Política

Existe fórmula ideal para financiar campanhas?

Tempo de leitura: 9 min

Ivan Ryngelblum  – Acabar com a doação de empresas a partidos reduz a corrupção – ou a aumenta por meio do caixa 2? Como garantir transparência, fiscalização e idoneidade no financiamento de campanhas?

“Somos todos hipócritas”, bradou Paulo César Farias, num raro surto de sinceridade, ao ser questionado por congressistas, em uma CPI em 1992, se o ‘Esquema PC’ havia irrigado, por meio de caixa dois, a campanha de Fernando Collor três anos antes. Naquela época, eram proibidas as doações empresariais a campanhas políticas.

Após os escândalos, foi instituída em 1995 uma nova legislação que permitiu que empresas e pessoas físicas pudessem doar aos partidos. Os escândalos continuavam a aparecer: em novembro de 2000, por exemplo, o jornal Folha de S. Paulo publicou reportagem afirmando, com base em documentos, que a campanha à reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, recebeu R$ 10 milhões em doações por meio de uma contabilidade paralela.

O valor parece irrisório diante dos escândalos revelados pela operação Lava-Jato. Agora, um novo esquema se revela: além do tradicional caixa dois, há um grandioso esquema de propinas que alimenta as milionárias campanhas políticas brasileiras por meio de doações “legais”.

Sob impacto dos últimos escândalos, no ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) analisou e julgou inconstitucional o financiamento eleitoral por empresas. A medida passará a valer para as eleições municipais deste ano.

“Embora, em princípio, não se deva estabelecer uma relação direta entre o financiamento e a corrupção política, o certo é que o financiamento se converteu, em muitas ocasiões, em fonte de corrupção, tanto em países subdesenvolvidos como nos desenvolvidos”, afirmou, em artigo publicado em 2005, Daniel Zovatto, diretor do Instituto Internacional para la Democracia y Asistencia Electoral (IDEA) para a América Latina e Caribe.

‘Embora não se deva estabelecer uma relação direta, o certo é que o financiamento se converteu em fonte de corrupção, tanto em países subdesenvolvidos como nos desenvolvidos’

Uma das formas, segundo Zovatto, de se reduzir a corrupção no financiamento de campanhas políticas é a adoção de medidas para baratear as disputas – por meio de limites de gastos, redução do período eleitoral e diminuição da propaganda política.

As eleições brasileiras de 2014 foram as mais caras da história e uma das mais caras do mundo. Segundo o TSE, o último pleito custou R$ 5,1 bilhões – valor 59% superior às eleições de 2010 (leia aqui artigo da série Reforma Política sobre o alto custo das disputas eleitorais e medidas que podem barateá-lo).

Segundo artigo do ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, 95% desses R$ 5,1 bilhões foram doados por pessoas físicas ou jurídicas – dos quais 77% vieram de empresas, entidades ou associações e 23% de indivíduos. Os outros 5% dos recursos para pagar a eleição vieram de recursos públicos, sendo 3% deles do Fundo Partidário e 2% de contribuições espontâneas.

Essa proporção deve mudar significativamente a partir destas eleições, aumentando os repasses de recursos públicos e elevando a participação de doações de pessoas físicas no processo eleitoral.

Para Toffoli, o novo sistema brasileiro de financiamento serve de incentivo para que os eleitores se envolvam mais com o processo político, ao se tornarem as maiores responsáveis pelo financiamento das campanhas de seus candidatos. Contudo, essa nova realidade apresenta dois desafios: “de um lado, a baixa renda da maior parte da população brasileira, e de outro a possibilidade de que candidatos se auto financiem”. Segundo o ministro, esses dois fatores podem servir para que apenas candidatos com alto poder aquisitivo entrem na disputa eleitoral.

Para Toffoli, o novo sistema brasileiro de financiamento serve de incentivo para que os eleitores se envolvam mais com o processo político

Além da proibição da doação de empresas, o Congresso aprovou medidas no ano passado para reduzir o custo das campanhas (redução de sua duração, limite de gastos e diminuição do horário político). Políticos e marqueteiros têm dito que as eleições deste ano serão chinfrins; publicitários famosos, como Nelson Biondi e Duda Mendonça, afirmaram ao Estadão que não trabalharão em campanha este ano. E muitos políticos e instituições acreditam que o caixa dois voltará em alta.

Formas de financiamento

Existem três formas de financiamento de campanhas: o exclusivamente público (com repasses do governo), o exclusivamente privado (que prevê apenas doações de empresas e de pessoas) e o misto, que permite aos partidos receberem recursos de fontes públicas e privadas.

Pelas regras que vigoram atualmente, o Brasil entrou no grupo dos poucos países da América Latina que proíbem a doação de empresas, junto com Paraguai, Uruguai e México. Esse grupo representa 21,9% do total da região. A maioria (62,5%) permite que partidos recebam ajuda privada. Apenas dois países proíbem totalmente o financiamento público – Venezuela e Bolívia.

Na América Latina, a maioria dos países (62,5%) permite financiamento empresarial a campanhas; Venezuela e Bolívia são os únicos que não possuem financiamento público

Zovatto destaca que os sistemas de financiamento vigentes na região tendem a ter regulamentação abundante, baixos níveis de transparência, órgãos de controle débeis, regime de sanções ineficaz e uma cultura inclinada ao não-cumprimento.

“Estamos em uma região com tradições políticas e culturais que favorecem o clientelismo e a impunidade, e que práticas de contabilidades duplas, estruturas paralelas, desvio de doações e etc., não são fáceis de erradicar de um dia para outro. Daí que, ao lado da lei, mecanismos culturais e pedagógicos também devem ser utilizados na formação cidadã para o acatamento das regras e a busca da transparência”, afirma Zovatto.

Argumentos

Argumentos para defender o financiamento privado, público ou misto existem e são diversos, mas a história mostra que nenhum deles é capaz de combater totalmente a corrupção.

“Episódios de corrupção associados ao financiamento da política verificam-se tanto em países que prevêem o financiamento público quanto naqueles que não o contemplam”, afirmou Delia Ferreira Rubio, consultora internacional na área de transparência eleitoral, em artigo publicado em 2005.

Uma vez que nenhuma forma de financiamento é capaz de combater, por si só, a corrupção de eleições, a escolha de um modelo passa por um debate que está na raiz das discussões políticas nos últimos tempos: a função do Estado na sociedade.

Para quem defende o financiamento público, a medida ajudaria a tornar a disputa mais justa, impedindo que um partido seja muito mais forte que o outro em aspectos financeiros, além de diminuir o poder de influência de empresas sobre políticos.

Os defensores do financiamento público de campanhas acreditam que a medida diminui o poder de influência das empresas sobre políticos

Esse modelo, porém, sofre críticas de quem não acredita que o Estado deva ter presença maciça no dia a dia. “O Estado terá de ampliar a parcela do orçamento público alocada aos partidos ou candidatos, por mais baixos que sejam os custos das campanhas”, argumenta Rubio. “O aumento dos fundos destinados à atividade política não é facilmente justificável em sociedades como as da América Latina, geralmente com economias frágeis – quando não em franca crise – e importantes demandas sociais insatisfeitas”.

De fato, os recursos do Fundo Partidário aumentaram significativamente nos últimos anos no Brasil. Na última década, os recursos alocados pelo governo federal ao Fundo Partidário saltaram de R$ 117,9 milhões, em 2006, para R$ 819 milhões neste ano, um aumento de sete vezes. O maior valor foi registrado em 2015 – R$ 867,5 milhões, um pouco mais que o dobro visto no ano anterior (R$ 308,2 milhões).

Para 2016, o Orçamento da União, elaborado pelo governo Dilma Rousseff prevê R$ 819 milhões para o Fundo. O valor está acima do inicialmente planejado – R$ 311 milhões, ou 163% maior – após ter sido elevado pelo Congresso e sancionado pela então presidente. Segundo integrantes do governo, não houve veto à proposta diante do fim do financiamento empresarial, que deve dificultar as campanhas eleitorais para municípios neste ano.

O argumento dos defensores do financiamento privado é que os partidos são associações privadas e com participação voluntária, o que lhes conferem “o direito e o dever” de levantar os recursos necessários para que a agremiação sustente suas funções. “O problema desse enfoque é que os partidos políticos, embora sejam associações voluntárias, têm na verdade uma natureza mista, quase pública, como reconhecem muitas das constituições vigentes. Visto que uma das finalidades dos partidos é o acesso ao governo e a condução dos assuntos públicos, as questões que lhes dizem respeito deixam de ser de atribuição exclusiva de seus integrantes”, afirma Rubio.

Tanto para Rubio quanto para Zovatto, transparência, fiscalização e a aplicação de sanções são as melhores formas de coibir tentativas de corrupção, independentemente de como as campanhas são financiadas. Zovatto vai além, defendendo que o barateamento das disputas pode ajudar a reduzir a corrupção. Mas ele mesmo reconhece que será sempre preciso revisar as leis e normas para combater esse tipo de crime.

Transparência, fiscalização e aplicação de sanções são as melhores formas de coibir tentativas de corrupção, independentemente de como as campanhas são financiadas

“Todo esforço regulador do financiamento político deve levar em conta seu caráter flutuante e conjuntural em que a adoção de uma solução costuma produzir efeitos não desejados, os quais deverão ser, por sua vez, corrigidos mediante uma nova reforma legal”, disse. “Não existe um sistema de financiamento único, ideal, funcional para todos os países e situações. Ao contrário, cada país necessita projetar e aplicar seu próprio sistema de acordo com seus valores políticos e sua cultura”.

http://calle2.com/existe-formula-ideal-para-o-financiamento-de-campanha/

Deixe uma resposta