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Como criar um ignorante

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Paul Krugman – A verdade é que Donald Trump nada sabe; ele é mais ignorante sobre políticas públicas do que você poderia imaginar, mesmo que você leve em conta o fato de que ele é mais ignorante do que é possível imaginar. Mas sua ignorância não é assim tão única: de muitas maneiras, ele está simplesmente trabalhando aos tropeços para canalizar besteiras amplamente populares em seu partido, e em certa medida nas classes falastronas de uma maneira mais ampla.

Na semana passada, o virtual candidato à presidência do Partido Republicano —difícil acreditar, mas é isso— por fim revelou seu plano para recuperar a grandeza dos Estados Unidos: envolve administrar o país como alguém administraria um cassino a caminho de falir. Trump afirmou que ele seria capaz de “chegar a um acordo” com os credores para reduzir a carga de dívida, se suas promessas absurdas de crescimento não funcionarem.

A reação de todo mundo que sabe alguma coisa sobre finanças ou Economia foi uma mistura de horror estupefato e de estupefação horrorizada. Ninguém sugere jogar casualmente no lixo a cuidadosamente cultivada reputação dos Estados Unidos como o mais escrupuloso devedor do planeta, uma reputação que remonta aos dias de Alexander Hamilton.

A solução de Trump entre outras coisas privaria a economia mundial de seu mais importante ativo de segurança: os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, em um momento em que ativos seguros já estão bastante escassos.

É claro que podemos estar certos de que Trump nada sabe sobre isso, e ninguém em seu círculo de assessores vai informá-lo a respeito. Mas antes que simplesmente o ridicularizemos —ou, na verdade, enquanto o ridicularizamos—, cabe perguntar de onde realmente vêm as suas más ideias.

Primeiro, é óbvio que Trump acredita que os Estados Unidos poderiam facilmente se ver diante de uma crise de dívida. Mas por quê? Afinal, os investidores, que estão dispostos a emprestar dinheiro aos Estados Unidos por juros incrivelmente baixos, evidentemente não estão preocupados com a nossa dívida. E há bons motivos para sua calma: os pagamentos de juros do governo federal respondem por apenas 1,3% do PIB (Produto Interno Bruto), ou 6% dos desembolsos totais do governo.

Esses números significam tanto que a carga da dívida é bastante pequena e que mesmo repudiá-la integralmente teria efeito menor sobre o fluxo de caixa governamental.

Assim, porque é que Trump está falando sobre esse assunto? Bem, uma possível resposta é que muitas pessoas supostamente sérias vêm insistindo sobre a ameaça que a dívida federal representa há anos. Por exemplo, Paul Ryan, o presidente da Câmara dos Deputados, alertou repetidamente sobre uma “crise iminente da dívida”. Na verdade, até não muito tempo atrás, toda a elite de Washington parecia estar sofrendo do Mal de Bowler-Simpson, e não se cansava de repetir que a dívida é a maior ameaça que o país enfrenta.

Boa parte dessa histeria quanto à dívida na verdade era um esforço para nos intimidar a um corte nos gastos com a previdência e o programa federal de saúde Medicare, o que explica por que tantas pessoas que se declaravam parte da linha dura fiscal também estavam ansiosas por cortar os impostos dos ricos. Mas Trump aparentemente não foi informado sobre essa farsa específica, e leva a sério a falsa ameaça da dívida.

Ainda assim, mesmo que não compreenda corretamente a situação fiscal, como pode imaginar que seria aceitável para os Estados Unidos dar o calote em suas dívidas? Uma resposta é que ele está extrapolando com base em sua carreira pessoal nos negócios, na qual se saiu muito bem ao acumular grandes dívidas e depois abandoná-las.

Mas é igualmente verdade que boa parte do Partido Republicano compartilha de sua leviandade quanto a um calote. Lembre-se de que a ala legislativa do partido tentou deliberadamente extrair concessões do presidente Obama usando a ameaça de um calote gratuito, por meio da recusa em elevar o limite máximo da dívida federal.

E diversos legisladores republicanos defenderam essa estratégia de extorsão argumentando que um calote não seria tão ruim, e que mesmo com seu acesso a fundos bloqueado o governo dos Estados Unidos poderia “priorizar” pagamentos, e as perturbações financeiras causadas não seriam grande coisa.

Dado esse histórico, não é difícil compreender por que o candidato Trump acredita que não pagar dívidas faça completo sentido.

O fato mais importante a perceber, portanto, é que quando Trump fala asneiras ele usualmente está só oferecendo uma versão bombástica de uma posição generalizada em seu partido. Na verdade, é notável o número de absurdos proferidos por Trump que já haviam sido defendidos anteriormente por Mitt Romney em 2012, de sua afirmação de que o desemprego é muito maior que os números oficiais à sua afirmação de que pode trazer prosperidade ao país iniciando uma guerra comercial com a China.

Nada disso deveria ser tomado como desculpa para Trump. Ele é realmente mal informado, a um ponto assustador; pior, não parece saber disso. O ponto, na verdade, é que sua desavisada falta de conhecimento em geral deriva da atitude desinformada do partido que ele agora lidera.

Oh, e vale registrar: as coisas não são iguais do outro lado da divisa partidária. Você pode não gostar de Hillary Clinton, pode discordar seriamente de suas propostas políticas, mas a candidata e as pessoas que a cercam conhecem os fatos. Ninguém tem monopólio sobre a sabedoria, mas na atual eleição um dos partidos parece ter dominado o mercado da ignorância bruta.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/2016/05/1769272-como-criar-um-ignorante.shtml

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