Internacional

Ocidente e rebeldes começam a engolir Assad

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Luiz Eça – Quando tudo au­gu­rava pe­rigo de guerra, a paz co­meçou a querer pintar na Síria. De­pois dos ata­ques norte-ame­ri­canos, a base aérea e as forças ter­res­tres pró-Assad e das ame­aças de re­ta­li­ação russas, o mundo passou a es­perar pelo pior.

Mas pa­rece que vai acon­tecer o con­trário. De­pois de seis con­fe­rên­cias pela paz, que não deram em nada, na sé­tima deu bingo.

Alexei Bo­ro­da­vinski, em­bai­xador da Rússia em Ge­nebra, anun­ciou que, fi­nal­mente, os re­beldes dei­xaram de exigir a queda de Assad e sua co­terie como pré-con­dição para dis­cu­tirem o fim da guerra síria.

Pelo menos um dos três grupos, que re­pre­sentam a opo­sição, o HNC, pa­tro­ci­nado pela Arábia Sau­dita, parou de criar caso.

Pre­cisa agora reunir-se com os ou­tros dois mo­vi­mentos re­beldes para todos fe­charem com essa po­sição.

Apa­ren­te­mente, nin­guém, nem mesmo no Oci­dente, vai dis­cordar. Ma­cron, o novo pre­si­dente da França, já se pro­nun­ciou in­ci­si­va­mente que não existe outra au­to­ri­dade le­gí­tima a não ser Assad para di­rigir a Síria, en­quanto se com­bate o grande ini­migo da hu­ma­ni­dade, o Es­tado Is­lâ­mico (EI).

Trans­for­mando as pa­la­vras do chefe em ação, o mi­nistro do Ex­te­rior francês, Jean-Yves Le Drian in­formou ao CBS News que está pro­pondo a for­mação de um co­mitê, for­mado pelas grandes po­tên­cias, para re­solver o drama da Síria. E já foi es­cla­re­cendo: “esta ini­ci­a­tiva pres­supõe que não con­si­de­ramos a saída de Assad como pré-con­dição das ne­go­ci­a­ções”.

Aliás, Trump já dera si­nais de que em­bar­caria nesta po­sição. Re­fe­rindo-se a sua reu­nião com Putin, du­rante o G-20 de Ham­burgo, ele tuitou: “Nós ne­go­ci­amos o cessar-fogo em re­giões da Síria, o que sal­vará vidas. Agora é tempo de irmos para frente”.

Per­gun­tado se isso sig­ni­fi­cava que The Do­nald dei­xaria a questão de Assad para de­pois, alta fi­gura do go­verno dos EUA res­pondeu ao Daily Beast: “É claro que é esta a nossa po­lí­tica. Eu não vejo como vocês, que estão acom­pa­nhando o que nós es­tamos fa­zendo, ainda não en­ten­deram”.

Até agora, tanto os EUA quanto a França ne­gavam-se a dis­cutir a paz na Síria sem que Assad e seus prin­ci­pais ele­mentos dei­xassem o go­verno.

Está sendo in­ter­pre­tado como uma con­fir­mação da mu­dança a de­cisão do go­verno Trump de acabar com o pro­grama da CIA de trei­na­mento e for­ne­ci­mento de armas a re­beldes sí­rios.

Seria uma forma de su­perar os res­sen­ti­mentos russos com os ata­ques da força aérea e dos mís­seis es­ta­du­ni­denses contra aviões e sol­dados do exér­cito de Assad.

Desde a cam­panha elei­toral, Trump já mos­trara sua re­jeição a esse pro­grama por não haver in­for­ma­ções su­fi­ci­entes sobe sua efi­ci­ência. De­pois de eleito, ele or­denou que a CIA o con­ge­lasse.

Nos meses se­guintes, a in­te­li­gência deve ter des­co­berto o pa­ra­deiro de boa parte das armas norte-ame­ri­canas: es­tavam indo para as mãos da Al-Qaeda e de ou­tros mo­vi­mentos jiha­distas, ini­migos dos EUA.

O fim deste pro­grama não in­ter­rompe as ati­vi­dades mi­li­tares dos EUA na Síria. O país con­tinua apoi­ando os curdos (prin­ci­pal­mente) e grupos árabes na luta contra o EI, através de um pro­grama di­ri­gido pelo Pen­tá­gono.

Os norte-ame­ri­canos ins­ta­laram 10 bases em ter­ri­tório curdo, de onde seus aviões de­colam para mis­sões de bom­bar­deio de ci­dades e con­cen­tra­ções mi­li­tares do EI.

Além disso, cen­tenas de sol­dados das forças es­pe­ciais yan­kees, usando tan­ques e lan­ça­dores de mís­seis, também com­batem os fa­ná­ticos is­lâ­micos ao lado dos curdos e árabes re­beldes.

E os sol­dados curdos re­cebem nor­mal­mente armas e trei­na­mentos, através do Pen­tá­gono.

Como se vê, Trump pa­rece estar pa­ra­li­sando a guerra contra Assad para poder lançar suas forças mi­li­tares no ani­qui­la­mento do EI. En­trada na re­vo­lução síria pra valer, com muitos aviões e tropas ter­res­tres, po­deria dar em guerra com Rússia.

Como o povo norte-ame­ri­cano é hoje for­te­mente con­trário a novas guerras, o ibope de Trump nau­fra­garia ainda mais. Sem contar que se­riam for­ço­sa­mente di­mi­nuídas as forças da guerra contra o EI, o que as atra­sa­riam. E dar fim no Es­tado Is­lâ­mico é a grande carta que Trump tem nas mãos para deixar a opo­sição fa­lando so­zinha.

É de se crer que a al­te­ração de alvos, se de fato acon­tecer, será apenas uma pausa. Ti­rando da frente os bár­baros do Es­tado Is­lâ­mico, os EUA vol­ta­riam seus olhos para a cri­ação do novo go­verno sírio. Du­vida-se que aceitem a per­ma­nência de Assad.

Isso re­pre­sen­taria não apenas uma der­rota, mas a re­fun­dação de um go­verno aliado ao Irã, com as bên­çãos da co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal. The Do­nald deve es­pumar pela boca quando pensa nisso.

Es­fu­zi­ante de ale­gria, ele bradou Iran de­leta est na reu­nião com o so­be­rano me­di­eval da Arábia Sau­dita e Es­tados cli­entes, cons­ci­ente de que todos vi­bravam com ele.

Somar com o maior com­prador de armas dos EUA une o útil ao agra­dável, para o pre­si­dente re­pu­bli­cano.

Acre­dita-se que as raízes do ódio pre­si­den­cial ao Irã se devem à pro­funda in­veja que ele tem do ex-pre­si­dente Obama. O jeito edu­cado, o res­peito dos es­ta­distas da mai­oria das na­ções, as re­formas, a pre­o­cu­pação com di­reitos hu­manos e ne­ces­si­dades do povo – todas estas coisas an­ta­go­nizam The Do­nald com seu su­cessor. Ele as sente como ver­da­deiras agres­sões pes­soais.

Seria al­ta­mente pra­ze­roso des­truir o le­gado de Obama, do qual a paz com o Irã e o acordo nu­clear são itens im­por­tantes.

Por sua vez, pes­soas que in­fluem na po­lí­tica ex­terna norte-ame­ri­cana também têm ra­zões emo­ci­o­nais para atingir Teerã.

Sabe-se que o se­cre­tário da De­fesa, ge­neral Mattis, tem ve­lhas contas a co­brar do re­gime is­lâ­mico. Teerã apoia o Hiz­bollah, que matou muitos sol­dados dos EUA du­rante as ocu­pa­ções do Lí­bano e do Iraque. E ainda por cima é amigo fra­ternal de Teerã (talvez mesmo se­guidor fiel).

Não é à toa que Mattis con­si­dera o Irã a maior ameaça aos EUA (ideia com­par­ti­lhada por apenas 2% dos ame­ri­canos, de acordo com pes­quisa NBC NEWS/Monkey).

Já o Ge­neral Mc­Master, con­se­lheiro es­pe­cial de se­gu­rança, também guarda má­goas dos tempos em que serviu como ofi­cial na ocu­pação do Iraque.

Ra­zões ide­o­ló­gicas in­te­gram esse mix be­li­ge­rante: o im­pério quer manter o con­trole do Ori­ente Médio (onde estão as mai­ores re­servas de pe­tróleo e de gás do mundo). O aliado po­lí­tico e grande cli­ente, a Arábia Sau­dita, é ex­tre­ma­mente útil para im­pedir que o Irã as­suma a he­ge­monia da re­gião, po­sição que o rei Salman pre­tende para sua di­nastia. Claro, Is­rael está sempre pronto para exigir mais san­ções e mais res­tri­ções anti-Irã e, se pre­ciso, lançar seu po­derio bé­lico contra o go­verno de Teerã.

Agradar essa gente, Trump acre­dita que com­pensa, pois lhe daria muitos votos e re­cursos fi­nan­ceiros para sua pró­xima eleição.

Apesar disso, agora há es­pe­ranças de que russos, es­ta­du­ni­denses, go­verno Assad e re­beldes façam um acordo de paz. E se unam para der­rotar o ini­migo comum, o EI.

Acon­te­cendo a ani­qui­lação dos fa­ná­ticos, seria a hora de se dis­cutir uma re­or­ga­ni­zação da Síria, in­clu­sive mar­cando-se novas elei­ções. Pos­si­vel­mente, de­veria acon­tecer num prazo médio.

Aí pode melar. Di­fi­cil­mente os EUA e os re­beldes acei­tarão um go­verno de tran­sição com a par­ti­ci­pação de Assad, mesmo numa po­sição com po­deres li­mi­tados.

Assad pro­va­vel­mente acei­taria, desde que pu­desse se can­di­datar nas elei­ções que se se­gui­riam.

Pro­va­vel­mente, EUA, Reino Unido, Arábia Sau­dita, re­beldes e Tur­quia se opo­riam. Apesar de todos eles vi­verem di­zendo que o fu­turo da Síria está nas mãos do povo, nunca per­mi­ti­riam uma eleição aberta, na qual o povo po­deria even­tu­al­mente eleger Assad.

Seria in­con­ve­ni­ente para os EUA e a opo­sição síria. Mas não dei­xaria de ser de­mo­crá­tico. Não é mesmo por de­mo­cracia que todos dizem lutar na Síria?

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