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Mulheres sauditas podem guiar, mas continuam guiadas

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Luiz Eça – Até agora, as mu­lheres sau­ditas eram le­gal­mente proi­bidas de guiar au­to­mó­veis. Os le­gis­la­dores ba­se­aram-se nos en­si­na­mentos do sheik Saab al-Haj que afir­mava ter o cé­rebro fe­mi­nino um quarto do ta­manho do mas­cu­lino. O que, é claro, as tor­nava um pe­rigo pú­blico, quando ao vo­lante.

O re­cente di­reito de di­rigir con­ce­dido às mu­lheres foi ce­le­brado como um grande avanço. Mas con­tenha o en­tu­si­asmo, elas con­ti­nuam sendo as mais dis­cri­mi­nadas do mundo.
Ainda pesa um oceano de res­tri­ções sobre o sexo fe­mi­nino do reino.

Mesmo o acesso fe­mi­nino ao vo­lante não é amplo. Elas pre­cisam ter no banco do ca­rona os ma­ridos ou um guar­dião mas­cu­lino (pai ou irmão). Talvez para evitar bar­bei­ra­gens.

Sem esse acom­pa­nha­mento, as sau­ditas também não podem andar na rua. E se, fora de casa, al­guma con­versar com um homem, que não seja pa­rente pró­ximo, a coisa fica séria: a trans­gres­sora pode até ser presa.

Vi­ajar sem au­to­ri­zação es­crita do ma­rido (ou do guar­dião) nem pensar! As sau­ditas de­pendem ainda desse nihil obstat mas­cu­lino para ou­tras coisas como sub­meter-se a uma ci­rurgia ou abrir uma conta ban­cária. Mas não há proi­bição go­ver­na­mental de con­se­guirem um tra­balho, em­bora a mai­oria das em­presas con­tinue exi­gindo per­missão do ma­rido ou guar­dião para em­pregar uma fun­ci­o­nária de saias.

Como se vê a mu­lher na Arábia Sau­dita de­pende da ge­ne­ro­si­dade ou li­be­ra­li­dade do ma­rido para poder ter uma vida mais livre.

Ainda bem que ela tem o di­reito de es­co­lher o seu. Isso desde que não seja ateu, nem crente de qual­quer re­li­gião não-is­lâ­mica, nem mu­çul­mano xiita. Em suma: todo e qual­quer mu­çul­mano su­nita é, em prin­cípio, acei­tável.

Outro di­reito re­cen­te­mente con­ce­dido às sau­ditas é o de votar e se can­di­datar a um con­selho es­ta­dual (que tem po­deres mí­nimos). Só em 2015, essa con­quista foi con­se­guida, porém, com certas res­tri­ções. As can­di­datas têm de ser pre­vi­a­mente apro­vadas por um con­selho re­cheado de clé­rigos que, nas re­giões do in­te­rior, cos­tumam ser muito con­ser­va­dores, vendo com maus olhos os avanços fe­mi­ninos nas po­si­ções tra­di­ci­o­nal­mente res­tritas aos ho­mens.

Já votar, tudo bem, os di­reitos fe­mi­ninos são ir­res­tritos. Bem, nem tanto, exige-se que a elei­tora seja acom­pa­nhada pelo ma­rido ou outro guar­dião ha­bi­li­tado. Es­pera-se, talvez, que ele as im­peça de votar mal.

Mas, para muitas mu­lheres, uma das pi­ores in­ter­fe­rên­cias do go­verno real na sua vida acon­teça na moda.

Todas elas são obri­gadas a vestir a abaya, uma tú­nica que as cobre quase que to­tal­mente, dei­xando li­vres só a face, as mãos e os pés.

Se você é mu­lher e nunca foi a um res­tau­rante ves­tindo uma abaya, não sabe como ela com­plica os atos de se servir e se ali­mentar. Nas re­giões mais atra­sadas do país, a tra­dição é adi­ci­onar um véu, co­brindo o rosto. Comer e beber num res­tau­rante torna-se um pro­blema mais di­fícil do que en­con­trar água no de­serto.

Na maior parte das re­giões, fe­liz­mente, a mu­lher não pre­cisa adi­ci­onar esse véu à sua toi­lette. O rosto fica livre para ela se ma­quiar com duas únicas res­tri­ções: nada de tirar pelos da face ou fazer so­bran­ce­lhas.

O mais chato deve ser a obri­gação de usar uma abaya nas pis­cinas, lugar sempre ri­go­ro­sa­mente unissex.

Aliás, isso pa­rece estar mu­dando, em­bora len­ta­mente. Anuncia-se que o prín­cipe her­deiro nú­mero um, Mohamed Bin Salman, vai cons­truir um lu­xuoso re­sort, às mar­gens do mar, onde será per­mi­tido que as mu­lheres usem biquínis. O pú­blico vi­sado serão os tu­ristas es­tran­geiros. Mesmo as mu­lheres sau­ditas po­derão trocar suas abayas por maiôs de re­du­zidas di­men­sões. Pena que so­mente as muito ricas po­derão apro­veitar esta es­pan­tosa li­be­ra­li­dade, pois o novo re­sort de­verá ser ca­rís­simo.

Quanto às pos­si­bi­li­dades de uma sau­dita cuidar da ele­gância e da es­beltes do seu corpo, nada a opor. Ela dispõe de aca­de­mias. In­fe­liz­mente, muito poucas e só existem em clí­nicas ou sa­lões de be­leza ou es­té­tica, que dis­põem de poucos apa­re­lhos, os quais, aliás, só podem ser usados em ho­rá­rios li­mi­tados.

Não pre­cisa dizer que a mu­lher não pode ir so­zinha a um res­tau­rante, aca­demia, loja ou con­sul­tório mé­dico sem seu guar­dião.

No en­tanto, há um local onde, mesmo com a com­pa­nhia desse in­de­fec­tível guar­dião, ela não pode ir de jeito ne­nhum: os ce­mi­té­rios.

Acom­pa­nhar um en­terro é ab­so­lu­ta­mente proi­bido para mu­lheres de qual­quer idade. Não adi­anta apre­sentar carta de re­co­men­dação de um prín­cipe da fa­mília real.

As au­to­ri­dades acre­ditam que os mortos podem ouvir. E não querem per­turbá-los com as ine­vi­tá­veis la­men­ta­ções e cho­ra­deiras, que as mu­lheres, seres ex­tre­ma­mente emo­tivos, não se­riam ca­pazes de evitar.

Num ce­mi­tério, elas só en­tram quando estão sendo en­ter­radas.

Fi­nal­mente, é pre­ciso men­ci­onar a exis­tência de uma im­por­tante norma legal em favor das mu­lheres, da­tada de 2013: a cri­mi­na­li­zação da vi­o­lência do­més­tica (desde que exa­ge­rada ou não jus­ti­fi­cada) e do abuso se­xual.

O chato é que, por en­quanto, os juízes cos­tumam con­denar os cri­mi­nosos a penas pouco se­veras, em geral, apenas pe­cu­niá­rias.

Não que­remos des­me­recer a li­ber­dade no vo­lante, con­quis­tada pelas mu­lheres sau­ditas com muita luta. Al­gumas das pi­o­neiras foram presas em certas oca­siões.

Mas ainda há muito que con­quistar até que as mu­lheres sau­ditas con­sigam ter di­reitos idên­ticos aos dos ho­mens.

Nos bo­ok­ma­kers de Lon­dres as apostas de isso acon­tecer neste sé­culo têm sido raras.

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