Sociedade

O Brasil que celebra corrupção tem muito em comum com o que festeja a morte

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Leonardo Sakamoto – Assim que a possibilidade de lambança foi detectada na delação da JBS, levando à abertura de uma investigação para apurar se houve omissão de informações, muitos políticos e empresários celebraram. Em público.

É de se esperar que Michel Temer e Amigos entrassem em êxtase tântrico com a notícia. Mas não houve muito pudor por parte de alguns em gozarem abertamente. E falando em pornografia política, ”chupa, Janot” e ”Janot se fodeu” foram comentários até que leves ouvidos pelos colegas jornalistas de aliados de Temer. Vai levar um tempo para me acostumar com um Brasil em que a tecla ”foda-se” vive permanentemente apertada, em que políticos ostentam cãimbra de tanto dar de ombros ao país. Contudo, pelo andar da carruagem, teremos muito tempo para tanto.

E qual o motivo da comemoração? Que a investigação e a denúncia de um grande escândalo de corrupção, que atingiu o comando do país, pode perder força por suspeita de interferência de um membro do próprio Ministério Público Federal nos depoimentos. O caso, claro, não apaga conversas gravadas, imagens de ”aspones” levando malas de dinheiro recebidas da empresa em nome de autoridades e a compra de favores. Mas facilita o questionamento da idoneidade do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, responsável pelas denúncias, como alguém que faria qualquer coisa para atingir seu objetivo.

Não que o Ministério Público Federal e a Justiça Federal, em Curitiba, também não tenham feito qualquer coisa para atingir seu objetivo, divulgando, inclusive, grampos obtidos ilegalmente. Mas, convenhamos: se você ainda fica surpreso que, por aqui, não existe tratamento isonômico na Justiça, é porque não entendeu o Brasil.

O despudor de alguns em comemorar publicamente o furo na delação enquanto uma grande parte da sociedade lamenta o ocorrido, uma vez que ele coloca em xeque algo que todos queremos (ver o país livre de corrupção), soa como escárnio. Do tipo Zagallo, ”vocês vão ter que me engolir”.

De certa forma, isso remete ao ocorrido na tarde deste domingo (3), quando uma equipe do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), com apoio do Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (Garra), entrou em confronto com membros de uma quadrilha especializada em roubos a residências em um bairro nobre de São Paulo. Foram dez mortos, todos do lado dos acusados.

Não tenho elementos para afirmar se o uso da força pelos 13 policiais envolvidos na operação esteve dentro dos parâmetros ou exagerada. A Anistia Internacional, contudo, divulgou uma nota, nesta segunda (4), pedindo investigação sobre o caso. Segundo a instituição, a ação da polícia não deveria ser considerada um sucesso. ”O papel da polícia não é matar e uma intervenção que resulte em dez pessoas mortas não pode ser considerado referência de eficiência ou sucesso da ação policial.”

Policiais não são pagos para entregar a própria vida em nome do patrimônio alheio. Mas qualquer declaração à imprensa das autoridades deveria começar com um grande ”infelizmente que isso aconteceu”, expondo as circunstâncias. Para não reafirmar a absurda ideia corrente de que a solução para a criminalidade passa pela morte e pelo extermínio.

Diante dos questionamentos sobre a quantidade de cadáveres, o delegado Ítalo Zaccaro Neto, que atuou no caso, afirmou que gostaria que a situação tivesse sido diferente. ”Não temos prazer nenhum nisso”, disse. Mas o mesmo não se pode dizer de parte da população, que teve delírios orgásmicos ao saber que sangue escorreu no asfalto, em um grande ”amo muito tudo isso”.

Corpos de assaltantes no Jardim Guedala, região do Morumbi, em São Paulo

O interessante é que o deus cristão foi citado tanto pelo governador Geraldo Alckmin ao comentar a ação (”graças a Deus” não houve nenhuma vítima atingida), quanto pelo delegado Ítalo (”a eficiência vem de Deus, porque estamos do lado do bem e eles, do mal”). Consultado por este blog, Jeová afirma que não tem nada a ver com isso, que entregou o livre-arbítrio para não ser cobrado por declarações terceirizadas e que, desde a morte dos primogênitos no Egito, evita assassinar pessoas em série.

É interessante como muitos brasileiros se indignam diante da celebração de autoridades que fazem o que querem com a vida dos brasileiros e celebram, eles próprios, as autoridades que fazem o que querem com a vida dos brasileiros.

O que me leva a crer que muitos são sim a favor de tragédias – desde que acreditem que elas os beneficiem, em uma ética fluida adaptável à circunstância e à oportunidade. Ou seja, o ”foda-se” não é monopólio de Brasília, mas patrimônio nacional.

De onde sai a pergunta: se não nos importamos com a ética, mas apenas com nossas crenças individuais e, não raro, violentas sobre certo e errado, bem e mal, céu e inferno, faríamos muito melhor no lugar dos políticos que colocamos no Congresso Nacional e que se especializaram no cada um por si e o sobrenatural por todos?

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