Educação

A escola britânica que deu a volta por cima ao incluir música em todas as disciplinas

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Paula Adamo Idoeta – Escola está entre as que registraram maior avanço em leitura, escrita e matemática no Reino Unido

Em uma sala de aula, as crianças recortam e montam formas geométricas de Tangram, o quebra-cabeça chinês, enquanto escutam música clássica; em outra, cantam, batem palmas e enquanto fazem contas de multiplicação. Na aula de história, há canções para ensinar desde a era vitoriana até as explorações vikings, e os poemas da aula de literatura são recitados em formas de rap.

Essas cenas fizeram parte da estratégia da Feversham Primary Academy, de Bradford (centro da Inglaterra), para, em cerca de seis anos, sair da lanterna do ensino britânico e entrar para o grupo das escolas com maior progresso no aprendizado em sua faixa etária – a escola abriga crianças de 2 a 11 anos.

Até o início da década, Feversham estava na categoria “special measures”, que é quando entram no radar do governo britânico as escolas com resultados acadêmicos “abaixo do padrão de qualidade”.

As dificuldades eram variadas: a escola pública fica em uma região degradada e com níveis elevados de criminalidade e tensões sociais; a maioria dos alunos são migrantes de origem paquistanesa e têm o inglês como segundo idioma.

“Tentamos métodos variados [para melhorar o ensino]: aulas de história e literatura, de cidadania, palestras com grupos religiosos e comunitários”, explicou, em artigo de 2016, o diretor da escola, Naveed Idrees.

“Logo ficou claro que esses métodos convencionais não eram apropriados para a idade e para o contexto social com os quais trabalhávamos. Precisávamos de uma alternativa.”

A alternativa escolhida foi focar na música e nas artes, incorporando jogos, canções e brincadeiras no ensino de todas as disciplinas.

Há aulas de música com referências culturais britânicas e islâmicas

Banco de músicas

A Feversham baseou sua mudança de rumo na chamada “abordagem Kodály”, desenvolvida pelo húngaro Zoltán Kodály (1882-1967) e que prega que a experiência musical seja ensinada pela observação, pela repetição e por movimentos corporais, através do canto e de jogos musicais.

“É semelhante à forma como aprendemos a linguagem: inconscientemente, observando e repetindo (os adultos)”, explica à BBC Brasil Cyrilla Roswell, especialista no método no Reino Unido.

“Daí, cabe aos professores ensinar às crianças as vibrações e batidas (da música). É uma mescla de prática, teoria e uso oral da música.”

O método parte da ideia de que a expressão musical floresce naturalmente nas pessoas desde a infância e promove a socialização e a concentração – o que, por sua vez, ajuda no desempenho das crianças nas demais disciplinas.

Na prática, a direção da escola Feversham deu um novo treinamento aos professores e desenvolveu um banco de atividades musicais para serem usadas nas aulas – jogos feitos com as crianças sentadas em círculos, batendo palmas ou tocando instrumentos musicais com propósitos específicos de ensinar determinadas habilidades ou conteúdos.

Os alunos também passaram a contar com aulas semanais de música e artes dramáticas, abrangendo referências culturais tipicamente britânicas – como Beatles, Queen e Shakespeare – até canções islâmicas, já que a maioria dos alunos de Feversham são muçulmanos.

Alunos são de maioria muçulmana e muitos têm o inglês como segunda língua

O argumento é de que as crianças conseguem desenvolver diversas habilidades por intermédio da música, explica à BBC Brasil Jimmy Rotheram, diretor musical da escola Feversham.

“Ao aprenderem música, elas aprendem a se expressar, a pensar, a socializar e a serem autoconfiantes. A atmosfera na escola mudou, e as crianças se tornaram mais felizes e criativas”, afirma.

“Como cantar também ajuda as pessoas a aprenderem um segundo idioma, as crianças melhoraram seu desempenho em linguagem (inglesa).”

A música no ensino

No caso de Fevesham, a abordagem tem dado resultados. As avaliações mais recentes da Ofsted (agência britânica que supervisiona órgãos educacionais) deram nota “boa” à escola, que hoje situa-se entre as que mais registraram avanços em leitura, escrita e matemática entre todas as escolas primárias britânicas.

No relatório mais recente da Ofsted, de 2014, a Feversham foi descrita como uma escola “que promove o desenvolvimento espiritual, moral, social e cultural dos alunos”.

Na opinião de Rotheram, a estratégia da Feversham poderia ser aplicada em qualquer escola.

“É preciso investir em treinamento de professores, mas eles não precisam ser incrivelmente [conhecedores] de música, basta saber algumas notas. E, uma vez que você vê os resultados (no ensino), fica muito impressionado.”

Ele diz que as escolhas musicais precisam dialogar com o repertório cultural das crianças e que as chances de sucesso são maiores se houver apoio da direção da escola na implementação das políticas. E as atividades não podem ser aleatórias: é preciso haver um propósito específico para cada atividade musical, diz.

Roswell, por sua vez, explica que os professores acabam aprendendo a teoria musical junto com os alunos.

“Só é essencial que estejam comprometidos [com o método]. E há uma percepção errada de que a musicalidade é algo inato – todas as pessoas são musicais.”

Aula sobre a era vitoriana na escola; canções foram incorporadas a todas as disciplinas

As aulas são complementadas por apresentações dramáticas e musicais semanais na escola – tanto das crianças quanto de músicos convidados.

Algumas pesquisas acadêmicas analisaram a música no ensino, inclusive no Brasil. Em 2013, um estudo de pesquisadores da Unifesp publicado no periódico científico Plos One avaliou o impacto da música na aprendizagem de crianças com dificuldades de leitura em São Paulo.

Os resultados, dizia a pesquisa, “mostram efeitos positivos promissores em habilidades de leitura e desenvolvimento acadêmico” entre os alunos que tiveram aulas de música incorporadas em seu currículo escolar.

Entre as explicações para isso estão, segundo o estudo, o fato de a música “ajudar a processar habilidades léxicas [relativas ao conjunto de palavras de uma língua] e a melhorar a diferenciação de tons [de voz] em discursos e leitura”.

Ainda assim, o estudo concluiu que, ainda que os resultados sejam “promissores”, não são suficientes para que as aulas de música sejam sugeridas como uma política pública.

Para Roswell, professores interessados podem começar a introduzir a música aos poucos nas atividades – e devem ter em mente que impactos profundos levam anos para acontecer.

“Mas haverá mudanças imediatas nos alunos: a música os deixa mais felizes. E crianças felizes aprendem mais”, afirma.

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