Política

Os donos de São Paulo

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Carlos Drummond – Agora entendemos por que São Paulo é a última oligarquia brasileira. Os tucanos, quando chegaram ao governo com FHC, achavam ter um plano de 20 anos de poder, mas em São Paulo estão há 24. O Nordeste livrou-se dos coronéis, e o último oligarca foi Sarney. O tucanato paulista é, entretanto, o dono do estado mais rico e nele desenvolve suas concepções pouco republicanas. Um ideário perceptível, por exemplo, em condutas peculiares no que diz respeito à relação entre os Três Poderes e a realidade do entorno.

No reduto paulista prosperam com especial vigor iniciativas dominantes em escala nacional, a exemplo da prioridade máxima atribuída à remuneração de uma categoria profissional da área da Justiça e da pouca importância dada ao caos econômico e social ao redor. É o caso da decisão do Ministério Público Federal, representado pela futura procuradora-geral da República, Raquel Dodge, de acolher na terça-feira 25 a reivindicação dos procuradores e promotores da instituição por um aumento de 16%.

A aprovação do pedido ocorre em uma situação de crise das instituições, desgoverno político, milhares de empresas quebradas, 14 milhões de desempregados e escalada sem fim de retrocessos sociais. Um resultado, em grande medida, da entrega incondicional do Brasil, nos anos 1990 do governo FHC, à orientação neoliberal, uma das causadoras da diminuição da separação entre os Três Poderes constituídos, terreno fértil para a hipertrofia e o protagonismo do Judiciário e do MP.

Continuador, segundo vários historiadores, da vertente antinacional, antissocial e golpista da extinta UDN, condutora das campanhas contra os ex-presidentes Getúlio Vargas e Jango Goulart, o PSDB aprimorou em São Paulo seu projeto de obscurantismo político, social e econômico. O reduto bandeirante deu sobrevida à legenda perdedora das quatro últimas eleições presidenciais e prestou apoio decisivo tanto à candidatura de Aécio Neves quanto ao golpe de Michel Temer. A julgar pelos rumores a respeito da aproximação entre Geraldo Alckmin e Rodrigo Maia, cresce a possibilidade de os tucanos serem fiadores também do golpe dentro do golpe, aquele que viria com a substituição de Temer pelo presidente da Câmara, solução acalentada pelo chamado mercado.

A blindagem do reduto paulista permanecia, entretanto, um fenômeno à espera de explicação. Como conseguiu permanecer a salvo, ao menos até agora, um governo acusado de envolvimento nos megaescândalos do trensalão, do superfaturamento da merenda escolar, do rodoanel, da cratera do metrô no bairro de Pinheiros, na capital paulista, e da privatização dos pedágios, entre tantos outros? Quais os segredos da longa permanência do mesmo partido no poder no estado que, apesar de ser o mais rico do País, paga aos professores metade do salário dos docentes do Piauí, a terceira unidade mais pobre da Federação, e o quinto pior salário de policial militar no início de carreira?

Informações fragmentadas apontavam a existência de um consórcio dos Três Poderes, regido pelos tucanos, mas faltava mostrar seu funcionamento. O uso de decisões do Executivo, da Justiça e da Assembleia Legislativa e de dinheiro dos contribuintes para beneficiar juízes, promotores, integrantes do Ministério Público e altos funcionários é um eixo fundamental da construção do poder regional da legenda, mostra uma pesquisa da ex-ouvidora-geral da Defensoria Pública estadual Luciana Zaffalon Leme Cardoso. Coordenadora-geral do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, transformou seu trabalho de tese de doutorado defendida na Fundação Getulio Vargas de São Paulo.

Com base em dados de investigação própria, entrevistas com representantes da Magistratura, do Ministério Público, da Defensoria Pública, de organizações não governamentais e de movimentos sociais, o estudo inclui informações de pesquisas realizadas durante anos por várias instituições. Abrange o período de 2012 a 2015 e mostra como a construção tucana paulista funciona também para manter a impunidade dos homicídios cometidos por policiais, os excessos da repressão às manifestações de rua, as violações dos direitos humanos nos presídios e o afastamento de juízes progressistas a pedido de colegas.

“Há uma agenda corporativa como proteção e contrapartida garantidas ao sistema de Justiça”, diagnostica a pesquisadora. O espaço de concretização da pauta é a Assembleia Legislativa, onde manda o governador Geraldo Alckmin, que consegue a aprovação de 91% dos projetos que apresenta, seu partido e as proposições de interesse das instituições jurídicas, com destaque para aquelas que envolvem acréscimo de remuneração. A transferência ao governador, pelo Legislativo, da sua atribuição de dispor sobre os créditos adicionais e as tomadas de decisão sobre suplementações orçamentárias tornou-se rotina, com prejuízos à transparência e à democracia.

“Todas as Leis Orçamentárias aprovadas entre 2011 e 2016 continham seção específica que autorizava o Poder Executivo a abrir créditos suplementares durante o respectivo exercício, apesar de a Constituição do Estado de São Paulo atribuir à Assembleia Legislativa a apreciação da abertura desses créditos adicionais”, destaca a pesquisa. Consolidou-se uma prática, nas decisões orçamentárias, de “negociações mantidas apenas entre essas duas esferas e orientadas por critérios desconhecidos, aos quais os órgãos públicos envolvidos não prestam contas”.

A totalidade de leis aprovadas nas categorias “aumento de vencimentos com diversas vantagens” e “orçamento” beneficiou o Judiciário e foi proposta pelo Tribunal de Justiça. “Se, no primeiro caso, as reformas se voltaram aos servidores, prevendo gratificações que ultrapassaram o patamar de 722% do valor correspondente ao cargo padrão 40 horas, na categoria “orçamento” as mudanças beneficiaram os juízes e desembargadores, ao prever que valores do Fundo Especial de Despesa do Tribunal poderão ser utilizados para o pagamento de auxílio-alimentação e creche, dentre outras despesas”, constatou Luciana Cardoso.

No topo dos salários altos da área jurídica está o dos integrantes do Ministério Público do Estado, de 46 mil reais em 2015, sem contar 13º salário e férias. Só 3,1% da categoria não ultrapassa o teto constitucional de 33,7 mil reais, constatação desconcertante quando se considera que os procuradores e os promotores do MP são autoridades encarregadas de fazer cumprir a Constituição. Em vez de desempenhar essa função, entretanto, eles conseguiram a proeza de converter a remuneração máxima permitida pela Carta Magna em piso para a categoria. Na verdade, esse seria uma espécie de piso do piso, pois a remuneração total é ainda maior: complementos asseguraram um acréscimo de 62,5% sobre o salário em 2015, apurou o estudo.

Não há explicação aceitável para os salários dos profissionais do MP paulista serem superiores aos dos seus colegas de profissão na França, Espanha, França e Portugal. Muito menos para corresponderem ao dobro daqueles pagos no topo da carreira na Alemanha e na Suécia, segundo a pesquisa. Os maiores danos provocados por essa distorção recaem na parcela mais vulnerável da sociedade, que não tem dinheiro para pagar advogados e depende da Defensoria Pública. “Se os 60 milhões gastos pelo MP com gratificações em 2015 não tivessem sido despendidos com complementações remuneratórias, haveria saldo para quitar os 16 milhões em atraso no pagamento da assistência jurídica complementar nos meses de novembro e dezembro, garantindo que a população não viesse a sofrer prejuízo”, sublinha a pesquisadora.

Integrantes do Ministério Público são onipresentes na máquina jurídico-política. Os sete últimos secretários de Segurança vieram dessa instituição e promotores de Justiça foram escolhidos para ocupar também as secretarias da Educação, da Justiça e da Defesa da Cidadania, a última assumida pelo ex-chefe do Ministério Público Márcio Elias Rosa. Fernando Capez, eleito deputado e, em seguida, promovido a procurador no MP, foi reeleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça, à qual cabe se manifestar sobre o mérito das proposições legislativas quando tratam do Judiciário, do MP e da Defensoria.

Na área contígua, da Magistratura, repete-se o padrão de remunerações nababescas do MP. O salário médio de juízes na Justiça estadual paulista é de 45,9 mil reais, aponta a pesquisa. Segundo o atual secretário de Educação e ex-presidente do Tribunal de Justiça do estado, Renato Nalini, essa instituição “é o maior tribunal do planeta”, mas “vive de pires na mão”. Questionado, em 2014, em um programa de tevê, sobre o auxílio-moradia de 4,3 mil reais, Nalini, ao explicitar seu ideal de elegância, disse tratar-se de um subsídio, pois “não dá para ir a Miami toda hora para comprar terno”. No ano seguinte, declarou, em entrevista a um jornal, ter poucas esperanças de receber a suplementação de 900 milhões de reais solicitada para 2015. A comparação das dotações inicial e final, apresentada na pesquisa, mostra que o Tribunal recebeu do governo 180 milhões acima do solicitado.

Um episódio selecionado na pesquisa e protagonizado pelo atual secretário de Educação dá pistas sobre o funcionamento da relação entre o Executivo e o Judiciário. A ocupação de mais de 200 escolas da rede estadual de ensino pelos alunos, em 2015, em protesto contra a reforma do setor teve “diferentes entendimentos entre a primeira e a segunda instâncias sobre a disputa política envolvida. Alckmin buscava transferir o assunto para a esfera dos processos judiciais, com o suporte do Ministério Público. Durante o julgamento de mandado de segurança sobre o tema, o Ministério Público, de acordo com as íntegras das decisões judiciais, buscou afastar os desembargadores que já haviam, em decisão anterior, se manifestado contrariamente à pretensão do governo”. Os julgadores foram mantidos, entretanto, e a decisão contrária ao governo prevaleceu. O Tribunal de Justiça não atendeu, portanto, ao pleito do governo, fundamentado na falta de diálogo da Secretaria de Educação sobre o projeto, considerado “um problema de política pública”.

Segundo a Secretaria de Orçamento e Finanças do Tribunal, interpelada pela pesquisadora, “entre a decisão que afastou as pretensões de Geraldo Alckmin, em dezembro de 2015, e a posse de Nalini como secretário de Educação, em janeiro de 2016, o Tribunal recebeu três suplementações orçamentárias, que somaram 469,84 milhões de reais”. Insatisfações e reclamações à parte, os gastos da Justiça em São Paulo certamente ocupam posição de destaque no cômputo nacional. Dados do Conselho Nacional de Justiça situam o Judiciário brasileiro como o mais caro do mundo, com despesas de 94 euros por habitante, diante de 66,7 na Suécia, 58,6 na Holanda, 50 na Itália, 43,2 em Portugal, 42,2 na Inglaterra e 27 na Espanha.

Ágil no atendimento a pedidos de vantagens financeiras para os integrantes da própria área jurídica, a instância superior mostra-se igualmente diligente na rejeição de pleitos em benefício dos desfavorecidos, constatou a pesquisa. Entre 2012 e 2015, exceto em um único caso, todos os pedidos do governador para suspender os efeitos das sentenças judiciais de primeira instância que garantiam direitos fundamentais à dignidade e à saúde de presos foram atendidos pelos presidentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Em contrapartida, o mesmo tribunal garantiu a manutenção de salários acima do teto constitucional todas as vezes em que foi instado a decidir sobre o assunto.

O não cumprimento da Constituição Federal e ainda da Lei de Execução Penal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário “é tido pelas presidências do Tribunal de Justiça de São Paulo como padrão que atende ao critério de normal”, acusa Luciana Cardoso. Várias situações documentadas no trabalho comprovam a orientação acima descrita, por exemplo, em decisões do presidente do Tribunal de Justiça, com competência para suspender os efeitos de decisões tomadas por juízes de primeira instância contra o Poder Público tanto no que se refere a decisões liminares, concedidas em razão da urgência, quanto às sentenças que encerram o processo.

O defensor público Bruno Shimizu relata os efeitos da suspensão de uma liminar concedida em 2013. “Em uma ação, pedimos a instalação de aparelhos para aquecimento de água nos dias mais frios do ano, porque os presos com tuberculose tomam banho frio. Mesmo no inverno tomam banho frio. A gente entrou com uma ação pública bem instruída, com parecer médico, prova. O juiz concedeu uma liminar mandando o Estado em 60 dias fazer as obras para instalar pelo menos um chuveiro por setor. Essa liminar foi suspensa pelo presidente do Tribunal, que na época ainda era Ivan Sartori, e está suspensa até hoje.”

A conduta é outra quando muda o público a ser beneficiado pela decisão. “Tanto Sartori quanto Nalini negaram os pedidos do Poder Público em todos os 129 processos que trataram da aplicação do teto constitucional à remuneração de servidores públicos. Lembramos que essa categoria concentrou 26% do total de processos julgados no período analisado, atrás apenas dos casos que versaram sobre questões municipais”, identificou a autora da tese. Ela considera “a hipótese de os presidentes do TJ-SP buscarem, dessa forma, consolidar uníssono posicionamento no Judiciário com relação à não observância do teto constitucional, o que reflexamente beneficia as carreiras jurídicas com elevados patamares remuneratórios”.

Em 13 dos 15 processos relacionados com a Secretaria de Administração Penitenciária, a Secretaria de Segurança Pública e a Fundação Casa, os efeitos das decisões de primeira instância foram suspensos pelo Tribunal de Justiça, atendendo a pedidos do governo do estado, com a alegação de falta de verbas, entre outras justificativas. Assim, foram rejeitados gastos para resolver problemas de superlotação, precariedade dos banheiros e falta de ventilação na Fundação Casa, superlotação acima de 30% no Centro de Detenção Provisória, insalubridade das carceragens dos distritos policiais da capital, excesso de população e más condições de encarceramento das penitenciárias de Araraquara, Jundiaí, Caraguatatuba, Franco da Rocha e Americana. Nas duas penitenciárias de Franco da Rocha, por exemplo, o juiz de primeira instância determinou a não permanência ou entrada de qualquer preso, provisório ou condenado, além da capacidade das unidades. Destinadas a sentenciados ao regime fechado, mantinham indivíduos com direito ao regime semiaberto de cumprimento de pena. O argumento sempre alegado, de falta de recursos do Estado para atender a essas e outras determinações de juízes da primeira instância, não se sustenta. O Tribunal de Justiça de São Paulo “recebeu, em média, 15,3% do total das suplementações orçamentárias anuais do estado de São Paulo, chegando a 18,3% em 2012 e 21% em 2015”.

Na gestão de Nalini no TJ-SP, relata Shimizu, foram suspensas, inclusive, ações com pedido de instalação de equipe mínima de saúde na Penitenciária de Serra Azul, em Ribeirão Preto, onde 60 prisioneiros morreram em um ano por falta de atendimento médico. “Entramos com uma ação pedindo a instalação de uma equipe mínima de saúde: ganhamos a liminar. A Procuradoria do Estado pediu e o presidente do TJ suspendeu essa liminar, com a fundamentação de que isso causaria risco à ordem pública, porque teria um efeito multiplicador. Se instalasse a equipe de saúde naquele presídio, ia ter de instalar em todos os outros. Com relação à Serra Azul, foram quatro ações exclusivamente para colocar um médico ou uma médica, uma equipe reduzida, um enfermeiro, um psicólogo, uma assistente social, um médico e um dentista. Foi basicamente isso: uma equipe de saúde que custa, em média, para o Estado um pouco mais de 10 mil por mês, que seria o auxílio-moradia de dois juízes.” Segundo o defensor público, a decisão foi tomada “praticamente na mesma semana em que Nalini deu entrevista dizendo que achava importante o juiz ganhar o auxílio-moradia de quase 5 mil reais por mês para ir a Miami comprar ternos”.

Shimizu conclui que “é uma lógica genocida mesmo, acho muito difícil falar que isso é falta de informação. É impossível vislumbrar alguma boa-fé nesse tipo de decisão. Essa política de extermínio é quase escancarada”. A postura na repressão policial às manifestações de rua segue a mesma orientação, afirma Danilo Dara, do Movimento Independente Mães de Maio, entrevistado na pesquisa. “O Ministério Público e a Magistratura têm um alinhamento muito grande. Nos casos que eu acompanho, que são os boletins de ocorrência por violência policial ou encarceramento, o veredicto já está ali, na versão do agente da polícia. A Defensoria Pública, que deveria ter como princípio fundamental garantir o acesso à população pobre, preta, aos trabalhadores, infelizmente não tem agido dessa forma. Exceto por rompantes de algumas pessoas e núcleos que resistem.”

O que acontece, diz Shimizu, é que existe um aparato burocrático que, do ponto de vista da economia do poder, “aponta para uma não responsabilização dos membros de forças de segurança em relação aos crimes que eles praticam. Dificilmente se tenta realmente apurar o que aconteceu em relação à denúncia (de violência policial). Tem uma questão de adesão a uma determinada política de ‘segurança pública’: essa ideia de fazer o controle das populações indesejadas, perigosas, por meio da força das armas e do controle territorial, e isso só é possível com a truculência policial. Ao mesmo tempo que percebemos o Ministério Público e o Judiciário muito condescendentes quando se trata de investigação de crimes cometidos por funcionários públicos, em relação à criminalidade de massa sempre existiu aquela lógica de se encarcerar cada vez mais. É como se o resultado exitoso do processo penal fosse a condenação. Então o Ministério Público e a polícia trabalham com a lógica do extermínio, seja com encarceramento, seja pela via da execução sumária. Na verdade, é uma continuidade de um mesmo processo de controle. E o rebote disso é o superencarceramento”.

Os tribunais são preparados para tolerar a violência e a taxa de condenação é tão baixa que pode ser prontamente considerada uma cumplicidade com a conduta policial, conclui a pesquisa, que se refere à existência da mesma situação também em Salvador e Buenos Aires. Segundo a defensora pública Daniela Skromov, ex-coordenadora do Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da instituição, há cerca de 800 casos anuais de mortes decorrentes de ação policial no estado de São Paulo. Em mais de 90% dos casos envolvendo “centenas de vítimas e familiares de vítimas de violência policial, seja na forma de execuções sumárias em chacinas, seja na forma de mortes decorrentes de intervenção policial – as denominadas resistências seguidas de morte –, os promotores de Justiça pediram o arquivamento do caso e os juízes concordaram, o que ocorreu com base apenas na palavra dos policiais envolvidos”.

Quando se examina a promoção da ação penal, analisa Luciana Cardoso, constata-se que o Ministério Público do Estado de São Paulo tem alcançado elevados índices de produção e alta taxa de sucesso. “No entanto, no que toca à sua atribuição para exercer o controle externo da polícia, o resultado alcançado é o oposto: há baixa produtividade e baixa taxa de sucesso. Tal resultado reforça a leitura de que o MP atua pela blindagem das elites, obstaculizando o aprofundamento democrático, garantindo que às classes populares sejam destinadas as forças de segurança pública e o sistema prisional. Verifica-se, assim, o exercício das atribuições da instituição como expressão da luta de classes, com atuação de caráter higienista.”

A Defensoria Pública vive, não por acaso, uma crise de legitimidade. A Pastoral Carcerária Nacional e o Movimento Mães de Maio romperam com a instituição após anúncio de homenagem a Alckmin, “controverso homenageado”, em celebração “quase simultânea à decisão do TJ-SP de anular o processo do Massacre do Carandiru”, ocorrido em 1992. Entre os laureados na mesma cerimônia figurou o ministro do STF Ricardo Lewandowski, que suspendeu a determinação do CNJ para o Tribunal de Justiça de São Paulo baixar norma com critérios impessoais e objetivos para a designação de juízes. O ministro é ex-desembargador do TJ-SP.

A norma bloqueada por Lewandowski talvez tivesse evitado o atentado à independência funcional de um magistrado em 2014, grave o suficiente para ser denunciado à 29ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O juiz auxiliar Roberto Corciolli foi afastado da 14ª Vara Criminal do Fórum da Barra Funda em atendimento à reclamação de alguns promotores, “incomodados com o teor ‘garantista’ de suas decisões, que priorizavam direitos constitucionais dos réus”. Com essa alegação, pediram a providência à presidência do Tribunal de Justiça, registra o estudo. Corciolli só soube disso depois de indagar o porquê do afastamento, pois inexistia qualquer explicação no e-mail que informou a decisão. O caso, em análise no STF, mostra o grau extremo atingido pelo “novo elitismo liberto de qualquer controle social… em detrimento da cidadania”, reinante nos domínios do poder jurídico-político. Certamente, um dos maiores males do Brasil de incontáveis e gravíssimos problemas.

Sim, é verdade, o Nordeste livrou-se dos coronéis, a Bahia livrou-se de Antonio Carlos Magalhães. Mas a manobra bem-sucedida de São Paulo corre o risco de transformar um partido em dono do estado.

http://raulmarcelo.com.br/2017/07/31/carta-capital-os-donos-de-sao-paulo/

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