Sociedade

Slavoj Zizek: o racismo está vivo e bem tanto na Europa quanto em Israel – com diferentes vítimas

Tempo de leitura: 4 min

Slavoj Zizek – Essa semana, uma pesquisa da CNN revelou que o anti-semitismo está vivo e muito bem na Europa. A questão agora é: onde termina a crítica honesta à política de estado israelense e onde começa o anti-semitismo?

Os resultados são de abrir os olhos. Com 20% dos jovens franceses sem saber sobre o Holocausto. De fato, um número similar acredita que o anti-semitismo é uma resposta ao próprio comportamento do povo judeu. Também, um terço dos entrevistados pensa que os judeus têm muita influência.

Enquanto devemos, sem hesitação alguma, condenar e lutar contra todas as formas de anti-semitismo, deveríamos adicionar outras observações aos resultados da pesquisa.

Primeiro, seria interessante saber como fica a comparação entre aqueles com uma posição negativa sobre os judeus e aqueles com uma posição negativa dos muçulmanos e negros – para termos certeza que não vamos achar um racismo inaceitável e o outro normal.

Em segundo lugar, deveriam levantar o paradoxo do anti-semitismo sionista: muitos anti-semitas europeus (e norte-americanos) não querem muitos judeus em seus países mas apóiam totalmente a expansão de Israel para a Cisjordânia. Então, como os contamos?

Isso nos leva ao ponto principal: como medimos o anti-semitismo? Onde termina a crítica legítima da política israelense na Cisjordânia e onde começa o anti-semitismo? Vamos explicar isso com algumas observações.

Duas faces

Um dos melhores indicadores do desaparecimento gradual do senso de ironia em nosso espaço público foi a repetição de uma certa metáfora sobre as negociações entre o estado de Israel e os palestinos. Cerca de uma década atrás, quando um certo tipo de negociação de paz ainda existia, o negociador palestino notou como enquanto Israel negociava sobre como dividir a Cisjordânia, continuava a construir mais e mais assentamentos lá.

Ele comparou a negociação com israelenses à dois homens em uma mesa negociando como dividir a pizza entre eles. Mas enquanto seu debate segue, um dos homens já está comendo partes da pizza.

Em um reportagem documental recente sobre a Cisjordânia, um colonizador menciona a mesma anedota, mas sem ironia triste, e sim uma brutal satisfação: “nossas negociações com os palestinos são como debater sobre como cortar a pizza enquanto já estamos comendo partes dela”, acompanhado de um sorriso malicioso.

Tem algo realmente perturbador sobre como o documentário do qual retiramos as aspas sobre a pizza apresenta os assentamentos na Cisjordânia. Vimos que, para a maioria dos novos colonizadores, o que os levou a morar lá não foi um sonho sionista mas um simples desejo de viver em um local bom e limpo perto de uma cidade grande (no caso, Jerusalém).

Descreveram suas vidas  lá como muito melhores do que viver em um subúrbio de Los Angeles: ambiente verde, ar limpo, água barata e eletricidade, com uma grande cidade facilmente acessível por rodovias especiais. Além disso, toda a infraestrutura local (escolas, shoppings, etc) mais barata que nos EUA, construída e mantida por apoio do estado de Israel.

As não-pessoas

Em relação às cidades palestinas e vilas que as cercam, são basicamente invisíveis, presentes em duas formas principais: trabalho barato construindo os assentamentos com atos ocasionais de violência tratados como um aborrecimento.

Em resumo, a maioria dos colonizadores vive em bolhas invisíveis, isolada dos seus arredores e se comporta como se o que acontecesse do lado de fora de suas bolhas pertencesse à outro mundo que realmente não a diz respeito.

O sonho que fundamenta essa política é melhor entregue pelo muro que separa uma cidade de colonizadores da cidade palestina em uma montanha próxima em algum lugar na Cisjordânia. O lado israelense do muro é pintado com a imagem de uma área rural além do muro – mas sem a cidade palestina, mostrando apenas a natureza, grama e árvores…não seria isso uma pura limpeza étnica? Imaginar o lado de fora além do muro como deveria ser, vazio, virginal e esperando para ser colonizado?

Então deveríamos duvidar que Israel sinceramente quer paz no Oriente Médio? Claro que quer. Porque os colonizadores e ocupantes no geral sempre querem paz, depois de conseguirem o que querem, porque paz significa que eles podem aproveitar do que se apossaram.

Sem dúvida depois de a Alemanha ocupar a maior parte da Europa em 1941, também queria paz (e lutou contra todas as resistências como terroristas). Na realidade, quanto ao uso do termo “colonização”, deveríamos lembrar que os primeiros sionistas usaram-no para designar sua empreitada há um século.

Agora voltemos ao ponto inicial: se qualquer um que leu essas linhas as considerarem anti-semitas, então, eu acho que, ele ou ela não somente está totalmente errado/a mas também impõe uma ameaça ao que é mais valioso à tradição judia.

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Slavoj-Zizek-o-racismo-esta-vivo-e-bem-tanto-na-Europa-quanto-em-Israel-com-diferentes-vitimas-/6/42648

Deixe uma resposta