Política

Democracias vivenciam a mais séria crise desde a 2ª Guerra, diz pesquisador

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Bianca Borges – Professor da UFRN é pessimista sobre possível mudança do cenário político após eleição.

A resposta para o esgotamento do sistema eleitoral brasileiro e a crise de representatividade no país passa, obrigatoriamente, por uma reforma política. É o que defende Homero Costa, 63, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Autor de “Crise dos Partidos: Democracia e Reforma Política no Brasil” (2012, Paco Editorial) e de uma tese em que analisa o impacto dos votos brancos, nulos e abstenções nas eleições presidenciais entre 1989 e 2002, Costa concentra suas pesquisas em temas como a formação de partidos políticos, o financiamento de campanhas, o funcionamento de sistemas eleitorais e os desafios para reformar a política brasileira.

Em entrevista ao UOL, o professor é cético ao comentar o discurso de mudança de boa parte dos candidatos, mas sugere possíveis caminhos para uma efetiva alteração no sistema político brasileiro, que possibilite o aperfeiçoamento da democracia no país.

Costa é pessimista, no entanto: avalia que uma mudança verdadeira dificilmente vai ocorrer, já que “são poucos os parlamentares que vão além da retórica e que pretendem uma reforma política ampla e democrática”. O professor ressalta ainda que não espera muitas novidades no cenário político do país após as eleições, principalmente diante da possibilidade de que os principais personagens nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional permaneçam os mesmos.

O pesquisador também avalia que o elevado índice recente de votos brancos, nulos e de abstenções é reflexo de um cenário de desconfiança dos cidadãos em relação às instituições e da pouca identificação com os partidos políticos. Para Homero Costa, essa descrença é um sinal da crise mais séria dos regimes democráticos desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

UOL – Como pesquisador do sistema político brasileiro, de que modo interpreta o discurso de “mudança” de alguns candidatos? Um dos presidenciáveis, inclusive, fala em “refundar a República”. O que podemos entender com essas frases?

Homero Costa – Discursos fazem parte das campanhas eleitorais, mas como não existe qualquer controle sobre promessas, vale tudo. Quem se der ao trabalho de analisar os discursos e promessas de campanha de presidentes, governadores e prefeitos que foram eleitos, verá que há uma enorme distância entre o que disseram, prometeram e o que efetivamente foi feito. Sobre “refundar a república”, não passa de retórica. Refundar como? E mesmo que isso fosse claro, que houvesse um projeto consistente nesse sentido – o que não deve haver – não depende da vontade de um eventual presidente e nem mesmo de um Congresso. É algo muito mais complexo.

Nosso sistema eleitoral dá espaço a essa prometida “renovação” ou a legislação em vigor contribui para a manutenção do status quo?

O sistema eleitoral brasileiro tem muitas distorções, já apontadas por especialistas e reconhecidas até mesmo pelos parlamentares – muitos dos quais se beneficiam delas.

O atual sistema contribui mais para manter o que já existe do que para renovar ou mudar.

Homero Costa, cientista político e professor da UFRN

E como não deve haver uma renovação substancial nem no Congresso Nacional nem nas Assembleias Legislativas, não deverá haver mudanças também substanciais na próxima legislatura. A legislação eleitoral pode até contribuir para “manter tudo como está”, mas não depende apenas disso. Ela deveria assegurar condições para uma disputa democrática, mas favorece os já favorecidos. O processo eleitoral hoje é muito desigual e antidemocrático: os que exercem mandatos – e que tentam renová-lo – têm muito mais chances, porque contam com mais recursos financeiros (inclusive do fundo partidário e do fundo especial de financiamento de campanhas), marketing, mídia, uma rede de favores criada no exercício do mandato. Além de uma legislação que os beneficia.

O eleitor insatisfeito pode sonhar com uma possibilidade real de mudança? Em que medida a mudança passa pelo Congresso?

Homero Costa diz que chance de renovação do Congresso Nacional é remota

Podemos até sonhar, mas creio que a possibilidade de uma ampla renovação do Congresso é remota. Há poucas alterações em relação às eleições anteriores e uma delas, importante, é o fim do financiamento de empresas a candidatos e partidos. No entanto, não há limites para doações de pessoas físicas – desde que não ultrapassem os 10% dos rendimentos brutos constantes nas declarações de imposto de renda do ano anterior ao da eleição. Nesse sentido, as doações aos candidatos preferenciais de quem tem recursos e interesses a serem defendidos nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional continuarão. E neste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicou uma resolução na qual definiu que um candidato poderá financiar toda sua campanha com recursos próprios. Portanto, quem tem mais dinheiro para bancar a campanha tem mais chances de se eleger. Já era assim antes. Apenas manteve a desigualdade na disputa eleitoral. E não é por acaso que o perfil dos parlamentares é muito distinto da população em geral. São, em geral, homens, brancos e ricos.

Como mudar a ideia do “eles” (políticos) contra “nós” (eleitores)?

O “eles contra nós” expressa a distância entre representantes e representados. Em geral, eles representam os interesses de quem financiou suas campanhas. Mas, quando nos referimos a esta distância, há uma parcela de responsabilidade dos eleitores que não se preocupam em saber nem o que qualifica alguém para ser candidato e muito menos aquele que já é parlamentar, o que fez no mandato e por que quer ser reeleito. Também não exercem qualquer controle em relação ao exercício dos mandatos. Quem faz isso é quem financia campanhas. Como saber e analisar o desempenho dos parlamentares? Os financiadores de campanhas sabem, analisam e exercem efetivo controle de agenda, tanto em relação aos projetos quanto, principalmente, nas votações de temas de seus interesses.

Por que é tão difícil viabilizar uma reforma política e o que deveria constar em uma proposta ideal?

Basicamente, porque não há consenso e nem interesse. São poucos os parlamentares que vão além da retórica e que pretendem uma reforma política ampla e democrática, que poderia resultar em mudanças e melhorias na qualidade da representação e no fortalecimento dos partidos políticos.

O que se tem chamado de reforma política são, na realidade, alguns tópicos de uma limitada reforma eleitoral e cuja preocupação é, fundamentalmente, criar as condições para viabilizar a reeleição dos que exercem mandatos.

Homero Costa, cientista político e professor da UFRN

Uma reforma política democrática é fundamental, tal como a proposta pela Coalizão pela Reforma Política Democrática, criada com a participação de mais de 100 entidades, em agosto de 2013, e que defende um conjunto de reformas estruturais que vão muito além de uma reforma eleitoral, como a reforma agrária, a democratização dos meios de comunicação etc. Não há como realizar essas reformas sem aprofundar o processo de democratização do poder político no Brasil.

Que medidas poderiam viabilizar uma reforma política que aperfeiçoasse a nossa democracia?

Não há consenso nem no Congresso Nacional nem entre os especialistas. O voto distrital, por exemplo, defendido desde o relatório da comissão especial do Senado, apresentado em 1998, e que sequer foi votado, resolveria? Em que modelo? O voto distrital misto, como o da Alemanha, defendido por muitos? Mas, então, por que não manter o sistema proporcional, corrigindo suas distorções? Se optarmos por uma cláusula de barreira, qual seria a ideal?

Pesquisador avalia que resistência do Congresso é obstáculo para reforma

Pessoalmente, defendo o fim do financiamento privado de campanhas, que tem pavimentado o caminho da corrupção no Brasil. E também a democratização do uso dos recursos públicos pelos partidos – o que não ocorre, deixando as campanhas à mercê dos que controlam os partidos.

O fim das coligações em eleições proporcionais, que tem gerado polêmicas, especialmente no que diz respeito à representação dos partidos pequenos, ajudaria a impedir a proliferação de legendas de aluguel e, certamente, associado à cláusula de barreira, diminuiria o número de partidos com representação no Parlamento.

O fim do cargo de suplente de senador, a diminuição do mandato de senador, o limite para renovação de mandatos de deputados, senadores e vereadores, como já ocorre para presidente, governador e prefeito… propostas não faltam! Tanto dentro quanto fora do Congresso Nacional. O problema é como viabilizar. Se depender apenas do Congresso, não vejo possibilidade de aprovar uma ampla reforma política.

Se pudesse sugerir alguma medida, que sugestões daria?

Defendo uma Constituinte exclusiva para a reforma política, mas considero improvável. Ou seja, mais difícil ainda do que aprovar no Congresso Nacional. Outra possibilidade seria criar um misto do Congresso com setores organizados da sociedade civil, que têm projetos de reforma política, como a Coalizão por uma Reforma Política Democrática. Mas também é muito difícil, especialmente sem haver, como provavelmente não haverá, uma renovação substancial (e não apenas de nomes) do Congresso. O que não existe, especialmente por parte do Congresso, é o interesse efetivo de mudanças. Especialmente, as que vão contra os interesses da maioria dos partidos e parlamentares, como as tentativas recentes demonstraram.

O parlamentarismo seria uma boa opção para o Brasil?

Esse seria o melhor sistema de governo. Mas sequer está na pauta das discussões atualmente, nem a definição do modelo de parlamentarismo que seria o mais adequado para o país. Há países parlamentaristas que são monarquias, outras repúblicas parlamentaristas, mas com diferenças (Alemanha e Itália, por exemplo, ou África do Sul e Suriname).

A tentativa mais recente de discutir isso no Brasil foi a criação, em março de 2016, pelo Senado, de uma comissão especial para debater a implementação de um sistema de governo alternativo como tentativa de resolver a crise que então paralisava o país. Os seus articuladores apresentaram um projeto de um modelo similar ao que existe em Portugal e na França. Ou seja, um semipresidencialismo, no qual o presidente continuaria a ser eleito por voto popular e teria mais poderes do que em um regime parlamentarista puro e menos poderes do que no presidencialismo. Mas isso não passou de intenção.

Acredita que a atual crise de representatividade pode estimular uma reforma política? De que forma?

Cientista político vê poucas chances de Congresso aprovar mudanças

Deveria. Mas depende de que reforma política estamos falando. Nem tudo que se tem defendido e entendido como reforma política é necessariamente para melhorar. Mas a crise de representação política é mais complexa e profunda e não é exclusividade do Brasil. Há uma crise dos partidos políticos, do modelo de representação, uma profunda descrença nas instituições – e não apenas em relação ao Legislativo – que não deverão ser resolvidas apenas com uma reforma política. Mas ela pode ser um bom começo, desde que seja no sentido de melhorar a qualidade da representação, de propostas de democratização do processo eleitoral (o que implica em mudanças na legislação em vigor). Mas não vejo a possibilidade disso ocorrer se depender apenas do Congresso.

Em entrevista no começo deste ano, o senhor declarou que o número de votos brancos, nulos e abstenções deve aumentar nestas eleições. Sua previsão permanece?

Permanece, considerando os resultados das pesquisas de intenção de voto, com altos índices de brancos e nulos (elas não indicam os percentuais de abstenções, que deverão aumentar) e o crescimento desse fenômeno nas eleições municipais, em 2016, em relação às eleições de 2014.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a soma das abstenções, votos em branco e nulos foi maior do que o total de votos do primeiro ou do segundo colocados na disputa para prefeito em 22 das 27 capitais, incluindo alguns dos maiores colégios eleitorais do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre. Em dez, os votos em branco, nulos e abstenções foram maiores do que a votação dos primeiros colocados, e em 11 capitais, foram maiores do que os segundos colocados. Nada parece indicar uma diminuição nas eleições de outubro deste ano, em relação a 2016.

A que podemos atribuir esse fenômeno da alienação eleitoral?

As razões são muitas e uma delas é o crescimento da rejeição aos partidos e aos políticos, de maneira geral. Mas o não comparecimento às urnas, a desconfiança dos cidadãos com relação às instituições e a baixa identificação com os partidos políticos também são sinais de que as democracias, na sua forma liberal-representativa, vivenciam a sua mais séria crise desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Há uma crise mais ampla da democracia representativa que se expressa, entre outros fatores, na diminuição da participação eleitoral, mais especificamente nos altos índices de abstenção eleitoral e, no caso do Brasil, somados aos votos em branco e nulos.

https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/09/30/eleicoes-renovacao-entrevista-homero-costa-reforma-politica-desigual.htm

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