra Fria, tentaram emplacar o Acordo de Livre Comércio entre as Américas (ALCA). No entanto, após dez anos de negociações, o projeto acabou na gaveta.

“O governo Trump fez bom proveito do alinhamento automático do governo Bolsonaro, que não é necessariamente aos Estados Unidos, mas ao grupo do presidente americano. O bom proveito é nesse sentido: buscar espaço na abertura de mercado, espaço para privatizações, entrada em setores que não são tradicionais aos americanos”, explica. Ela ressalta a visita de investidores americanos entre 5 e 8 novembro deste ano, missão anunciada pelo secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross. Para Anna Saggioro, não é coincidência o fato de, no mesmo período, em 13 e 14 de novembro, o Brasil sediar a reunião da cúpula dos Brics, com a vinda do presidente chinês, Xi Jinping.

Doutor em Relações Internacionais e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), Leonardo Ramos diz que a agenda para o Brasil é especial. Enquanto projetam ameaças a diversos países latinos, fazem promessas aos brasileiros, como investimentos em infraestrutura, o suposto apoio da entrada do Brasil à Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), a consideração de aliado preferencial fora da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e o aceite de Eduardo Bolsonaro na embaixada.

“Então você tem uma afinidade significativa. Mas o que isso quer dizer? É uma situação complicada, particularmente, quando percebemos que tudo isso está dentro de um contexto no qual as grandes concessões são feitas pelo Brasil, como a cessão da base de Alcântara, as toneladas de trigo estadunidenses importadas sem taxação, acordos de livre de comércio com um país em que não temos menor capacidade de competir em setores estratégicos. A possibilidade de levar setores de desenvolvimento ao sucateamento é altíssima”, analisa.

Volta da Doutrina Monroe?

Porém, nem sempre os aliados latinos de Trump recebem carícias públicas. Neste ponto, é interessante perceber a retomada da tática agressiva do presidente americano na região. Até com o próprio parceiro Iván Duque, Trump já demonstrou aspereza, ao dizer que o presidente colombiano “não fez nada” para reduzir o comércio de drogas. Este exemplo é útil para mostrar que a guerra às drogas tem servido a Trump para pressionar países como Colômbia e México.

Se a um aliado, Trump não economizou em críticas, às nações de orientação política desagradável, restam só ataques. Não parece ter significado grande avanço a histórica visita do ex-presidente Barack Obama a Cuba, em 2016, pela primeira vez após quase 90 anos de uma relação ruidosa. Trump anunciou, em junho, o “cancelamento” da política de Obama para Cuba, a implementação de embargo contra investimentos externos no país e a proibição do turismo. À Venezuela, anunciou as maiores sanções em 30 anos a um governo ocidental, congelou bens, condicionou parceiros econômicos do país a punições. Declarações de Trump e de outras figuras da cúpula do governo americano evidenciaram ainda intenções até de intervenção militar, como disse o próprio presidente, perguntado sobre o tema: “Todas as opções estão na mesa”.

Para Leonardo Ramos, o caso da Venezuela é um ponto central. Membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o país tem apoio relevante de China e Rússia.

“A Venezuela é uma peça central neste tabuleiro do Trump na América Latina, pela intensificação da agenda antiesquerdista. A primeira grande razão é internacional, ou seja, está associada ao fato de que a Venezuela tem apoio chinês e russo. Então, há uma postura mais pró-ativa e combativa do Trump em relação a China e Rússia. Você tem também uma perda de fôlego dos progressistas entre outros países latinos, então, Trump vê na Venezuela uma oportunidade para forçar a queda do governo, numa lógica de combate ao eixo sino-russo”, avalia Ramos.

A agenda, então, retoma princípios da Doutrina Monroe? A associação foi feita pelo próprio assessor de Segurança Nacional de Trump, John Bolton, em março deste ano, na rede CNN, após ser questionado sobre Cuba e Venezuela. Adotada pelos EUA no século 19, a política pregava o lema “A América para os Americanos” e abriu espaço para justificar intervenções dos Estados Unidos na América Latina e no Caribe. “Nessa administração, não temos medo de usar a expressão ‘Doutrina Monroe’. É um país do nosso hemisfério, e ter um hemisfério completamente democrático sempre foi o objetivo de presidentes americanos desde Ronald Reagan [presidente entre 1981-1989]”.

Se a longo prazo, é possível falar em retorno a uma agenda assumidamente intervencionista, uma nuance a curto prazo é elencada por Ramos: a campanha eleitoral para 2020. Além do discurso antidrogas e antiesquerda, soma-se a agenda antimigratória, atingindo Honduras, Guatemala, El Salvador e México. Trump tem tentado abrandar a imigração desses países através do México, e, em março deste ano, comunicou a suspensão da ajuda financeira dos EUA para estas nações, principais berços de milhares de imigrantes que tentaram cruzar a fronteira americana. Os EUA executavam programas de assistência para o Triângulo do Norte, e o cancelamento ocorreu após Trump ameaçar o México de fecharem as fronteiras comerciais.

“O padrão é de uma política externa combativa, baseada em ameaças. Você não tem uma política propositiva para a América Latina por parte do governo Trump”, diz. “Isso tudo é uma retomada de discursos que, em larga medida, fortalecem a campanha do Trump em sua eleição, ou seja, os discursos antidrogas, antimigração e antiesquerda na América Latina. Há contraposição à China e pressões com relação à Rússia, mas também é preciso pensar a dimensão a curto prazo, a questão eleitoral no ano que vem.”

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