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COMO FUNCIONA O SISTEMA ELEITORAL EM CUBA

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Juliana Medeiros – Neste 19 de abril, enquanto Cuba comemorava seu 57º aniversário da “Vitória de Playa Girón”, a Assembleia Nacional do Poder Popular realizava sua segunda jornada de sessão constitutiva, na qual seus deputados votaram pela formação do novo Conselho de Estado e seu presidente.

Neste 19 de abril, enquanto Cuba comemorava seu 57º aniversário da “Vitória de Playa Girón” (quando os cubanos colocaram para correr o exército de mercenários apoiado pelos EUA), a Assembleia Nacional do Poder Popular, recém-eleita, realizava sua segunda jornada de sessão constitutiva, na qual seus deputados votaram pela formação do novo Conselho de Estado e seu presidente.

Pela legislação vigente, depois de eleitos e empossados os deputados da ANPP, a Comissão Nacional de Candidaturas consulta os eleitos que sugerem, cada um, uma lista de 31 pessoas dentre eles, que deveriam integrar o Conselho de Estado. Em seguida, a Comissão apresenta, em votação aberta, uma lista de candidaturas, dentre os nomes mais votados e é um direito dos deputados modificá-la total ou parcialmente. A partir daí, se escolhe o nome do Presidente (que tem função de Chefe de Estado e de Governo).

A sessão para a escolha do mandatário teve início em 18 de março, quando os parlamentares indicaram os candidatos da referida lista para formação do Conselho de Estado, inclusive o presidente. O Conselho de Estado é um órgão colegiado, ou seja, as decisões do presidente são tomadas coletivamente. Isso no âmbito executivo. No legislativo, fica a cargo das Assembleias municipais, provinciais e nacional. O Conselho de Estado também deve prestar contas de suas atividades à Assembleia Nacional.

Portanto, nestas eleições, os cubanos elegeram os deputados da Assembléia Nacional do Poder Popular e estes, elegeram o novo Presidente do Conselho de Estado, Miguel Díaz Canel (99,83% dos votos), o vice Salvador Valdés e mais outros 5 vices e 23 outros membros (muitas mulheres entre eles). A data marcou o fim da jornada eleitoral no país, que teve início em janeiro deste ano.

No último mês,  a Comissão Nacional Eleitoral de Cuba ratificou os resultados das eleições gerais. Um total de 85,65% dos eleitores aptos, exerceram seu direito ao voto – em eleições facultativas – ou 7.399.891 de eleitores compareceram às urnas, em uma população de 11 milhões e meio de cubanos.


Alina Balseiro Gutiérrez, presidenta da CEN, informou em rede nacional que estavam eleitos os 605 deputados da Assembleia Nacional do Poder Popular, como é chamado o parlamento cubano. Gutiérrez ainda acrescentou que 94,42% dos votos depositados nas urnas foram considerados válidos, depois de reunidos os requisitos estabelecidos pela Lei Eleitoral do país, sendo essa uma cifra superior a que foi alcançada na primeira etapa do processo, quando se elegeram os delegados para as assembleias municipais. Esta costuma ser a fase anterior, quando cada bairro, cada província, escolhe dentre as lideranças locais, seus representantes.

Alina Balseiro, presidenta da CEN

O sistema eleitoral cubano prevê que as eleições municipais/provinciais ocorram a cada 2 anos e meio. Já as eleições gerais (para a Assembleia Nacional do Poder Popular) ocorrem a cada 5 anos. As últimas ocorreram agora, em março, e foram derivadas de um processo anterior, quando em sessão extraordinária das Assembleias Municipais do Poder Popular, os delegados eleitos decidiram as candidaturas para delegados às Assembleias Provinciais e também a deputados para a Assembleia Nacional. Ou seja, é facultado às Assembleias Municipais já eleitas, aprovar ou rechaçar a um ou todos os pré-candidatos a delegados às Assembleias Provinciais (equivalentes às Estaduais para nós) e a deputados à Assembleia Nacional. E em cada município, até 50% desses pré-candidatos podem ser escolhidos dentre os delegados já eleitos para a Assembleia Municipal do Poder Popular.

As votações, nas assembleias municipais/provinciais/nacional são realizadas com uma das mãos levantada, já que resultam nominados os candidatos que obtenham (visualmente) mais da metade dos votos dos delegados presentes. Quando este resultado não é obtido, a Comissão de Candidaturas Municipal apresenta uma nova proposição e a submete aos mesmo procedimento. Concluída a sessão da Assembleia Municipal, seu presidente entrega ao presidente da Comissão Eleitoral Municipal a ata em que constam os cidadãos nominados como candidatos a delegados à Assembleia Provincial e a deputados à Assembleia Nacional do Poder Popular.

Em 72 horas, informados os dados à Comissão Eleitoral Provincial e Nacional, dá-se a confecção dos boletos de votação e a publicação dos dados biográficos e fotografias dos candidatos. Esses são cartazes informativos em alguns pontos específicos, já que em Cuba não existe propaganda eleitoral nem comício. A razão é simples: um representante (liderança) é reconhecido pelos cidadãos de seu bairro/cidade/província simplesmente pelo trabalho que realiza cotidianamente.

De uma maneira geral, pode-se dizer que em Cuba o sistema eleitoral é similar ao parlamentarista, ou seja, o povo elege seus delegados e deputados, que vão eleger o Conselho de Estado e o presidente. Quem define quem são os candidatos em Cuba não são partidos políticos, e sim o próprio povo. Nas últimas eleições, cerca de 60% dos pré-candidatos que se inscreveram, não estavam vinculados à partido algum.

Cada circunscrição (formada por um conjunto de bairros) escolhe, em assembleias abertas, um candidato, que irá para as eleições onde todos (cidade/província/país) poderão decidir se aprovam, ou não, por meio de voto facultativo e secreto. Outro dado interessante é que algumas categorias (trabalhadores, mulheres, estudantes e pequenos agricultores) têm espaços reservados (cotas) no Parlamento. Esses elementos formam parte do que os cubanos chamam de Poder Popular, que preserva o contato permanente entre lideranças e a base.

É importante destacar que em Cuba a paridade de gêneros é lei e respeitada em todos os âmbitos, cargos públicos, de direção, ou comando. Assim, as listas de votação obedecem a paridade. Esse ano, a Assembleia Nacional eleita é formada por pouco mais de 53% de mulheres, colocando Cuba no segundo lugar mundial em participação feminina, atrás apenas de Ruanda.

Veja mais detalhes de como ficou configurado o Parlamento Cubano nas eleições 2018 no infográfico abaixo (em espanhol):

Infográfico: Cubadebate

Os parlamentares em Cuba, de qualquer nível (provincial ou nacional), não possuem qualquer benefício, nem salário, nada. Geralmente seguem atuando em suas áreas/profissões, ao mesmo tempo em que atuam em suas funções legislativas.

É verdade que em Cuba há um único partido considerado “oficial”, o Partido Comunista de Cuba (PCC). Mas sua função não é executiva, é formadora, educativa, mobilizadora e, em relação ao Estado, fiscalizadora. O partido formula premissas políticas para o país e envolve a população nas atividades (debates, consultas públicas, etc). Até 1991, o PCC auxiliava na escolha de candidatos, mas deixou neste ano de ter essa função.

Sendo assim, não há necessidade de filiação para candidaturas. No ano passado, por exemplo, um conhecido opositor do “Partido Cuba Independente e Democrática” (CID), se candidatou nas eleições municipais, mas não obteve votos suficientes para se eleger. Na maioria das vezes isso ocorre porque as eleições começam, na primeira fase, com a escolha de delegados (do Poder Popular) nos bairros e é quase sempre desta fase que os opositores não passam, já que raramente obtém votos suficientes no próprio bairro para avançar em outras etapas.

Yuniel O’farril, que vive em Miami, faz parte de um partido com alguma representação em Cuba, mas vive em Miami, o que dificulta, como explicado, na hora de disputar as várias etapas eleitorais. O “Partido Liberal” também já lançou candidatos, como Silvio Benitez, derrotado em 2007 e 2010, e que também vive em Miami.

É importante dizer que não existe proibição em Cuba para a fundação de outros partidos. Não há lei alguma com essa restrição. A questão é justamente a já mencionada não-exigência de filiação partidária para a participação política. Todos os partidos tem função acessória, incluindo o PCC, não podendo indicar candidatos nem fazer campanha. Isso faz com que a maioria das intenções de formação de partidos opositores se extingua em poucas semanas, porque terminam não tendo função prática. A intenção do estado é fazer com que partidos sejam sempre programáticos, isto é, reflitam diferentes pensamentos políticos no país, mas evitando que se transformem em balcões de negócios. Assim, também o PCC exerce a função de qualquer partido político: trabalho de base, pedagógico e de agitação. A questão é que até hoje não apareceu outro partido que alcance o mesmo grau de organização, capilaridade e eficiência que o PCC, apesar dos milhares de dólares injetados todos os anos pelos EUA (valores declarados oficial e anualmente por cada presidente desde a década de 70*, sob a rubrica “apoio financeiro para a oposição democrática em Cuba “, uma aberração em termos internacionais).

O líder cubano Fidel Castro (falecido em novembro de 2016), tantas vezes chamado de “ditador”, na verdade foi eleito sucessivas vezes desde 1976. A circunscrição que o lançava era a de Santiago, onde ele nasceu. De lá ele era eleito para o Parlamento, depois indicado ao Conselho de Estado e em seguida reconduzido como presidente.

Raúl Castro, seu irmão e comandante militar do Oriente durante o período da Revolução Cubana, foi eleito depois que em 2006 Fidel se afastou do cargo por motivos de saúde, deixando definitivamente a condução do país. E de certa forma admitindo que ninguém alcançaria jamais o status de reconhecimento popular que Fidel manteve até o final de sua vida, propôs que o limite passasse a ser de dois mandatos. Essa medida foi aprovada e passou a valer já para ele, eleito presidente em 2007 e reeleito em 2012.

Neste 19 de abril, em um ato especialmente histórico, o atual presidente da  ANPP, Esteban Lazo, convidou os 31 membros do Conselho de Estado a ocuparem seus postos no Parlamento, diante dos deputados que os elegeram. E ratificou: “Deputado Miguel Díaz-Canel, você é o novo Presidente do Conselho de Estado e de Ministros da República de Cuba”.

O Conselho de Estado recém-eleito ficou assim configurado:

Presidente:
Miguel Mario Díaz-Canel Bermúdez
Primeiro Vice-presidente:
Salvador Antonio Valdés Mesa
Vice-presidentes:
Ramiro Valdés Menéndez
Roberto Tomas Morales Ojeda
Gladys María Bejerano Portela
Inés María Chapman
Beatriz Jhonson Urrutia

Demais membros:

Acesse aqui para ler um perfil do presidente eleito Miguel Díaz-Canel. O texto é parte de uma série de reportagens realizadas pela jornalista Fania Rodrigues, correspondente do Brasil de Fato durante as últimas eleições em Cuba.

IX Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular

1 – Apesar das medidas de reaproximação realizadas por Barack Obama e das promessas de campanha do sucessor Donald Trump, este ao assumir o poder foi instado pelos deputados cubano-americanos concentrados em Miami – encabeçados por Marco Rubio -, em evento realizado em abril de 2017, a endurecer o tratamento à Cuba e ampliar o apoio aos dissidentes. Este ano, Trump incluiu no orçamento os 20 milhões de dólares que Obama já destinava para “fomentar a democracia” na ilha.

https://jornalistaslivres.org/2018/04/como-funciona-o-sistema-eleitoral-em-cuba/

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