Economia

Por um novo Plano Nacional de Desenvolvimento

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Paulo Kliass – O tema do planejamento tem permanecido ao longo das últimas décadas como um verdadeiro tabu na sociedade brasileira.

O tema do planejamento tem permanecido ao longo das últimas décadas como um verdadeiro tabu na sociedade brasileira. Apesar da inquestionável relevância do assunto e de sua necessidade para o próprio processo de retomada do desenvolvimento social e econômico em nosso País, o fato é que falar em planejamento ficou por muito tempo como um verdadeiro interdito. Mencionar a possibilidade de um plano nacional de desenvolvimento, então, parecia uma heresia impensável até bem pouco tempo atrás. Existe um conjunto de fatores que podem ajudar na explicação de tal fenômeno.

Um primeiro aspecto a considerar refere-se à sensibilidade de nossa memória histórica coletiva e às dificuldades de se superar os acontecimentos ocorridos durante o período da ditadura militar em nosso País. Isso porque os dois Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) que chegaram a ser efetivamente implementados foram criações dos governos comandados pelos generais, em um momento marcado por tortura, repressão, exílio, censura e aumento das desigualdades socioeconômicas.  Com isso, as próprias forças políticas identificadas com o desenvolvimento e com o progresso social passaram um bom tempo para digerir o tema. Até mesmo a aceitação de um debate franco e isento foi e continua sendo difícil, em função da confusão de que tal movimento equivaleria a passar um atestado de semi-legitimidade ao regime autoritário.

Outro elemento que contribuiu sobremaneira para que esse tipo de inciativa permanecesse adormecida refere-se ao processo de consolidação da hegemonia neoliberal a partir da década de 1980. Assim, o Brasil se vê em uma encruzilhada histórica que combina a superação da ditadura militar e a transição ao regime democrático com o fortalecimento das ideias liberais e anti Estado por todos os lados do mundo. Frente a esse quadro torna-se bastante complexo afirmar as propostas de maior intervenção pública no domínio da economia, bem como insinuar algum grau de excelência em modelos que ousassem questionar o dogma da supremacia absoluta do livre mercado. Por todos os continentes e em quase todos os espaços institucionais verifica-se o esmagamento ideológico das proposições que ousassem abrir qualquer espaço para a afirmação do protagonismo do setor público, ainda que apenas como “mera” ferramenta de planejamento.

Um terceiro fator que colaborou para adiar a entrada em cena do debate a respeito do PND foi a dificuldade em obter sucesso no combate ao processo inflacionário crônico em nossa economia. As características particulares de nosso mecanismo de crescimento dos preços e a natureza conservadora das inúmeras tentativas que foram adotadas durante as décadas de 1980 e 1990 atuaram no sentido de focar a emergência da solução das sucessivas crises apenas no horizonte temporal do curto prazo. Assim foi com os planos de estabilização monetária e de ajuste macroeconômico como o Plano Cruzado, o Plano Cruzado II, o Plano Bresser, o Plano Verão, o Plano Collor I, Plano Collor II e depois o Plano Real. Ou seja, foram 7 planos em um espaço de apenas 8 anos – entre 1986 e 1994. Assim, o Brasil sai de uma moeda (cruzeiro) às vésperas do Plano Cruzado em fevereiro de 1986, muda o padrão monetário para “cruzado”, depois muda de novo para “cruzado novo”, aterrissa na “Unidade Real de Valor (URV) e finalmente chega ao próprio “real” em 1994.

Novos tempos, novo PND

Em um ambiente fortemente influenciado pelos elementos todos descritos nos parágrafos anteriores ficava mesmo difícil encontrar algum espaço para recolocar o debate a respeito da necessidade de se recuperar o próprio conceito e prática do planejamento. Seja pela interdição não explícita associada ao fantasma do regime militar; seja pela proibição explícita provocada pela hegemonia neoliberal; seja pela emergência em se resolver os problemas de administração macroeconômica explosiva nos sucessivos eventos marcados pelo curtoprazismo. Com uma sociedade envolta na busca de mecanismos para se defender das perdas inflacionárias que se contavam a cada dia, a hipótese de se programar para perspectivas de horizonte quadrienal ou quinquenal ficava relegada para o fim da fila na lista de prioridades.

Ocorre que todo esse processo de endeusamento da cartilha liberal e de condenação das alternativas de recuperação do protagonismo do setor público se davam ao arrepio do disposto na própria Constituição. Como o assunto não encontrou muito espaço para ser debatido no período posterior a 1988, pouca gente sabe que existe mesmo no texto uma determinação a esse respeito. Vejamos o que está contido ali:

TÍTULO VII
Da Ordem Econômica e Financeira

CAPÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

(…)

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

(…) (GN)

Bem, a redação do caput do art. 174 deve dar náuseas e mal estar a esses exemplares de liberalóides que dominam as páginas e telas do jornalismo econômico tupiniquim nos tempos atuais. Mas ali está descrito com todas as letras o papel normativo e regulador do Estado na atividade econômica, incluindo aí as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Bingo! E na sequência, o parágrafo § 1º determina que a lei deverá estabelecer as diretrizes e bases para o planejamento, inclusive de um plano nacional de desenvolvimento.

O fato é que essa lei exigida pelo constituinte  jamais foi votada e o planejamento permaneceu considerado assunto não grato pelos principais formadores de opinião. No entanto, a História acabou demonstrando a incapacidade desse modelo proposto pelo neoliberalismo em resolver as crises cíclicas do capitalismo, ainda mais quando acompanhadas de recessão e ausência de rumos para a retomada do crescimento. Assim, a partir do biênio 2008/9 as próprias organizações multilaterais, como Banco Mundial e o FMI, acabam se rendendo à inevitabilidade de rever as teorias ortodoxas do monetarismo e seus pressupostos. Os ares começam a ser ventilados por lufadas de heterodoxia e modelos alternativos começam a pipocar aqui e ali.

Dentre essas mudanças, ganha destaque o reconhecimento tardio de que o Estado deve cumprir papel relevante no processo econômico. Inclusive a partir da definição das diretrizes estratégicas do processo de desenvolvimento. Portanto, passa a fazer parte do cardápio desse novo entendimento do fenômeno da economia a necessidade de os países recuperarem plenamente em suas capacidades estatais o espaço para a função planejamento.

O que mais impressiona nessa coisa toda é que se perdeu a oportunidade histórica de recolocar a importância dos planos de desenvolvimento em sua plenitude na agenda governamental. Ao ignorar essa determinação da Constituição, os governos que se seguiram a 2003 permaneceram no mantra das leis orçamentárias anuais e no cumprimento de mera formalidade dos planos plurianuais, tal como previstos no art. 165.

A experiência internacional recente e a situação encalacrada atual que atravessa nosso País servem como demonstração que não bastam saudações obsequiosas ao deus todo poderoso do mercado como instrumento para superar a crise. Em nosso caso, em especial, a presença ativa do Estado é essencial para que se encontre o caminho do crescimento. E para que esse processo se realize de forma sustentável e no longo prazo, não pode ser ignorada a definição de diretrizes estratégicas em termos de planejamento elaborado pelo setor público.

Assim, é mais do que urgente que o Brasil elabore um novo Plano Nacional de Desenvolvimento.

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Por-um-novo-Plano-Nacional-de-Desenvolvimento/7/37349

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