Política

“Ao aprofundar seu programa, classes dominantes aprofundam a própria ingovernabilidade do Brasil”

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Gabriel Brito – Para o eco­no­mista José Antônio Mar­tins, o es­touro das de­la­ções dos exe­cu­tivos da JBS Friboi que jo­garam de vez o go­verno Temer na fo­gueira não é ponto sem nó, após seu go­verno com­pletar um ano sem ne­nhuma “meta” al­can­çada. Na en­tre­vista que con­cedeu ao Cor­reio, ele fala de uma in­con­tro­lável es­ta­bi­li­dade do re­gime po­lí­tico e econô­mico bra­si­leiro, dentro de uma di­nâ­mica de re­a­jus­ta­mento da po­sição do país na di­visão global da ex­plo­ração ca­pi­ta­lista, ainda em ges­tação. Não há es­paço para oti­mismo.

“(as re­ve­la­ções são) apenas pro­vi­den­cial opor­tu­ni­dade para ele ser des­car­tado pelo mer­cado. Temer não con­se­guiu re­cu­perar o cres­ci­mento da eco­nomia e mos­trava até di­fi­cul­dades para aprovar as ‘re­formas’. Para o mer­cado Temer é um in­com­pe­tente até para es­conder suas fal­ca­truas. Em termos prá­ticos, acabou seu man­dato. Mas, é bom re­petir, não porque acaba de ser re­ve­lado para o grande pú­blico que ele seja apenas mais um la­drão de gra­vata a ocupar a pre­si­dência da Re­pú­blica”, afirmou.

Mar­tins também acre­dita numa in­tenção ge­ne­ra­li­zada de es­tancar a Lava Jato, ope­ração que re­vela o des­con­trole das dis­putas in­ter­ca­pi­ta­listas, na­ci­o­nais e es­tran­geiras, que co­lo­nizam o Brasil. “Na luta para salvar da prisão seus mais bri­lhantes em­pre­sá­rios e suas mais im­por­tantes li­de­ranças po­lí­ticas, os donos do poder pros­ti­tuem não só seus re­pre­sen­tantes no Exe­cu­tivo e no Le­gis­la­tivo. Agora, em um es­tágio mais avan­çado da in­go­ver­na­bi­li­dade no país, pros­ti­tuem também a mai­oria dos mi­nis­tros do Su­premo Tri­bunal Fe­deral. E o fazem des­ca­ra­da­mente. Aber­ta­mente”, des­tacou.

Di­ante do quadro, e com as fracas ma­ni­fes­ta­ções que os grupos iden­ti­fi­cados à es­querda têm re­a­li­zado, o pro­fessor da UFSC e editor do Crí­tica da Eco­nomia, con­si­dera im­pos­sível qual­quer saída mi­ni­ma­mente ra­zoável para a po­pu­lação, in­clu­sive por meio das Di­retas Já, e é pes­si­mista com os tempos vin­douros.

“O clau­di­cante lu­lo­pe­tismo co­meçou a morrer por volta 2013, dois ou três anos de­pois do úl­timo choque global. E morreu de vez com o im­pe­a­ch­ment de Dilma Rous­seff. So­braram suas almas pe­nadas. Essa forma de po­pu­lismo senil foi des­car­tada pelos seus pa­trões ca­pi­ta­listas e im­pe­ri­a­listas da mesma forma como Temer está sendo agora. Mas as as­som­bra­ções do lu­lo­pe­tismo ainda pesam sobre a es­querda de­mo­crá­tica. As ma­ni­fes­ta­ções contra o go­verno, como as de do­mingo pas­sado, pre­cisam se li­bertar do peso destes mortos in­se­pultos. De todo modo, só quem for to­tal­mente in­capaz de ob­servar cui­da­do­sa­mente o que se passa na eco­nomia na­ci­onal e, con­se­quen­te­mente, o que vem pela frente no Es­tado ca­pi­ta­lista bra­si­leiro, pode ima­ginar a pos­si­bi­li­dade de mais um man­dato de Lula. Ou mesmo de uma eleição ‘normal’ em 2018. Isso é uma grande bo­bagem”, ana­lisou.

A en­tre­vista com­pleta com José Antônio Mar­tins pode ser lida a se­guir.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que co­menta das re­ve­la­ções tra­zidas à tona com a in­ves­ti­gação dos exe­cu­tivos da JBS-Friboi, que pra­ti­ca­mente im­plodem o go­verno Temer e res­pingam po­de­ro­sa­mente em al­guns as­so­ci­ados, como Aécio Neves?

José Antônio Mar­tins: É re­sul­tado de um es­tágio avan­çado de pu­tre­fação na ca­pa­ci­dade de go­vernar das classes do­mi­nantes no Brasil. O caso Friboi re­vela de ma­neira mais clara como ver­da­deiros donos do poder têm di­fi­cul­dades cres­centes de ga­rantir a go­ver­na­bi­li­dade do seu pró­prio Es­tado. Quer dizer, di­fi­cul­dades cres­centes de exe­cutar de forma es­tável e pre­vi­sível seus in­te­resses econô­micos e a ca­pa­ci­dade de ad­mi­nis­trar a luta de classes. Nas con­di­ções clás­sicas de in­go­ver­na­bi­li­dade bur­guesa atu­al­mente em curso no Brasil, as coisas da ad­mi­nis­tração pú­blica e as pes­soas en­vol­vidas ficam im­pre­vi­si­vel­mente des­con­tro­ladas. Cro­ni­ca­mente in­go­ver­ná­veis. De re­pente, tudo acon­tece de ma­neira sur­pre­en­dente, ina­cre­di­tável. As pers­pec­tivas são de piora da si­tu­ação.

Cor­reio da Ci­da­dania: Globo e Veja já “de­mi­tiram” Temer, ainda que de­fendam suas re­formas; ou­tros como a Folha ainda tentam mantê-lo. O que falar do com­por­ta­mento da mídia em­pre­sa­rial ao con­si­de­rarmos todos os seus brados contra a cor­rupção, que to­maram conta de sua pauta jor­na­lís­tica neste sé­culo?

José Antônio Mar­tins: A mídia dos ca­pi­ta­listas e do im­pe­ri­a­lismo pro­cura en­con­trar uma saída para ga­rantir as in­de­fec­tí­veis “re­formas ne­ces­sá­rias”. Mas o que está mais do que claro é que a rou­ba­lheira não é o maior pro­blema atual da po­lí­tica bra­si­leira. Cor­rupção a gente en­contra em toda parte. É da na­tu­reza do re­gime ca­pi­ta­lista. Até re­cen­te­mente ela era trans­for­mada pelos donos do poder e sua mídia em tapa-olho po­lí­tico para es­conder os ver­da­deiros crimes econô­micos e so­ciais que eles pra­ticam quo­ti­di­a­na­mente.

Em mo­mentos de crise de go­ver­na­bi­li­dade, esse tapa-olho é mais uti­li­zado que em épocas nor­mais. Globo, Veja, Folha de S. Paulo e ou­tros re­pre­sen­tantes mai­ores da mídia dos donos do poder no Brasil con­ti­nuam re­per­cu­tindo essa mis­ti­fi­cação. É im­por­tante des­viar a opi­nião e o ima­gi­nário do grande pú­blico do ver­da­deiro pro­blema po­lí­tico atual. Mas tal ex­pe­di­ente já perde sua força frente à gra­vi­dade da si­tu­ação econô­mica e so­cial.

Os ca­pi­ta­listas e ren­tistas em geral, por seu lado, não se iludem com bo­ba­gens mo­ra­li­zantes. Sabem que o grande pro­blema criado com a imi­nente queda de Mi­chel Temer – per­fei­ta­mente es­pe­rada pelas pes­soas bem in­for­madas, diga-se de pas­sagem – é que, além de ou­tros fla­grantes de­litos ca­pi­ta­listas, as sa­gradas “re­formas” tra­ba­lhistas e da Pre­vi­dência, apa­ren­te­mente tão bem en­ca­mi­nhadas, até o dia 17 de maio, po­de­riam cair junto com o atual go­verno.

Cor­reio da Ci­da­dania: En­xerga re­lação entre as re­ve­la­ções da JBS e a falta de re­sul­tados prá­ticos do go­verno?

José Antônio Mar­tins: En­xergo. Mas não como uma cons­pi­ração mi­nu­ci­o­sa­mente pla­ne­jada, como alar­deia o pró­prio Temer. Apenas como pro­vi­den­cial opor­tu­ni­dade para ele ser des­car­tado pelo mer­cado. Temer não con­se­guiu re­cu­perar o cres­ci­mento da eco­nomia e mos­trava até di­fi­cul­dades para aprovar as “re­formas”. Antes mesmo do ter­re­moto de de­la­ções da úl­tima se­mana, o ho­mens do mer­cado já ti­nham per­dido grande parte da con­fi­ança de que esse go­verno pro­vi­sório ti­vesse força po­lí­tica su­fi­ci­ente para ad­mi­nis­trar seus ne­gó­cios.

As provas agora apre­sen­tadas de que ele também é um grande la­drão do erário pú­blico só fi­zeram agravar aquela des­con­fi­ança. Para o mer­cado Temer é um in­com­pe­tente até para es­conder suas fal­ca­truas. Em termos prá­ticos, acabou seu man­dato. Mas, é bom re­petir, não porque acaba de ser re­ve­lado para o grande pú­blico que ele seja apenas mais um la­drão de gra­vata a ocupar a pre­si­dência da Re­pú­blica.

O pro­blema Temer para os ca­pi­ta­listas é outro. E que vai pautar todo o des­do­bra­mento po­lí­tico dos pró­ximos meses. Qual, neste mo­mento, é a uti­li­dade de um pre­si­dente da Re­pú­blica in­capaz de cons­ti­tuir um ver­da­deiro go­verno, quer dizer, um co­mitê de ne­gó­cios das classes do­mi­nantes capaz de des­car­regar su­ces­sivas “re­formas” nas costas da classe tra­ba­lha­dora? Dá para pensar na es­ta­bi­li­dade de algum go­verno que não seja capaz de ga­rantir a paz so­cial e, con­se­quen­te­mente, os lu­cros dos pa­trões? Foi pela in­com­pe­tência de cum­prir essas ta­refas que Temer caiu em des­graça.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como fica a Lava Jato e seus prin­ci­pais pro­ta­go­nistas do poder ju­di­ciário com a eclosão deste es­cân­dalo, vin­cu­lado à outra in­ves­ti­gação da Po­lícia Fe­deral, a Carne Fraca?

José Antônio Mar­tins: Creio que todos os grupos ca­pi­ta­listas que agem no Brasil, tanto os na­ci­o­nais quanto es­tran­geiros, em­bora muito di­vi­didos pelos seus in­te­resses econô­micos par­ti­cu­lares, estão mais unidos do que nunca na in­tenção de in­ter­romper a cha­mada Lava Jato. A Lava Jato tornou-se apenas um foco de des­con­trole da ad­mi­nis­tração dos ne­gó­cios. Jus­ta­mente a Lava Jato que até pouco tempo atrás eles amavam tanto. In­clua-se aí a alta classe média con­ser­va­dora que saía às ruas ba­tendo pa­nela e pe­dindo o fim da cor­rupção.

Mas não se trata apenas da Lava Jato. Na luta para salvar da prisão seus mais bri­lhantes em­pre­sá­rios e suas mais im­por­tantes li­de­ranças po­lí­ticas, os donos do poder pros­ti­tuem não só seus re­pre­sen­tantes no Exe­cu­tivo e no Le­gis­la­tivo. Agora, em um es­tágio mais avan­çado da in­go­ver­na­bi­li­dade no país, pros­ti­tuem também a mai­oria dos mi­nis­tros do Su­premo Tri­bunal Fe­deral. E o fazem des­ca­ra­da­mente. Aber­ta­mente.

Assim, trans­formam de fato todos os pro­ta­go­nistas do Poder Ju­di­ciário, em todas as suas ins­tân­cias, em todo o país, em meros bo­necos de­co­ra­tivos, sem qual­quer au­to­nomia. Mais do que em qual­quer di­ta­dura mi­litar do pas­sado.

Cor­reio da Ci­da­dania: Qual o ba­lanço deste ano de go­verno Temer, em es­pe­cial em termos econô­micos e os su­postos re­mé­dios para a crise mi­nis­trados por Hen­rique Mei­relles?

José Antônio Mar­tins: O ano de go­verno Temer foi um enorme fra­casso econô­mico. A eco­nomia per­ma­neceu es­tag­nada, o de­sem­prego au­mentou no mesmo ritmo em que se ace­le­rava a de­flação dos preços, dos sa­lá­rios e da uti­li­zação da ca­pa­ci­dade ins­ta­lada. Sem falar em um au­mento dos de­se­qui­lí­brios das contas pú­blicas, exa­ta­mente os de­se­qui­lí­brios que o go­verno pro­metia eli­minar. Os re­mé­dios mi­nis­trados por Mei­relles du­rante o pri­meiro ano de go­verno Temer foram os mesmos de Jo­a­quim Levy du­rante o se­gundo go­verno de Dilma Rous­seff. Re­mé­dios to­tal­mente equi­vo­cados para se en­frentar uma crise cí­clica.

Os dois úl­timos go­vernos bra­si­leiros são os únicos no mundo, junto com o atual da Ar­gen­tina, que fazem neste mo­mento uma po­lí­tica econô­mica con­tra­ci­o­nista. Até as ou­tras grandes eco­no­mias do­mi­nadas do sis­tema global, como China, Índia, Rússia, Tur­quia etc. fazem po­lí­tica fiscal e mo­ne­tária an­ti­cí­clica, quer dizer, re­dução da taxa bá­sica de juros, au­mento dos gastos do go­verno etc. Só no Brasil de Dilma e de Temer, junto com a Ar­gen­tina de Macri, aplica-se a sangue frio a po­lí­tica da morte, a po­lí­tica dos juros e do “ajuste” dos pa­ra­sitas.

As eco­no­mias do Brasil e da Ar­gen­tina ainda per­ma­necem “apenas” es­tag­nadas porque estão es­pe­rando pas­si­va­mente o pró­ximo choque cí­clico global. Quando este úl­timo ocorrer, muitas vezes mais po­tente que o úl­timo ocor­rido em 2008/2009, as duas mai­ores eco­no­mias da Amé­rica do Sul afun­darão abra­çadas. Isso é ines­ca­pável. É nesta pers­pec­tiva econô­mica que se deve pro­jetar a pers­pec­tiva po­lí­tica do curto e médio prazo. A au­to­nomia re­la­tiva desta úl­tima já está quase que to­tal­mente con­su­mida.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como ana­lisa o com­por­ta­mento do lu­lo­pe­tismo em meio a isso tudo? O que achou das ma­ni­fes­ta­ções contra o go­verno neste do­mingo?

José Antônio Mar­tins: O clau­di­cante lu­lo­pe­tismo co­meçou a morrer por volta 2013, dois ou três anos de­pois do úl­timo choque global. E morreu de vez com o im­pe­a­ch­ment de Dilma Rous­seff. So­braram suas almas pe­nadas. Essa forma de po­pu­lismo senil foi des­car­tada pelos seus pa­trões ca­pi­ta­listas e im­pe­ri­a­listas da mesma forma como Temer está sendo agora. Os mo­tivos da re­pen­tina inu­ti­li­dade do lu­lo­pe­tismo para os ca­pi­ta­listas são exa­ta­mente os mesmos que agora selam o des­tino de Temer.

Mas as as­som­bra­ções do lu­lo­pe­tismo ainda pesam sobre a es­querda de­mo­crá­tica. As ma­ni­fes­ta­ções contra o go­verno, como as de do­mingo pas­sado, pre­cisam se li­bertar do peso destes mortos in­se­pultos. Caso con­trário, con­ti­nu­arão muito tí­midas e sem jogar o im­por­tante papel que po­de­riam re­pre­sentar nas ba­ta­lhas de­ci­sivas da luta de classes que já se anun­ciam no nosso dia a dia.

Cor­reio da Ci­da­dania: Você con­si­dera que toda a es­querda já está ren­dida à ideia de mais um man­dato de Lula? Neste caso, o que co­men­taria do com­por­ta­mento de Lula e dos que for­mulam os dis­cursos do pe­tismo, no sen­tido de um even­tual ter­ceiro man­dato?

José Antônio Mar­tins: Creio que nem toda a es­querda de­mo­crá­tica es­teja ren­dida a essa ideia sem sen­tido na re­a­li­dade das coisas. Acho que co­meçam a surgir si­nais alen­ta­dores de que partes cres­centes da es­querda de­mo­crá­tica se dis­tan­ciam do po­pu­lismo as­sis­ten­ci­a­lista de triste me­mória. Dis­tan­ciam-se, in­te­li­gen­te­mente, de uma ilu­sória pers­pec­tiva elei­to­reira e da agenda po­lí­tica bur­guesa. São ca­madas sé­rias de re­vo­lu­ci­o­ná­rios que, nos úl­timos quinze anos, so­bre­vi­veram dig­na­mente ao ter­ro­rismo co­la­bo­ra­ci­o­nista dos go­vernos e pe­legos lu­lo­pe­tistas.

De todo modo, só quem for to­tal­mente in­capaz de ob­servar cui­da­do­sa­mente o que se passa na eco­nomia na­ci­onal e, con­se­quen­te­mente, o que vem pela frente no Es­tado ca­pi­ta­lista bra­si­leiro, pode ima­ginar a pos­si­bi­li­dade de mais um man­dato de Lula. Ou mesmo de uma eleição “normal” em 2018. Isso é uma grande bo­bagem.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que con­si­dera do atual mo­mento das es­querdas e seus dis­cursos em meio à crise de um mo­delo econô­mico que já com­pleta uma dé­cada no pla­neta?

José Antônio Mar­tins: A eco­nomia bra­si­leira vive neste mo­mento um im­passe his­tó­rico. En­contra-se tra­vada a ca­pa­ci­dade de acu­mu­lação do ca­pital na an­tiga forma como vinha se re­a­li­zando até o choque de 2008/2009. Pro­blemas in­so­lú­veis de pro­du­ti­vi­dade, preços, sa­lá­rios e taxa de lucro que cor­res­pondam às novas con­di­ções de va­lo­ri­zação do ca­pital global de­pois deste úl­timo choque de 2008/2009. O mesmo pro­blema é en­fren­tado pelas de­mais grandes eco­no­mias do­mi­nadas dos BRICS, assim como as da Ar­gen­tina, do Mé­xico, da pe­ri­feria da União Eu­ro­peia etc.

É um pro­blema muito amplo cujo de­ta­lha­mento e es­cla­re­ci­mentos não cabem nesta rá­pida en­tre­vista. Su­ge­rimos que acessem nosso site da Crí­tica da Eco­nomia, onde tra­tamos exaus­ti­va­mente deste pro­blema. Basta dizer, por hoje, que as classes do­mi­nantes e im­pe­ri­a­listas contam com uma única carta para tentar re­solver esse ca­be­çudo pro­blema. Ou, me­lhor di­zendo, se de­frontam com uma ver­da­deira si­nuca de bico para des­travar a acu­mu­lação de ca­pital no país e voltar a crescer a altas taxas de lucro e de pro­duto in­terno bruto.

Trata-se de in­te­grar com­pe­ti­ti­va­mente a eco­nomia na­ci­onal às imundas ca­deias pro­du­tivas glo­bais de ca­pital. In­dús­trias mon­ta­doras, ma­qui­a­doras, pla­ta­formas de ex­por­tação, zonas econô­micas es­pe­ciais e ou­tras bar­ba­ri­dades da pro­dução im­pe­ri­a­lista global. Bar­ba­ri­dades, diga-se de pas­sagem, re­ser­vadas ex­clu­si­va­mente para eco­no­mias do­mi­nadas na hi­e­rar­quia im­pe­ri­a­lista global. Para tanto os sa­lá­rios da classe ope­rária no Brasil (ou do exér­cito in­dus­trial de re­serva no Brasil, de ma­neira mais ampla) de­ve­riam ser re­du­zidos a ní­veis hai­ti­anos, in­di­anos, vi­et­na­mitas e ou­tras coisas ab­surdas da glo­ba­li­zação ca­pi­ta­lista.

Isto já vem sendo re­a­li­zado desde o se­gundo go­verno Dilma. Este é também o sen­tido das fa­mi­ge­radas “re­formas ne­ces­sá­rias”, que eles tratam com um fa­na­tismo que nin­guém vai en­con­trar nem na mais fun­da­men­ta­lista re­li­gião que se tenha no­tícia em todo o mundo. Vide prin­ci­pal­mente as novas le­gis­la­ções de ter­cei­ri­zação, da jor­nada de tra­balho, das ne­go­ci­a­ções de sa­lá­rios etc.

A po­lí­tica econô­mica apa­ren­te­mente sui­cida que fa­lamos antes também é exe­cu­tada de ma­neira or­gâ­nica a essa ar­qui­te­tura da des­truição: só uma brutal e longa de­sa­ce­le­ração da pro­dução, acom­pa­nhada de cor­res­pon­dente de­sem­prego, pode re­duzir os sa­lá­rios aos ní­veis ne­ces­sá­rios aos ca­pi­ta­listas. Mas isso só pode ser exe­cu­tado pas­sando pelo crivo da luta de classes.

Cor­reio da Ci­da­dania: Vol­tando à mídia, um man­dato pre­si­den­cial iden­ti­fi­cado à es­querda teria o di­reito de não de­bater a questão da de­mo­cra­ti­zação da mídia e de fazer uma dura re­visão a res­peito da con­cessão da Rede Globo, após exercer enorme papel po­lí­tico na queda de Dilma, a vencer em 2022?

José Antônio Mar­tins: Essa ideia de um man­dato pre­si­den­cial iden­ti­fi­cado à es­querda é ab­surda, to­tal­mente vazia, de­vido às con­di­ci­o­nantes ma­te­riais ab­so­lu­ta­mente iné­ditas na so­ci­e­dade bra­si­leira que ob­ser­vamos bre­ve­mente acima. Mais ab­surdo ainda é se pensar em de­mo­cra­ti­zação da mídia, re­visão da con­cessão da Rede Globo em 2022 e ou­tras gri­tantes in­ge­nui­dades frente ao apo­dre­cido quadro po­lí­tico atual. Sem levar as iné­ditas con­di­ções ma­te­riais atuais em con­si­de­ração, qual­quer ten­ta­tiva de se pensar as pers­pec­tivas po­lí­ticas bra­si­leiras, mesmo para o cur­tís­simo prazo, es­tará to­tal­mente fal­seada.

Pro­cu­rando ser o mais di­dá­tico pos­sível: ao apro­fundar sua atual po­lí­tica econô­mica e so­cial, as classes do­mi­nantes apro­fundam na mesma pro­porção sua in­go­ver­na­bi­li­dade po­lí­tica. Isso ocorre porque a ma­tança da classe ope­rária atu­al­mente em curso eleva a mi­séria da po­pu­lação em geral e a luta de classes a ní­veis al­ta­mente ex­plo­sivos. Não é apenas uma hi­pó­tese, é re­sul­tado de uma in­subs­ti­tuível ne­ces­si­dade das classes do­mi­nantes no Brasil.

Já pode ser cla­ra­mente ve­ri­fi­cada no dia a dia da po­lí­tica bra­si­leira. Basta prestar atenção nas coisas reais que estão acon­te­cendo na nossa cara. É no bojo desta con­tra­dição entre ne­ces­si­dades do ca­pital e sis­te­má­tico as­sas­si­nato de grandes con­tin­gentes do exér­cito in­dus­trial de re­serva que as classes do­mi­nantes perdem o con­trole até das mai­ores ins­ti­tui­ções da ad­mi­nis­tração bu­ro­crá­tica do go­verno e do seu pró­prio apa­relho po­li­cial de re­pressão. E apro­ximam ce­le­re­mente o país de uma guerra civil.

Cor­reio da Ci­da­dania: Quais se­riam as me­lhores saídas no curto prazo para essa enorme crise de le­gi­ti­mi­dade da po­lí­tica e até da de­mo­cracia? 

José Antônio Mar­tins: Creio que a res­posta de­pende de qual lado da luta de classes você se en­contra e da sua pre­o­cu­pação pes­soal com os des­tinos da de­mo­cracia e a sal­vação de ou­tras ins­tân­cias deste re­gime po­lí­tico bur­guês. Mas isso ainda é in­su­fi­ci­ente. A des­peito da me­lhor for­mu­lação pes­soal a res­peito das inú­meras saídas po­lí­ticas no curto prazo para a bur­guesia e sua ca­ri­nhosa go­ver­na­bi­li­dade, creio que do­ra­vante, dada a gra­vi­dade da si­tu­ação, mais do que em ou­tras si­tu­a­ções menos tur­bu­lentas, só a luta de classes e o pro­le­ta­riado em ação po­derão dar uma res­posta mais pre­cisa a essas in­da­ga­ções.

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