Sociedade

Segurança para poucos

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Ilona Szabó de Carvalho – Na contramão do que recomendam experiências internacionais bem-sucedidas, o Brasil vem apostando na segregação de espaços e de pessoas como solução para a segurança pública.

Optamos pelo caminho inverso da convivência. Com a falsa esperança de nos sentirmos mais protegidos, construímos muros, instalamos grades, limitamos experiências ligadas a lazer, educação e trabalho a áreas particulares, e quem pode pagar investe em segurança privada.

Essas medidas, compreensíveis pela dimensão do medo da população, têm cunho individualista, não tornarão nosso país mais seguro e restringem nossa liberdade.

Na última semana, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns divulgou o Dossiê Segurança Privada e Direitos Humanos, que aborda tema pouco debatido e de grande consequência para a qualidade da segurança pública.

A partir de um levantamento de notícias de assassinato, lesão corporal, injúria racial e chacinas cometidas por profissionais da segurança privada divulgadas pela mídia brasileira entre janeiro de 1998 e abril de 2019, o dossiê apresenta os principais marcos normativos da segurança privada no país e documentos de referência dessa discussão no plano internacional.

Dados sobre o setor mostram que, em 2016, havia 2.561 empresas de segurança privada registradas no país.

Levantamentos sugerem, no entanto, que este número pode ser bem maior, pois muitas empresas realizam suas atividades sem estarem devidamente registradas na Polícia Federal, órgão responsável pela fiscalização da área no Brasil.

Em 2018, o setor faturou cerca de R$ 34 bilhões, segundo a Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores. Mais de 50% dos serviços são prestados à administração pública.

Há alguns pontos centrais que o Brasil precisa olhar com muita atenção. Um deles é a grande participação de profissionais da segurança pública na área da segurança privada.

Como evitar conflitos de interesse entre a função do agente público e a oferta privada de um serviço de segurança e proteção?

Hoje o Estado brasileiro subsidia a segurança de quem pode pagar, por meio do recrutamento e treinamento e, muitas vezes, também do equipamento que policiais usam em seus “bicos” na segurança privada.

Isso prejudica a provisão dos serviços de segurança pública, prioridade máxima para a população.

Um outro ponto se refere ao controle dos estoques de armas e munições. De acordo com a CPI de desvio de armas realizada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, entre 2005 e 2015, cerca de 17 mil armas foram desviadas das empresas de segurança privada no estado.

Dados de 2016 apontam que as empresas de segurança privada no Brasil adquiriram em torno de 13 mil novas armas e mais de 10 milhões de munições.

A Polícia Federal deve aprimorar a fiscalização e exigir transparência e responsabilidade das empresas com seus equipamentos, treinamento de seus funcionários, e os excessos e violações de direitos
cometidas por alguns deles.

Hoje, a lei que regulamenta a segurança privada no país é de 1983. Em 2016, a Câmara dos Deputados aprovou um novo marco legal —o Estatuto da Segurança Privada e da Segurança das Instituições Financeiras— que segue em discussão no Senado.

O compromisso com melhorias na regulamentação da segurança privada e com a prevenção de violações exercidas na prestação de seus serviços precisa ganhar relevância no debate público.

Isso requer o envolvimento de legisladores, sindicatos e, claro, instituições públicas e privadas que contratam tais serviços. O documento da Comissão Arns reforça essa convicção.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ilona-szabo/2019/12/seguranca-para-poucos.shtml

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