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Paranoia

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Leonardo Sakamoto – Recebi de um amigo um meme que está circulando nas redes com insultos a notórios comunistas comedores de criancinhas, consumidores de caviar, hipócritas usuários de smartphones, gayzistas destruidores da família como Gregório Duvivier, Jean Wyllys, Maria do Rosário e este que vos escreve – que a terra, um dia, há de comer. E se empanturrar.

Até aí, nada de novo. Como já disse aqui, memes não doem. Para falar a verdade, adoro memes. O que dói é a maldita falta de criatividade de muitos deles.

Mas, nesse meme, incluíram também os jornais Folha de S.Paulo, Zero Hora e Estado de S.Paulo na lista de fontes de informação esquerdopatas.

A princípio isso seria um conteúdo equivocado de algum desavisado – a rede está cheia de gente com muita energia para gastar e sem muito o que fazer. Mas devo confessar que tenho visto, nos últimos meses, cada vez mais mensagens afirmando que veículos tradicionais fazem o jogo da esquerda.

Cada um pode e deve ter sua opinião. O país é livre. Pelo menos, por enquanto.

Mas de certa forma, devido a casos assim, consigo entender por que os ETs nunca fizeram contato com a gente. Devem achar que não há vida inteligente na terceira rocha transladando o sol. Talvez, entre golfinhos.

Parte da esquerda que afirma que a Folha de S.Paulo, por exemplo, é “um folhetim reacionário” talvez não faça ideia que uma parte da direita, muito maior que ela, diz que o periódico é “um panfleto comunista”.

paranoia

Há, é fato, um grupo que sabe bem posicionar a voz de cada veículo de comunicação no espectro político-ideológico. Dizem que esses jornais são de “extrema esquerda” porque querem forçar, através da pressão e do constrangimento, que os veículos produzam mais análises à direita para se provarem imparciais. Infelizmente, não é todo mundo que tem sangue frio para receber críticas, analisa-las como infundadas e seguir de acordo com sua linha editorial.

Por outro lado, é um tanto quanto triste perceber que há quem não consiga diferenciar posições diferentes.

Um estudo conduzido pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa mostrou que uma fatia de apenas 8% dos brasileiros em idade de trabalhar é considerada plenamente capaz de entender e se expressar por meio de letras e números.

Segundo a pesquisa, esse indivíduo é capaz de compreender e elaborar textos de diferentes tipos, como mensagem (um e-mail), descrição (como um verbete da Wikipedia) ou argumentação (como os editoriais de jornal ou artigos de opinião), além de conseguir opinar sobre o posicionamento ou estilo do autor do texto. E esse último ponto é o que nos interessa aqui.

Os quatro personagens do meme, concordando ou não com eles, podem ser considerados militantes do pensamento de esquerda em suas áreas de atuação. Afirmam-se como tais. Já os editoriais dos jornais citados podem ser avaliados como liberais ou conservadores, dependendo do ponto de vista que adotam do que deva ser o papel a ser desempenhado pelo Estado ou os limites de liberdade comportamental que os indivíduos e grupos podem ter.

Contudo, parte dos seres humanos não consegue diferenciar posicionamentos divergentes do seu. Para eles, todo o pensamento que está à sua esquerda é igual. Ou seja, comuna.

Da mesma forma, para tantos outros, tudo o que está à sua direita é igual. Ou seja, reaça.

É claro que, entre os comentaristas dos memes já citados, havia quem demonstrasse prazer e júbilo com intervenções militares, o assassinato de opositores e a declaração de guerra a países vizinhos. Ou seja, há um problema cognitivo envolvido. Quiçá uma sociopatia ou psicopatia latente. Ou falta crônica de ser abraçado pela mãe e pelo pai na infância. E, além disso, conteúdo estridente que chama à guerra têm mais audiência – audiência que conteúdo moderado que chama ao diálogo não tem.

A responsabilidade sobre esse tipo de visão pitoresca dos fatos reside não apenas em uma formação política distorcida e incompleta baseada no consumo de informação de baixa qualidade e na incapacidade de encarar que o mundo não se resume a bem e mal.

Mas também em uma educação até agora ineficaz para fornecer instrumentos para que cada um possa separar o joio do trigo e em um debate público de qualidade, em que possamos reconhecer diferenças e, através do embate sadio de ideias, evoluir.

Como sempre dizemos por aqui, falta amor no mundo, mas falta interpretação de texto.

Contudo, um jornalista experiente, do alto de seus oitenta e poucos anos, me deu outra avaliação sobre isso: “Não é alucinação, delírio ou loucura. É paranoia”.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/08/26/paranoia/

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