Internacional

O ódio e a guerra nos Estados Unidos

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Alejandro Nadal – No mais recente relatório sobre as operações de guerra divulgado pela Casa Branca, observa-se que as forças armadas dos Estados Unidos estão envolvidas em sete guerras. O orçamento militar aprovado em agosto é o mais importante na história deste país.

Donald Trump e Barack Obama advertiram em repetidas ocasiões que as eleições legislativas de terça-feira 6 de novembro nos Estados Unidos seriam as mais importantes na história deste país. Tinham razão. Mas quando foi apontado que as eleições seriam uma espécie de referendo, nunca se disse que a questão mais profunda, a da guerra e da paz, estaria ausente desta campanha eleitoral.

Poucos dias antes das eleições, para renovar o Poder Legislativo dos Estados Unidos, o economista Paul Krugman assinalou que o ódio estaria nos boletins eleitorais. Vencedor do Prémio Nobel de Economia, Krugman tem uma coluna no New York Times e é uma das vozes mais influentes no seu país. Tinha razão, sem dúvida, mas, paradoxalmente, faltou-lhe acrescentar que as guerras do seu país não têm lugar no debate eleitoral. Esse facto revela que, na sociedade norte-americana, o patriotismo converteu-se numa doença que infetou tanto democratas quanto republicanos.

No mais recente relatório sobre as operações de guerra divulgado pela Casa Branca, observa-se que as forças armadas dos Estados Unidos estão envolvidas em sete guerras. (acesso ao relatório). As operações vão desde o Afeganistão e o Iraque até à Síria, Iémen, Somália, Líbia e Níger. Estas intervenções são levadas a cabo sob a Autorização para o uso da força armada, promulgada em 2002, poucos meses após os ataques às Torres Gémeas. Segundo a Casa Branca, as operações são realizadas contra a Al Qaeda, as forças do Estado Islâmico (ISIS), o Al-Shabaab e, finalmente, a rede de forças leais aos talibãs. As hostilidades ocupam todo o território do que a administração Obama definiu como o arco da instabilidade.

No dia de hoje (7 de novembro de 2018), as baixas militares sofridas pelas forças dos EUA no Afeganistão (desde que se iniciou a guerra em 2001) chegam a 2.415. No Iraque, as baixas chegam a 4.497 mortes e mais de 32 mil feridos. As mortes de civis iraquianos ascendem a 1 milhão 455 mil 590 (1.455.590). Não há dados confiáveis sobre as mortes de civis no Afeganistão, mas essa guerra é já a mais longa da história dos Estados Unidos. E de acordo com qualquer indicador que se queira usar, Washington não está a ganhar a guerra no Afeganistão. Deve-se dizer que ninguém sabe o que significaria uma vitória neste conflito.

Mas é preciso cuidado a dirigir algo que se assemelhe a uma crítica a estas operações de guerra, porque nos Estados Unidos o tema do patriotismo e dos jovens de uniforme é sacrossanto. O povo foi simplesmente condicionado a adorar os heróis que usam uniforme. Basta observar o fervor patrioteiro em qualquer evento desportivo para se dar conta. Até a sátira política de Comedy Central e Saturday Night Live, tão aguda quanto irreverente, tem muito cuidado a criticar o posicionamento militar do império para não despertar a fúria do público.

O orçamento militar dos Estados Unidos, aprovado em agosto, é de 717 mil milhões de dólares (mmdd). É o mais importante na história deste país e ninguém diz nada sobre esse assunto. Mesmo cortando-o para metade, a despesa militar seria superior à de Rússia, China, Irão e Coreia do Norte juntos. Bastava o aumento de 200 mil milhões de dólares, autorizado por Trump, para garantir educação pública gratuita ao nível universitário para toda a população escolar dos Estados Unidos. Os principais beneficiários do orçamento militar são as grandes empresas, como a Raytheon, a Boeing, a Northrop-Grumman, a Lockheed-Martin e a General Dynamics. O desvio de recursos para a indústria militar contribuiu no passado para a perda de competitividade da indústria americana, mas ninguém pensa em questionar a política externa de Washington baseada na ideia de um estado de guerra permanente.

O eleitorado dos EUA está preocupado principalmente com o acesso à saúde, os impostos e os migrantes. Foi nisso que Trump deitou lenha na fogueira, infundindo o medo do espectro de uma caravana de cerca de 5 mil migrantes centro-americanos, que lentamente percorrem o território mexicano em direção à fronteira com os Estados Unidos. O delirante Donald não poupa recursos retóricos e fala de hordas e até de uma invasão que ameaçaria a integridade da fronteira sul do seu país. O seu desplante eleitoralista de enviar entre 5.000 e 15.000 soldados armados para a fronteira sul pode custar mais de cem milhões de dólares. Mas a preocupação dos democratas foi mais com o efeito nas eleições do que com a questão do emprego do exército, com receio de o eleitorado pensar que eles estão a criticar os meninos e meninas de uniforme que lutam pela pátria.

Os dirigentes do Partido Democrata criticaram Trump por promover o ódio e pelas suas políticas que provocam maior divisão. Mas ninguém critica as guerras do império. Eles podem criticar o ódio, mas não a guerra.

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Poder-e-ContraPoder/O-odio-e-a-guerra-nos-Estados-Unidos/55/42453

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