Internacional

Facebook acha que pode realizar experimentos onde bem entende com quem quer que seja

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Stevan Dojcinovic – Meu país, a Sérvia, se tornou um laboratório involuntário para os experimentos do Facebook em comportamento do usuário, e a organização de jornalismo investigativo independente, sem fins lucrativos, da qual sou editor-chefe é uma dos infelizes camundongos de laboratório.

No mês passado, notei que nossas histórias deixaram de aparecer no Facebook como de costume. Fiquei aturdido. Nossa maior fonte individual de tráfego, responsável mais da metade de nossas visualizações de página mensais, foi aleijada.

Com certeza tratava-se de uma falha. Não era.

O Facebook fez uma mudança pequena, porém devastadora. As postagens feitas por “páginas”, incluindo as de organizações como a minha, foram removidas do feed de notícias regular, que os usuários regularem costumam ver quando fazem o login no site da rede social. Elas agora foram segregadas em uma seção separada chamada Explore o Feed, que os usuários precisam selecionar antes de poderem ver nossas histórias. (Sem causar surpresa, isso não se aplica às postagens pagas.)

Não foi apenas na Sérvia que o Facebook decidiu realizar esse experimento de manter as páginas de fora do feed de notícias. Outros países pequenos que raramente aparecem nas manchetes ocidentais (Guatemala, Eslováquia, Bolívia e Camboja) também foram escolhidos para o experimento do Facebook.

Alguns sites de tecnologia relataram que essa mudança pode vir a ser adotada para os usuários do Facebook em todo o mundo. Mas é claro que ninguém tem como saber o que a empresa de rede social pretende. E também não temos como fazê-la prestar contas, exceto expô-la publicamente. Talvez seja por isso que tenha optado por experimentar essa nova função em países pequenos, distantes dos interesses da maioria dos americanos.

Mas para nós, mudanças como essas podem ser desastrosas. Atrair visualizações para um artigo depende, acima de tudo, de tornar o processo o mais simples possível. Até mesmo um clique adicional pode fazer uma enorme diferença. Trata-se de uma ameaça existencial, não apenas para minha organização e outras como ela, mas também para a capacidade dos cidadãos de todos os países submetidos à experiência do Facebook de saberem a verdade a respeito de suas sociedades e seus líderes.

A Sérvia é um exemplo perfeito do motivo para o contexto político da experiência do Facebook importar. A Sérvia escapou da ditadura de Slobodan Milosevic em 2000, mas ainda não se desenvolveu em uma democracia plena. Um partido, liderado pelo presidente Aleksandar Vucic, controla não apenas o Parlamento, mas também todo o sistema político. Nosso país não tem nenhuma tradição em freios e contrapesos. Vucic agora se apresenta como progressista e pró-União Europeia, mas como ministro da Informação do governo Milosevic, ele foi responsável pela censura da cobertura pela imprensa.

Hoje, a censura na Sérvia adquire uma forma mais branda. Veículos maleáveis, leais ao governo, recebem tratamento preferencial e mais fundos dos orçamentos locais e central. Aqueles que se desviam se veem recebendo visitas inesperadas de fiscais da Receita.

Este não é um lugar fácil para ser um jornalista independente. Desde 2015, minha organização investigativa sem fins lucrativos, a “KRIK”, cobre histórias que a mídia tradicional não cobre. Em troca, somos espionados e ameaçados, temos histórias torpes inventadas sobre nossas vidas privadas publicadas na primeira página de tabloides nacionais.

No ano passado, a “KRIK” publicou uma história mostrando que quando era um jovem cirurgião, Zlatibor Loncar, o atual ministro da Saúde, contratou uma gangue para matar um de seus inimigos, segundo depoimentos no tribunal prestados por testemunhas protegidas. Você pensaria que a história de um futuro ministro ministrando veneno por sonda intravenosa chamaria atenção, mas os veículos tradicionais de notícias a ignoraram.

Visitar o site da “KRIK” é a única forma de os cidadãos sérvios saberem a verdade sobre essa história e muitas outras como ela. E até o mês passado, a maioria de nossos leitores chegava ao nosso site por meio do Facebook.

O Facebook nos permitia contornar os canais tradicionais de mídia e levar nossas histórias a centenas de milhares de leitores. Mas agora, enquanto a rede social alega estar combatendo as “notícias falsas”, ela está prestes a nos arruinar.

Esse é o motivo para os experimentos arbitrários de Mark Zuckerberg serem tão perigosos. Os principais canais de TV, jornais e os veículos controlados pelo crime organizado não têm dificuldade para comprar anúncios no Facebook ou encontrar outras formas de chegar ao seu público. São organizações pequenas e alternativas como a minha que sofrerão.

Nós jornalistas também temos alguma responsabilidade nisso. Usar o Facebook para chegar aos nossos leitores sempre foi conveniente, de modo que investimos tempo e esforço desenvolvendo nossa presença lá, o ajudando a se transformar no monstro que é hoje.

Mas o que foi feito está feito. Uma empresa privada, que não presta contas a ninguém, tomou conta do ecossistema de mídia do mundo. Ela agora é responsável pelo que acontece ali. Ao escolher países pequenos com instituições democráticas frágeis como alvo de experimentos, ela mostra uma cínica falta de preocupação com a forma como suas decisões afetam os mais vulneráveis.

Agora que vimos o que o Facebook faz com seu poder, temos que encontrar uma forma de colocá-lo sob controle. O Twitter é a segunda plataforma mais usada na Sérvia (apesar de em um distante segundo lugar). Provavelmente começaremos a usá-lo mais. Talvez também seja hora de considerar outras plataformas mais descentralizadas.

Sempre fui atraído por cenas alternativas. Nos anos 90, eu dirigi uma pequena revista punk independente. Agora, como editor e repórter investigativo, quero cobrir histórias que os veículos grandes e tímidos não desejam cobrir. Em um país como a Sérvia, sites independentes como o meu, e os poucos outros que sobrevivem, são os únicos locais onde as pessoas podem saber a verdade.

O Facebook poderia ser uma ferramenta para permitir que esses espaços alternativos prosperassem. Em vez disso, ao menos na Sérvia, ele corre o risco de se tornar apenas mais um playground para os poderosos.

https://noticias.uol.com.br/midiaglobal/the-international-new-york-times/2017/11/20/opiniao-facebook-acha-que-pode-realizar-experimentos-onde-bem-entende-com-quem-quer-que-seja.htm?news=true

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