Sociedade

É preciso levar o Estado de Direito que produziu a Lava Jato até a Rocinha

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Celso Rocha de Barros – Talvez por inspiração do general Mourão, o traficante Rogério 157 tentou dar um golpe de Estado na boca de fumo da Rocinha, bairro do Rio de Janeiro. O resultado, para a esmagadora maioria dos cidadãos de bem que vivem na comunidade, foi o previsível: um banho de sangue, noites de terror para inocentes, um vestibular perdido para os alunos do cursinho que a UERJ oferecia no local, e a paralisação da economia do bairro. É exatamente o que aconteceria no resto do Brasil se Mourão tentasse seu golpe.

Mourão, é claro, mente para seu público que não é Rogério 157, que é o Exército subindo a Rocinha para garantir a paz. Isso é falso. O Exército está no Rio a pedido das autoridades eleitas, que mantêm o controle da operação. No Rio de Janeiro, as Forças Armadas estão cumprindo seu dever nos termos da lei, como deve ser. Pode dar certo, pode dar errado, mas a Constituição permanece em vigor.

O que Mourão propõe é completamente diferente. Por “aproximações sucessivas”, pretende afastar as autoridades eleitas constitucionalmente e tomar o poder pela força. Seu projeto é mergulhar de vez o Brasil no caminho das repúblicas de bananas, onde o acesso ao poder se decide pela força das armas.

O ditador-dono-do-morro Mourão talvez prendesse mesmo políticos corruptos, que, no fim das contas, seriam seus rivais na disputa pelas várias bocas-de-fumo do Estado brasileiro (Rogério 157 e Nem, a propósito, matam traficantes). Mas uma ditadura quebraria toda a estrutura que nos deu a Lava Jato: a imprensa livre, o Judiciário independente, a Polícia Federal estruturada, o constante aperfeiçoamento das leis. Se a democracia brasileira cair, talvez haja corruptos presos, mas serão os últimos. Corra lá agora na Rocinha e veja se há um Sérgio Moro local com poder para julgar Nem, ou um Joaquim Barbosa para condenar Rogério 157. Corra mais ainda quando estiver descendo depois de ter perguntado.

A solução para as áreas ocupadas do Rio de Janeiro não é fácil, mas é clara. É preciso que os moradores da Rocinha, do Juramento, do Jardim Chapadão, contem com a mesma proteção policial oferecida ao morador do Leblon. Há o que se criticar na experiência das UPPs, mas sua ideia central é indiscutível: todo carioca deve ter policiamento em seu bairro.

O fundamental não é combater o tráfico de drogas: é impedir o controle de áreas inteiras da cidade por poderes fascistas como o tráfico, as milícias, ou o general Mourão. Se houver gente vendendo cocaína na Providência, isso é ruim, mas se o morador da Providência puder ser expulso do morro a qualquer momento por decisão do traficante, isso é incomparavelmente pior. Não adianta o morador de Santa Cruz poder criticar Temer ou Lula se não puder criticar a milícia que controla a área. A solução para esse problema começa com a oferta de Estado de Direito para essas comunidades. Também é obviamente necessário oferecer serviços sociais, mas, como fica claro no caso dos vestibulandos da Rocinha, isso tampouco funciona sem um mínimo de segurança.

É preciso levar o Estado de Direito que produziu a Lava Jato até a Rocinha, e não, como defende Mourão, o padrão de disputa política dos morros cariocas para Brasília. As áreas ocupadas pelo crime são territórios de Mourão: é preciso transformá-las em territórios de Moro.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2017/09/1921422-e-preciso-levar-o-estado-de-direito-que-produziu-a-lava-jato-ate-a-rocinha.shtml

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