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Temer e a mais-valia absoluta

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Ricardo Alvarez – O governo Temer não veio para ficar. Sua governança resume-se a promover mudanças estruturais no orçamento público e nos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários em sua interinidade perversa e destrutiva. Não é pouca coisa e é a pauta que unifica a burguesia.

A luta de classes está, mais do que nunca, viva em nossa nação. As ruas estão sendo palco de protestos permanentes, as redes sociais fervilham em debates acalorados sobre a conjuntura e o debate político ganha novos contornos. Os acirramentos de posições, as frases de efeito e as mentiras sinceras virais dão corpo à táticas de guerrilha virtual.

A falsa figura do homem cordial alimentada pela elite nativa, numa óbvia transgressão de “Raízes do Brasil”, mas amplamente utilizada como sinônimo de um povo calmo e tranquilo, não afeto a revoluções e mobilizações, perdeu seu sentido neste ambiente de disputa acirrada.

Algumas posições que se consolidaram nos últimos 30 ou 40 anos desmoronaram solenemente: a direita disputou as ruas com os setores progressistas, coisa que não fazia desde o início dos anos 60; o time dos silenciosos envergonhados que defende governos militares, racismo, misoginia, machismo, xenofobia e outras sandices, não mais se cora em atacar o bom senso publicamente; a burguesia brasileira, que sempre temeu o debate aberto e franco sob risco de romper o frágil tecido social nacional e perder o controle, teve que se moldar aos novos tempos da comunicação instantânea.

As novidades da conjuntura tem criado embaraço para os analistas de todas as matizes.

A certeza que se leva é de que, ao fim e ao cabo deste processo de mobilização contínuo, a direita mais parruda fez do governo Temer a boia de salvação emergencial do capitalismo rentista e especulador nacional e internacional.

Temer é um homem sem projeto, o que torna seu preço baixo. Sua especialidade é sorver parcelas do dinheiro público em benefício próprio e de seus comparsas. Sua expertise se limita a abrir as portas do orçamento público para a camarilha que o rodeia. Fica claro que o combate à corrupção não tem respaldo em sua equipe, quase toda ela envolvida em tenebrosas transações.

No fundo seu governo sintetiza uma profunda contradição entre o que o movimento verde-amarelo que o apeou ao poder desejava e o que ele sabe fazer. No centro desta fenda ambígua entra a Burguesia e seus projetos de mudanças estruturais, chamadas de reformas por puro eufemismo.

As reformas em marcha

O tempo é curto e o governo Temer é fraco. Sua governabilidade passa pelo apoio velado da grande mídia e principalmente pelo parlamento, cuja fatura é cara e periódica.

A proposta de congelamento por 20 anos das contas públicas é medida central para o reforço das posições do rentismo no Brasil. Note-se que o orçamento vai sofrer cortes e ajustes em áreas essenciais como saúde, educação, programas sociais e outros de interesses da base da pirâmide. Mas o mantra da dívida pública e a rolagem de títulos remunerados por juros astronômicos, passou ileso.

Outra medida em trânsito que provocará forte impacto nas condições de vida dos assalariados em geral é a Reforma da Previdência, que estica a idade mínima de aposentadoria, dentre outros malefícios. O próximo passo será o destroçar da CLT. É o desmonte da base legal dos direitos trabalhistas no Brasil. Em nome da modernidade a propaganda vai mostrar que ela é velha, as leis são inexequíveis e os trabalhadores poderão ter grandes vantagens com seu fim.

Entra em vigor o famoso desconhecido “negociado sobre o legislado”. Joga-se a CLT fora e tudo vira objeto de discussão entre patrões e empregados. As consequências serão nefastas: partindo do zero nos direitos, com o movimento sindical em frangalhos e um desemprego abissal, já se pode prever o que será da classe trabalhadora. Resta-lhe a luta coletiva.

Há ainda o desenterrar do projeto da terceirização ampla, geral e irrestrita, nos contratos de trabalho. É a volta da chibata e das senzalas.

Um novo patamar de acumulação de capital

A grande questão que se coloca é a tentativa de superação da crise econômica no Brasil que emaranhou projetos diversos e interesses conflituosos.

O rentismo quer vender planos privados de previdência e abocanhar um mercado de significativa importância. O capital produtivo deseja redução das taxas de juros para investimento. O governo precisa incrementar o PIB, pois depende de um reaquecimento da economia para se sustentar politicamente, especialmente através da geração de empregos. O agronegócio precisa de maiores facilidades para alcançar o mercado externo. Os trabalhadores querem emprego e vida digna.

O clima encarniçado que domina o cenário político nacional é o resultado exato desta convivência de projetos distintos e díspares, sem a presença de líderes, partidos e projetos que aglutinem forças para um equilíbrio em meio ao caos reinante.

Há, no entanto, uma unidade de interesses que diz respeito à burguesia nacional: as Reformas em curso ampliam as possibilidades de exploração do trabalho.

Aqui entra a mais-valia absoluta

Sabemos que riqueza não nasce em árvores, ela resulta do trabalho socialmente organizado pelo capital que gera um valor maior do que o gasto com os que o produziram, ou seja, a classe trabalhadora. O lucro é trabalho não pago. Parece óbvio, mas o bombardeio midiático contra esta premissa é diário e incessante.

A literatura econômica aponta que a mais-valia é o tempo de trabalho social necessário para se produzir mercadorias que não é remunerado pelo capitalista. De todo o valor produzido pelo trabalho, uma parte dele não fica para os assalariados e se converte em lucro.

Ela pode ser relativa ou absoluta. A absoluta diz respeito ao tempo de trabalho em si gasto no processo produtivo. Como os trabalhadores como seres humanos possuem limites físicos de produção (relação entre a jornada de trabalho e a satisfação das necessidades vitais), a mais-valia relativa entra em cena para encurtar este tempo intensificando a produção através de máquinas, equipamentos, suprimentos, etc…

Em outras palavras, a mais-valia relativa se viabiliza pela oferta de tecnologia cristalizada em novos produtos em processos produtivos prévios, que servirão como aceleradores no aumento da produtividade onde são empregados, ampliando a capacidade geradora de mercadorias num mesmo tempo de trabalho. Imagine um robô que faz a função de vários operários, por exemplo.

A crise no Brasil inibe o investimento e, por conseguinte, a exploração da mais-valia relativa. A competição entre produtores entra em compasso de espera e os processos carecem de inovações.

Há no Brasil um pleito histórico da burguesia nativa, principalmente, pela ampliação da exploração da mais-valia absoluta como uma nova etapa de acumulação de capital.

Consolidada ao longo do tempo pelas conquistas dos trabalhadores em luta com seus sindicatos, a jornada de trabalho, os direitos trabalhistas e a previdência pública se tornaram fatores impeditivos para a ampliação da mais-valia absoluta.

Ao desmontar a CLT e sobrepor o negociado ao legislado, além de esticar o tempo de trabalho para se obter o benefício da aposentadoria, Temer cria condições de um novo patamar de acumulação de capital no Brasil. Abre-se uma frente de possibilidades para a ampliação da exploração da classe através do alongamento das jornadas de trabalho e do tempo de labuta antes do jubilamento do mercado de trabalho.

Quando se pensa que o acirramento político toma conta do cenário nacional é preciso ter em mente que o governo Temer se dispôs a fazer o trabalho sujo e levar à frente uma pauta de unidade, com a ampliação do acumulo de capital através da mais-valia absoluta. Quando se acha que já estavam consolidadas algumas conquistas civilizatórias que limitavam a barbárie de jornadas de trabalho extensas e extenuantes, é preciso entender que a luta de classes nunca dorme.

E a burguesia sabe disso.

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