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Capitalismo sem capital – ou capital sem capitalismo?

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Michael Roberts -Investimento em bens intangíveis agora excede o mesmo em bens tangíveis. As descobertas são apropriadas pelo capital e controladas por patentes, por propriedade intelectual ou meios similares. A produção de conhecimento é direcionada para o lucro.

Tem um novo livro na praça chamado “Capitalismo sem capital – a ascensão da economia intangível”. Os autores, Jonathan Haskel do Imperial College e Stian Westlake do Nesta, querem enfatizar uma grande mudança na natureza da acumulação moderna de capital – a saber que o investimento crescente de grandes e pequenas empresas não está nos chamados bens tangíveis, máquinas, fabricas, escritórios etc mas sim nos ‘intangíveis’, pesquisa e desenvolvimento, software, bases de dado, branding e design. É aí que o investimento está crescendo depressa em relação ao investimento em itens materiais.

Os autores chamam isso de capitalismo sem capital. Mas é claro, estão usando o ‘capital’ em sua noção fisicalista, não como modo de produção e relação social, como a teoria marxista utiliza a palavra. Para a teoria marxista o que importa é a relação de exploração entre os donos do meio de produção (tangíveis e intangíveis) e os produtores de valor, sejam eles trabalhadores ‘mentais’ ou manuais.

Como explicou G Carchedi, não há distinção fundamental entre trabalho manual e mental na explicação da exploração no capitalismo. O capitalismo não pode existir sem o capital nesse sentido.

O conhecimento é produzido por trabalho mental mas não é diferente do trabalho manual. Ambos exigem gasto de energia humana. O cérebro humano, nos dizem, consome 20% de toda a energia que obtemos da nutrição e o desenvolvimento do conhecimento no cérebro produz mudanças materiais no sistema nervoso e mudanças sinápticas que podem ser medidas. Uma vez que a natureza material do conhecimento é estabelecida, a natureza material do trabalho mental a segue.

Trabalho produtivo (ou manual ou mental) transforma valor de uso existente em novo valor de uso (realizado em valor de troca). Trabalho mental é trabalho transformando valor de uso mental em novo valor de uso mental. Trabalho manual consiste em transformações objetivas do mundo ao nosso redor;
Trabalho mental, de transformações da nossa percepção e conhecimento desse mundo. Mas ambos são materiais.

O fato é que as descobertas, geralmente agora feitas por times de trabalhadores mentais, são apropriadas pelo capital e controladas por patentes, por propriedade intelectual ou meios similares. A produção de conhecimento é direcionada para o lucro. Pesquisa médica, por exemplo, é direcionada para remédios em desenvolvimento para tratar doença, não prevenir doenças, pesquisa agrícola é direcionada para desenvolver tipos de plantas as quais o capital pode deter e controlar, ao invés de aliviar a fome.

O que Haskell e Westlake descobriram é que investimento em bens intangíveis agora excede o mesmo em bens tangíveis.

E eles acreditam que isso esteja mudando a natureza do capitalismo moderno. De fato, poderia expor a inutilidade da chamada economia de mercado. O argumento é que um bem intangível (como um software) pode ser usado inúmeras vezes com baixo custo e permitir que um negócio cresça bem rápido. Isso é um exagero, é claro, porque bens tangíveis como máquinas também podem ser usadas várias vezes, mas é verdade que elas contam com a depreciação. Mas o software também fica fora de época para os propósitos exigidos.

De fato, a ‘depreciação moral’ dos intangíveis é provavelmente ainda maior do que dos tangíveis e então aumenta as contradições da acumulação capitalista. Para um capitalista individual, proteger o lucro conquistado de uma nova pesquisa ou software, ou o branding de uma empresa, se torna muito mais difícil quando o software pode ser replicado facilmente e as marcas podem ser copiadas.

Brett Christopher mostrou em seu livro, The Great Leveller, que o capitalismo continua encarando uma tensão dinâmica entre as forças da competição e monopólio. “Monopólio produz competição, competição produz monopólio” (Marx).

É por isso que as empresas se interessam pelos direitos de propriedade intelectual (IPR). Mas o IPR é ineficiente em desenvolver produção. ‘Alastramento’, como chamam os autores, quando o benefício de qualquer descoberta é dividido na comunidade, é mais produtivo, mas por definição, somente é possível fora do capitalismo e do lucro privado – em outras palavras, ao invés de capitalismo sem capital, se torna capital sem capitalismo.

Como concluiu Martin Wolf do Financial Times na sua análise da ascensão dos ‘intangíveis’, “intangíveis exibem sinergias. Vai contra os alastramentos. Sinergias encorajam cooperação, enquanto os alastramentos podem desencorajá-los. Quem quer realmente dar almoço grátis aos competidores?” Então, “juntas, essas características explicam outras duas características fundamentais da economia intangível; incerteza e disputa. A economia de mercado para de funcionar nos moldes familiares”.
No capitalismo, a ascensão do investimento intangível está levando à desigualdade entre os capitalistas. As empresas líderes estão controlando o desenvolvimento de ideias, pesquisa e design e bloqueando o alastramento aos outros. Os FANGs (Facebook, Amazon, Netflix e Google) estão ganhando alugueis de monopólio como resultado, mas às custas da lucratividade de outros, reduzindo-os ao status de zumbi (apenas cobrindo suas dívidas sem a habilidade de expandir ou investir).

De fato, o controle dos intangíveis por um pequeno número de mega empresas pode estar enfraquecendo a habilidade de descobrir novas ideias e desenvolvê-las. A produtividade de pesquisas está diminuindo em uma taxa de cerca de 6.8% ao ano na indústria de semicondutores. Em outras palavras, estamos ficando sem ideias. Essa é a conclusão de pesquisas econômicas da Universidade de Stanford e do Instituto de Tecnologia e Inovação de Massachusetts. Eles acreditam que para manter a Lei de Moore – agora precisa-se de 18 vezes mais cientistas do que foi necessário em 1970. Isso significa que os resultados de cada pesquisador é 18 vezes menos efetivos em termos de geração de valor econômico do que foi há muitas décadas atrás.

Por isso, temos a posição onde os novos setores líderes estão cada vez mais investindo em intangíveis enquanto o investimento no geral cai junto com a produtividade e o lucro. A lei de Marx de lucratividade não é modificada mas sim intensificada.

A ascensão dos intangíveis significa uma maior concentração e centralização do capital. Capital sem capitalismo se torna socialismo imperativo.

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Capitalismo-sem-capital-u213-ou-capital-sem-capitalismo-/4/39087

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