Internacional

A vitória do ressentimento

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Oscar Vilhena Vieira – O triunfo do nacionalismo populista nas eleições norte americanas, com sua retórica ofensiva e discriminatória, não deveria surpreender. Assim como milhões de eleitores ingleses, quase metade daqueles que foram as urnas da mais antiga democracia encontram-se profundamente ressentidos com o mundo ao seu redor. Sentem-se abandonados pelo processo de globalização da economia e afrontados por novos padrões e valores culturais dentro de suas próprias comunidades.

A globalização, associada às novas tecnologias, sacrificou empregos e reduziu a renda média do trabalhador. A desindustrialização do interior dos Estados Unidos e da Inglaterra provocou uma forte erosão nas expectativas de uma vida melhor, que tinha marcado as trajetórias de pais e avós da atual geração. O trabalho se tornou mais precário e esporádico. Como explica o cientista político Philippe Schmitter, a ascensão do capitalismo financeiro tem provocado o esgarçamento das bases de solidariedade e representação desses trabalhadores, que passaram a amargar solitariamente seus insucessos. Não há mais sindicatos, partidos ou organizações da sociedade civil que os representem.

O ressentimento de uma boa parte do eleitorado na Inglaterra e nos Estados Unidos parece, no entanto, transcender frustrações de natureza apenas econômica. A expansão dos processos de emancipação das minorias nos campos da orientação sexual e étnica, a flexibilização de políticas de imigração e a promoção da diversidade, associados a um novo discurso de sustentabilidade ambiental, valorizada em grandes centros urbanos, contribui para a desestabilização dos padrões culturais, religiosos e da própria autoridade masculina em comunidades mais tradicionais, fortalecendo um ressentimento difuso e agressivo.

É nesse ambiente, marcado pela impotência, perplexidade e solidão, que a “retórica da intransigência”, para tomar emprestada a expressão forjada pelo economista Albert Hirchman, ganha ressonância em muitas partes do mundo.

Como sagaz empreendedor, Trump encontrou um significativo segmento do mercado eleitoral norte-americano que não se sentia representado. Fundiu um discurso protecionista, quase sindical, mais comum à esquerda, à uma retórica ofensiva, regressiva, xenófoba, misógina e antiambientalista, de extrema direita. Desbancou ao mesmo tempo os líderes conservadores de seu partido, o establishment econômico de Wall Street e os setores socialmente progressistas.

A vitória do ressentimento impõe a todos os setores comprometidos com os valores da democracia repensar seus discursos e estratégias de representação. Como domesticar o capitalismo financeiro global e seus mecanismos de concentração de riqueza, precarização do trabalho e exclusão social? Como recriar uma esfera de formação da opinião pública mais tolerante e reflexiva, num ambiente dominado pelas redes sociais, onde se reafirmam e polarizam identidades e opiniões excludentes? Como harmonizar os efeitos disruptivos da tecnologia no mundo do trabalho, que nos fornecia identidade e solidariedade? Como conciliar o avanço dos múltiplos processos de emancipação e o respeito à diversidade com os interesses de comunidades que lutam para não abrir mão de suas tradições? Não são questões fáceis, mas Trump nos obriga a buscar respondê-las, antes que seja tarde.

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/oscarvilhenavieira/2016/11/1831725-a-vitoria-do-ressentimento.shtml

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