Teoria

A lição de Stanley Milgram

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Thomaz Wood Jr. — Um filme retrata a obra do psicólogo sobre os mecanismos tortuosos de obediência à autoridade

Experimenter

Peter Sarsgaard como Stanley Milgram

O filme Experimenter, de 2015, escrito e dirigido por Michael Almereyda, retrata a vida do psicólogo social norte-americano Stanley Milgram, famoso pelo experimento que leva seu nome. Peter Sarsgaard interpreta o pesquisador.

O experimento Milgram sobre obediência à autoridade foi originalmente realizado na Universidade Yale, nos Estados Unidos, em 1961. Focava a disposição dos indivíduos em responder às ordens de um instrutor que os levava a realizar uma tarefa conflitante com a sua consciência e os seus valores.

No experimento, dois voluntários recebiam instruções, um deles na função de professor e o outro, na de aprendiz. Colocados em salas separadas, comunicavam-se apenas por um sistema interno de áudio. O professor acompanhava o responsável pela realização do procedimento. O aprendiz ficava sozinho e recebia do professor pequenas tarefas. Caso o primeiro não conseguisse completar uma tarefa, recebia um choque elétrico. Os choques tinham sua intensidade aumentada conforme crescia o número de erros. Ocorre que o aprendiz não era de fato um voluntário, mas um cientista no papel de voluntário que errava deliberadamente os testes, fingia receber choques cada vez mais fortes e simulava sofrimento, inclusive desmaios.

No decorrer do teste, vários professores manifestaram incômodo com o processo, mostraram nervosismo e alguns indicaram a intenção de interromper a experiência. No entanto, quando informados de que não seriam responsabilizados pelas consequências, prosseguiam.

O experimento foi repetido em diferentes condições e países por muitos anos, sempre com resultados similares. Tais resultados contrastavam com os achados de painéis conduzidos pelo próprio Milgram. Segundo os levantamentos, a maioria dos entrevistados duvidava que os voluntários seguiriam o experimento e seriam capazes de causar choques severos em seus aprendizes.

Milgram: ‘pessoas comuns podem tornar-se agentes de processos terrivelmente destrutivos’

Milgram, de origem judaica, recebeu seu Ph.D. em Psicologia Social em Harvard e concebeu o experimento de obediência à autoridade em resposta à questão relacionada à postura do notório criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann, que durante seu julgamento afirmou apenas seguir ordens.

Segundo o próprio cientista, “pessoas comuns, simplesmente fazendo seu trabalho, e sem qualquer animosidade pessoal, podem tornar-se agentes de processos terrivelmente destrutivos. Além disso, mesmo quando os efeitos nocivos de seu trabalho se tornam claros e eles são orientados a continuar ações incompatíveis com seus padrões fundamentais de moralidade, relativamente poucas pessoas têm os recursos necessários para resistir à autoridade”.

O cientista esteve no centro de uma polêmica sobre a natureza do experimento e seus resultados. Gerou incômodo por provar que a maioria das pessoas não sabe diferenciar se está agindo por vontade própria ou meramente em resposta à determinação de uma autoridade, e, especialmente em situações de crise, pode delegar decisões importantes a figuras de autoridade. Em certas condições, indivíduos passam a perceber a si mesmo apenas como uma engrenagem de um sistema maior, sob o qual não têm influência, mas no qual exercem um papel.

O filme de Almereyda é esteticamente inventivo e intelectualmente atraente. Não detalha, por causa dos limites impostos pela natureza do meio, nuances e desdobramentos do trabalho de Milgram, mas funciona como uma ótima introdução às suas ideias.Experimenter merece ser visto em conjunto com o belo retrato de Hannah Arendt, levado às telas por Margarethe von Trotta em 2012, com Barbara Sukowa no papel da notável pensadora.

Manohla Dargis, crítica do jornal The New York Times, observou que Experimenter trata da história de um homem cujo trabalho foi assombrado pelos campos de concentração nazistas, marcado pela escalada americana no Vietnã e destinado à posteridade, por expressar uma verdade ainda válida nos dias de hoje.

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